José Pedro Zúquete: “A Europa está  contaminada por um espírito de abdicação”
Leonardo Negrão/Global Imagens

José Pedro Zúquete: “A Europa está contaminada por um espírito de abdicação”

O investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa falou ao DN sobre o seu último livro - Os Identitários -, que surge como uma análise às raízes do movimento que promove a “urgência de defender a identidade europeia” da “destruição”.
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O que está a ser posto em causa é “a defesa de uma Europa carnal”, explicou ao DN José Pedro Zúquete, a propósito do seu último livro - Os Identitários -, que chegou agora aos escaparates numa versão atualizada, e em português, da edição de 2018, que nascera em inglês. Para o autor, que tem estudado a fundo nacionalismos e movimentos sociopolíticos de esquerda e direita, a salvação da “civilização europeia” é o motivo pelo qual  existem os identitários. “É essa identidade que para eles está num avançado estado de destruição”, afirma.

Impõe-se perguntar, neste contexto, qual é a ameaça e qual é a fragilidade do velho continente. A resposta surge sob a forma de várias histórias que compõem não só o livro mas o próprio movimento que  disseca. Mas também há atalhos para a compreensão.

José Pedro Zúquete explica que, se houvesse um slogan para o movimento dos identitários, seria: “Acabaram-se as guerras entre irmãos, o nosso inimigo comum agora é outro”. Com isto, o autor mostra o identitarismo como sendo “sobre política étnica, sobre quem pertence e quem não pertence à comunidade dos europeus. Para os identitários, esta é a questão vital, mais profunda e mais fundamental do que discussões superficiais sobre ideologias ou espectro de direita ou esquerda.”

Portanto, entre uma lista com vários males que assolam os europeus, incluindo o liberalismo e o globalismo, o destaque vai para “a chegada maciça de não europeus” ao continente. Partindo da exclusão étnica extra-europeia, justificada pelos identitários através da teoria da “grande substituição”, o autor ainda vai mais longe no mergulho neste grupo que tem nutrido forças políticas, com ecos evidentes em França e Itália. E também não é alheio a Portugal. 

“Para compreendermos o pensamento identitário temos de perceber uma coisa: o termo imigração não faz justiça ao que está a acontecer na Europa. O que tem acontecido, especialmente na Europa ocidental, é uma colonização. Ou uma contra-colonização por parte de povos não europeus”, acrescenta.

Esta teoria, que parte do princípio que os imigrantes, ao longo de gerações, vão substituindo progressivamente os europeus, tem servido de base para a defesa de políticas anti-imigração. 

Ponto de vista português

A líder francesa de extrema-direita, Marine Le Pen, tem sido uma das vozes mais ativas pelo controlo da imigração. Tanto que, no final da semana passada, o capitão da seleção francesa de futebol, Kylian Mbappé, francês com ascendência camaronesa e argelina, fez um apelo para que o voto dos franceses na segunda volta das eleições legislativas, que decorrem hoje, servisse para evitar que o país caísse “nas mãos dessa gente”. Por seu turno, Le Pen, numa entrevista à CNN France, considerou que “os franceses estão cansados de receber lições de moral e instruções sobre como votar”.

Marine Le Pen integra o partido Rassemblement National (Reunião Nacional, numa tradução livre do francês), que liderou até 2021. O partido de Le Pen, até agora, tem pertencido à mesma família política do Chega, o grupo Identidade e Democracia, no Parlamento Europeu. Porém, no final da semana passada, o líder do Chega, André Ventura, confirmou que os eurodeputados do partido vão integrar o novo grupo político Patriotas pela Europa, organizado pelo primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban, igualmente crítico da imigração.

André Ventura justificou esta mudança com o facto do programa do novo grupo ter medidas de “luta contra a corrupção” e contra “a imigração ilegal”.

No panorama português, André Ventura, no dia 15 de outubro de 2021, enquanto ainda era o único deputado do Chega, defendeu a teoria da “substituição demográfica”, apesar de mais tarde ter afirmado que não era o que tinha dito.

“Podemos dar as voltas que quisermos, há um problema estrutural, não só em Portugal como na União Europeia, que se chama ‘substituição demográfica‘”, defendeu o deputado numa interpelação a uma deputada socialista. “E não tente dizer-nos que estamos a ser racistas ou xenófobos com os filhos dos imigrantes ou com os imigrantes. A verdade é só uma: a União Europeia, no seu conjunto, tem vindo a ser substituída demograficamente por filhos de imigrantes”, acrescentou.

