"Nunca disse que o pior já passou, diz Costa. "Não sabemos se podemos ter daqui a três semanas a variante x"
A imprevisibilidade da pandemia de covid-19 não permite dizer ao primeiro-ministro, António Costa, que o pior desta crise já ficou para trás. Isto numa altura em que vários indicadores da situação em Portugal têm registado uma tendência de diminuição, como o número de internados, de novos casos e de óbitos.
"Nunca disse que o pior já passou, nem do ponto de vista sanitário, nem do ponto de vista económico e social, porque há fatores de imprevisibilidade que ninguém pode negar", afirmou António Costa em entrevista à edição desta sexta-feira do jornal Público.
O chefe do Governo olha para o que aconteceu no passado para justificar esta posição e projeta a incerteza que esta pandemia representa para o futuro. "Tal como ninguém, em outubro, sabia que íamos ter a variante inglesa, também não sabemos se podemos ter daqui a três semanas a variante x, que pode alterar profundamente o panorama", considerou.
Manifesta a mesma posição quando se refere à crise económica e social, que a pandemia provocou. "No dia em que deixarmos de ter qualquer infetado, continuaremos a ter 400 mil desempregados, muitas empresas que, entretanto, faliram ou que têm muita dificuldade em cumprir o esforço remuneratório".
Os desafios que representam o "esforço de recuperação económica" do país não vão permitir "tirar um dia de intervalo entre o fim do combate à pandemia e o início da batalha pela economia", realça António Costa. "Não antevejo para mim ter uma vida mais sossegada no dia em que deixe de haver pessoas infetadas".
E é a pensar no futuro, na recuperação da economia de Portugal, que o primeiro-ministro afirma que "o país tem uma enorme responsabilidade pela frente" ao completar a execução dos fundos comunitários do Portugal 2020, ao iniciar o Portugal 2030 e a concretização do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Plano esse que tem de ser executado até 2026, "com uma grande complexidade de controlo por parte da Comissão na sua execução".
"Se acrescentarmos a isto tudo alguma dimensão de instabilidade política, provavelmente não conseguiremos cumprir o plano e não teremos uma segunda oportunidade", prevê o chefe do Governo.
Na entrevista, António Costa afirma não ter "dúvida nenhuma de que esta crise foi o maior atestado de falhanço das visões neoliberais". E explica a razão. Com o país a viver há um ano em pandemia, "todos os instrumentos do Estado Social revelaram-se absolutamente cruciais", justifica.
Considera que "não foi só o SNS que se revelou essencial", mas também a escola pública e "todos os mecanismos de proteção social que têm sido indispensáveis manter empresas, postos de trabalho, o rendimento das famílias".
Questionado sobre as lições que tira da pandemia, o chefe do Governo responde que "a crise está para durar e, portanto, vamos ter ainda muito tempo para tirar novas lições".
Ainda assim, Costa refere que, por exemplo, "os estados de exceção constitucional de que o país dispõe estão manifestamente desadequados à gestão de uma pandemia".
Outra lição que diz ser fundamental tirar desta crise sanitária "é que há hoje felizmente um novo consenso sobre a importância do SNS para responder a situações críticas como esta".
Sobre as vulnerabilidades que a pandemia deixou em evidência, o primeiro-ministro reconhece que são "várias", uma das quais é a necessidade de continuar a reforçar o SNS, "designadamente em recursos humanos. Foram ainda referidas as "fragilidades e a precariedade do mercado de trabalho". A grande parte das dificuldades que o Governo teve "em encontrar medidas de apoio social" teve "a ver com a desregulação profunda do nosso mercado de trabalho e, portanto, por muitas das pessoas atingidas pela crise não se reconduzirem [enquadrarem] a nenhuma das figuras típicas do apoio social", disse Costa dando o exemplo do setor da cultura.