Helena Lopes da Costa (na foto) e Paulo Calado, do PSD, e o antigo líder do PS Lisboa, Davide Amado, estavam entre os 10 arguidos do caso.
Helena Lopes da Costa (na foto) e Paulo Calado, do PSD, e o antigo líder do PS Lisboa, Davide Amado, estavam entre os 10 arguidos do caso.

Juiz da Operação Influencer arrasa MP em caso que envolve militantes do PSD e do PS

Nuno Dias da Costa encontrou “expressões vagas e conclusivas”, falta de perícias e até um crime que estava prescrito antes mesmo da acusação, num caso que envolve a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
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O juiz de instrução da Operação Influencer, Nuno Dias da Costa, arrasou a acusação do Ministério Público (MP) contra vários dirigentes da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, entre os quais os militantes do PSD, Helena Lopes da Costa e Paulo Calado, e o antigo líder do PS Lisboa, Davide Amado.

Na decisão proferida a 19 de fevereiro, a que o DN teve acesso, o juiz decidiu não levar a julgamento nenhum dos 10 arguidos, que tinham sido acusados de crimes de participação económica em negócio, em concurso aparente com um crime de abuso de poder, nos casos de Lopes da Costa e Amado, e de coautoria material, na forma consumada e com dolo direto, de um crime de abuso de poder, no caso de Paulo Calado.

As razões invocadas pelo juiz Nuno Dias da Costa, no despacho de não pronúncia, estão na forma como o Ministério Público conduziu o seu trabalho e produziu uma acusação que, no entender do magistrado, não apresenta os fundamentos mínimos para que se considere que existem indícios de crimes.

O Ministério Público acusava Helena Lopes da Costa de, juntamente com a assessora Cláudia Manso Preto (também arguida), “adjudicar o fornecimento de bens, prestações de serviço e empreitadas às sociedades geridas e sob o domínio de Fernando Narciso e Afonso Matos Viola”. A acusação dizia que ambas “determinavam quais as sociedades a convidar para efeitos de adjudicação, indicando sempre sociedades que eram dominadas ou geridas” por Narciso e Viola, que “constituíam sociedades por quotas, sem que as mesmas tivessem qualquer actividade comercial, trabalhadores ou meios à sua disposição, nomeadamente veículos para transporte de mercadorias”, apenas para poderem participar no concurso da Santa Casa.

“David Amado e Victor Igrejas, para além de se apresentarem como gerentes de algumas das sociedades, movimentavam contas bancárias e o primeiro contactava quer com Cláudia Manso Preto quer com Maria Helena Lopes da Costa, de forma a indicar-lhes quais as sociedades a convidar relativamente a cada um dos concursos”, descrevia a acusação. Para o Ministério Público, as sociedades que entravam nos concursos não acrescentavam “qualquer valor no circuito comercial, limitando-se a obter margem de lucro com cada um dos supra mencionados concursos”.

Ora, é nesta descrição que o juiz de instrução encontra as primeiras fragilidades no trabalho do Ministério Público, acusando os procuradores de se limitarem a fazer “referências de cariz vago e conclusivo” sobre a alegada participação em negócio.

“Falta de clareza” e perícias

“A falta de clareza, a imprecisão, o recurso a conceitos vagos, genéricos e conclusivos, a indefinição do tempo, lugar e respetivas circunstâncias, dos factos descritos, por impedirem que o acusado dos mesmos se possa eficazmente defender, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente”, sustenta Nuno Dias da Costa, citando até um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.

“Não tendo o Ministério Público descrito na acusação pública factos concretizadores da medida em que a livre concorrência permitiria à SCML pagar valores de mercado mais favoráveis do que aqueles que despendeu, ou seja, que os termos do conteúdo do negócio foram lesivos dos interesses patrimoniais da SCML, restam as aludidas expressões vagas e conclusivas que, conforme decidido no citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, têm que ser consideradas por não escritas”, lê-se no despacho, que realça o facto de na fase de inquérito não ter sido produzida prova pericial que sustentasse a tese do MP. “Tais margens de lucro, apelidadas de muito elevadas, deveriam ter constituído o ponto de partida de uma investigação, nomeadamente por via da produção de prova pericial, a que, contudo, não se procedeu, relativa ao aludido valor de mercado”, nota o juiz.

Mas há mais: o crime pelo qual Helena Lopes da Costa vinha indiciada já tinha prescrito no momento em que foi constituída arguida. E Nuno Dias da Costa explica que os arguidos nunca poderiam ser acusados pelo crime de abuso de poder, porque “quem exerce funções na SCML não poder ser equiparado a funcionário para efeito do tipo de crime de abuso de poder”.

O juiz defende ainda que “não é necessariamente ilegítimo todo e qualquer benefício ou vantagem que decorra do abuso de funções” e só poderia haver crime “se os bens adquiridos pela SCML não correspondessem a uma necessidade e tivessem sido adquiridos com o único intuito de proporcionar a sua venda àquelas empresas”. E isso, acredita, não ficou comprovado. “Alegar duvidosa valia ou utilidade é o mesmo que nada. Tais negócios ou tinham ou não tinham utilidade”, critica Nuno Dias da Costa.

No caso de Paulo Calado, indiciado pela adjudicação de um contrato de licenças informáticas à Novabase, o despacho frisa que “na fase de inquérito não foram recolhidos indícios suficientes, de acordo com o critério acima exposto, de que o valor pago pela SCML à Novabase não era devido”. E ataca: “Ou seja, o Ministério Público remete na acusação para dúvidas que não foram esclarecidas na fase de inquérito”.

“A acusação deduzida pelo Ministério Público, caso não houvesse lugar a instrução, teria de ser rejeitada pelo tribunal de julgamento, por ser manifestamente infundada, na medida em que os factos na mesma descritos não constituem crime”, conclui o juiz que também foi notícia por assinar o mandado de detenção internacional de João Rendeiro e por ter condenado o diretor de comunicação do FC Porto, Francisco J. Marques, a uma pena de prisão suspensa de um ano e dez meses, no caso da divulgação de emails do Benfica.

O Ministério Público já anunciou que vai recorrer da decisão.

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