Os Identitários
José Pedro Zúquete
Edições 70
408 páginas
18,82 euros

Confrontado com as declarações de André Ventura sobre a teoria da “grande substituição”, José Pedro Zúquete considera que o líder do Chega “é um bocado titubeante nessa questão”, precisamente por ter recuado de forma imprecisa face às declarações originais. “Para os identitários, não há esse tipo de discurso titubeante”, justifica.

Lembrando que Marine Le Pen também tem sido “alvo de críticas por parte dos movimentos identitários”, ainda que haja ideias em comum, José Pedro Zúquete destaca que partidos “populistas podem ter algumas dimensões identitárias, mas outras não”, o que faz com que sejam criticados pelos identitários.

“Não podemos limitar o identitarismo a certas ideias que vêm do campo identitário, no sentido em que as ideias viajam”, explica o investigador, propondo que “as ideias são adotadas por outras formações políticas”.
Para explicar a adoção por parte da extrema-direita de ideias identitárias, José Pedro Zúquete deu como exemplo ao DN  o político francês Éric Zemmour, que em 2022 concorreu à presidência do país na qualidade de “candidato contra a grande substituição e pela remigração [ideia política que defende o retorno de imigrantes aos seus locais de origem], ou seja, uma vitória metapolítica, que faz parte do combate cultural”.

“Em Portugal há movimentos identitários que ainda são incipientes”, continua o investigador, recordando que “há evidentemente uma enorme crítica à presença imigratória, sobretudo de não europeus”. Para o autor, isto acontece “devido à própria visão do mundo identitário. Sejam da Ásia, sejam do Brasil, sejam de África, a rejeição aí é muito acentuada”, sublinha.

Mas as preocupações dos identitários prendem-se “com fatores, que, para eles, afetam a identidade étnica do povo português”. José Pedro Zúquete explica que estas preocupações “não se limitam apenas à questão da migração de massas. Por exemplo, um dos seus grandes cavalos de batalha é a facilidade com que obtêm a nacionalidade portuguesa. Isso foi a partir de 2006, com a lei da nacionalidade”, explica, adiantando que esta legislação “é vista pelos identitários como o pecado original”. Isto acontece “porque naturalmente a nacionalidade é na base da consanguinidade e não dos direitos do solo”, explica.

Para além da nacionalidade, os identitários portugueses preocupam-se com a ideia de que “Portugal é uma espécie de pátria-mãe espiritual de todos os cidadãos de países lusófonos”, continua.

Esta ideia origina outra preocupação deste movimento que, de acordo com o autor, é a mestiçagem. José Pedro Zúquete explica que os identitários veem os imigrantes lusófonos de outra forma, porque embora “não sejam etnicamente portugueses”, as suas origens estão conduzem a uma “política de acolhimento mais favorável a pessoas desses países”. 

Para exemplificar esta afirmação, o autor lembra “o acordo de livre circulação com a CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]”, que, “para os identitários” é uma “ideologia” com uma  dupla consequência: “Em primeiro lugar, levou à africanização dos setores da cidade portuguesa”, explica, sublinhando que “eles falam abertamente de africanização”. 

O segundo aspeto, “e este fenómeno é mais recente”, continua José Pedro Zúquete, “está a levar a uma brasileirização da sociedade portuguesa. Não apenas pelo número cada vez maior de imigrantes brasileiros, mas pelos próprios cruzamentos que se fazem entre portugueses de cepa”, que levam à “mestiçagem”.

Um retrato dos identitários

Como corolário, José Pedro Zúquete diz que “este movimento transnacional não poderia surgir se não houvesse a emergência de uma consciência coletiva europeia que se quer sobrepor a rivalidades dos nacionalismos egoístas” e “que agrega jovens à volta desta urgência em defender aquilo que veem como comum. No fundo é a ideia de que ou lutamos todos juntos ou sucumbimos todos juntos.”

Para além disto, “na narrativa identitária, a Europa está contaminada por um espírito de abdicação. É como se a Europa tivesse perdido a vontade de viver e o símbolo perfeito deste mal é o colapso demográfico”, conclui.

vitor.cordeiro@dn.pt

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