Marcelo. "Acho que o Governo vai definir um novo discurso, que não pode ser o do medo"

"Sanitariamente, a vacinação tem avançado muitíssimo bem", disse o Presidente da República, no programa Circulatura do Quadrado, da TVI24.
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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, é o convidado desta semana da Circulatura do Quadrado, da TVI24, onde afirmou que o Governo tem condições de poder começar o discurso de transição da pandemia para o pós pandemia.

"Sanitariamente, a vacinação tem avançado muitíssimo bem. A realidade tem acompanhado a vacinação, sem grande pressão sobre o SNS, com uma estabilização tendencial de número de mortos, portanto, eu diria que em condições de o Governo poder, amanhã e depois, abrir caminho para aquilo que todos nós necessitamos, que é o discurso de transição da pandemia para o pós pandemia".

Um discurso de transição não só para a economia, mas também para a sociedade.

Marcelo diz ter uma "visão favorável" quanto à questão sanitária. Sobre a questão social, admite que as medidas tomadas pelo Governo e algumas pelo Parlamento "aguentaram o tecido social".

Refere, no entanto, que são medidas "transitórias e provisórias". "Há uma crise social, leia-se aumento da pobreza, aumento de desigualdades, ou visível ou latente ou subjacente, que a meu ver é a realidade mais preocupante a médio prazo".

No Palácio de Belém, em conversa com Lobo Xavier, Ana Catarina Mendes e Pacheco Pereira, num programa moderado por Carlos Andrade, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que em relação à situação económica do país "há sinais mais encorajadores do que se esperaria". "Na construção civil que nunca confinou, na indústria exportadora que tem subido", detalhou, sem esquecer setores que têm "sofrido imenso", referindo-se ao turismo, à restauração comércio e serviços.

Para o chefe de Estado os grandes desafios que se colocam são "por um lado pegar no PRR que existe, é o que existe, e no plano financeiro plurianual, que é mais dinheiro e executar o mais próximo de 100%, privilegiando aquilo que é estrutural, estruturante, com transparência e com controlo adequado na execução."

"Para resolvermos a crise social, precisamos de crescer não só muito mais do que temos crescido, mas mais do que crescerão economias que estavam atrás de nós e que ou nos ultrapassaram ou estão a ultrapassar, e isso é um desafio pesado para todos e difícil", considera.

Em relação à realidade política que o país vive, Marcelo diz que "quem está no Governo olha para o que foi possível realizar no quadro da pandemia e valoriza isso, e a expectativa criada por fundos euros".

Quem está nas oposições, "se quer ser alternativa", deve chamar a atenção para horizontes de médio longo prazo, e "para a crise social", que supõe a "resolução de problemas económicos e um contexto político que não deixe avançar os vazios do sistema, a degradação das instituições, o afastamento dos portugueses em relação às instituições".

Questionado por José Pacheco Pereira, o Presidente da República afirma que está "inclinado" a pedir ao Tribunal Constitucional que avalie a fiscalidade sucessiva que aprecie a constitucionalidade do artigo 6º da carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, relativo ao "Direito à proteção contra a desinformação".

Marcelo admitiu também que gostava que, desde que fosse articulado com o chefe de Estado, fosse encontrado "um discurso de saída da pandemia". "Um discurso que falasse das metas e daquilo que é importante conseguir como metas", explica.

Um discurso que "evitasse o crescer de pontos críticos em plena pandemia que podem prefigurar crise política". "Com todo o custo que isso implica para um primeiro-ministro, eu, apesar de tudo, gostaria de ter um presidente assim".

Embora admita que não sabe se oposição se revê sempre nesta posição, "mas o Governo, com altos e baixos, de vez em quando também se irrita ou com promulgações ou com alguns dos meus reparos vetos, mas sinceramente eu gostava" de ter um Presidente com estas características.

Uma das preocupações que Marcelo manifestou foi o problema da coerência do discurso no domínio sanitário.

"Acho que o Governo vai definir uma nova narrativa explicativa, um novo discurso, que não pode ser já do receio, do medo, legítimo durante um longo período, tem de ser um discurso pela positiva, da esperança, mas tem de ser acompanhado da parte das autoridades sanitárias de uma consistência e coerência das decisões tomadas", defende.

Outra preocupação de Marcelo "é que não se perceba que a matéria social é a finalidade cimeira". "A economia não é um fim por si. Vale para esquerda, para o centro direita e uma parte da direita. Têm de perceber que estão ao serviço de pessoas e que têm de ter a noção exata do agravamento da situação social", considera o Presidente da República.

Fala, por exemplo, num "país envelhecido", que o vai continuar a ser por décadas. "É fundamental toda a estrutura da saúde de segurança social", refere.

Diz que é "preciso repensar a segurança social e a capacidade de resposta. O modelo, já se aprendeu, tem de ser outro em alguns aspetos de funcionamento".

Destaca ainda a preocupação com a habitação e com a situação em que se encontram aqueles que passaram do risco de pobreza para pobreza.

Sobre a situação atual do Governo e da oposição, Marcelo Rebelo de Sousa prefere não fazer análise política, mas admite que "é bom ter uma área de poder forte, em termos de projeto, de visão de médio prazo". Mas também "é importante ter uma área de oposição que se afirme como alternativa, e que vá ganhando força e capacidade de entrar no espírito dos portugueses: é isso que evita os vazios".

O Presidente da República, partindo da intervenção de Ana Catarina Mendes, destaca a "telescola", como tendo sido "excecional" na sua "primeira encarnação", e o esforço "monumental" da comunidade escolar, referindo que a administração pública "foi esticada até ao limite".

Quando questionado sobre se o Governo precisa de ser remodelado, Marcelo lembra que "quem tem de tomar iniciativa é o primeiro-ministro, porque melhor do que ninguém saberá julgar".

E é nesta altura que o Presidente da República recua no tempo para lembrar o seu papel como comentador: "Achava-me um comentador muito bem informado, mas estou a descobrir hoje que não sabia 70% daquilo que se passava" no poder.

Isto para reforçar a ideia de que "o primeiro-ministro sabe muito melhor o que se passa em termos de Governo e que deve ser ele o juiz nesse domínio", referindo-se ainda à questão da remodelação governamental. Afirma ainda que "é muito mais fácil" ser comentador do que Presidente.

Após intervenção de Pacheco Pereira, Marcelo Rebelo de Sousa fala numa "sociedade civil muito fraca", isso ficou muito claro no tempo da ditadura, diz, depois surgiu a revolução, "mas foi o poder político que ajuda à recriação do grande poder económico".

Com todas as deficiências e com os problemas de recursos, "o Serviço Nacional de Saúde [SNS] teve uma atuação excecional durante a pandemia" destaca ainda o Presidente da República. Salienta ainda as escolas públicas que tiveram de se reinventar "várias vezes durante o passado ano letivo".

Defende, no entanto, que há setores do SNS, como os cuidados primários, que "precisam de um investimento acrescido porque estão mais próximos das populações e têm de responder de forma mais eficaz".

"Há que criar novos estímulos", adianta. Dá como exemplo de que antes havia uma procura por Saúde Pública por parte dos recém-formados em medicina e que depois deixou de ser tão atrativo e que nesta pandemia realçou-se a importância da saúde pública.

"Não é por acaso que se diz que é preciso um investimento acrescido na saúde e um investimento atento e acrescido com efeitos qualitativos em termos de educação", diz Marcelo, considerando que o privado "pode e deve ter um campo de intervenção importante".

"Mas sabemos que a esmagadora maioria dos portugueses olha para o SNS e para a escola pública como aquela garantia da capacidade de satisfazer as necessidades", acrescenta.

Carlos Andrade pergunta depois a Marcelo: como espera que Otelo Saraiva de Carvalho venha a ser recordado pelos portugueses? "Gostava que os portugueses soubessem de história. Gostava de aqueles que não viveram uma determinada realidade percebessem o que Portugal viveu antes do 25 de Abril, o que foi o 25 de Abril, a seguir ao 25 de Abril, a revolução, o pós revolução", responde.

"Espero que não seja apenas uma minoria de portugueses que saiba quem é Otelo Saraiva de Carvalho", diz e lembra que "há um ponto incontroverso que não é preciso que história venha a julgar". "Aqueles que conhecem o que se passou sabem do papel que ele teve no 25 de Abril, já menos sabem ou se lembram, e este papel foi o que sobressaiu, do papel que teve durante a revolução, em que ele liderou uma das linhas político-militares".

"O que vai avultar é o seu papel no 25 de Abril e não no processo todo anterior e posterior", que foi muito mais variado", antevê.

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