Iniciativa Liberal prepara impacto da saída de quem chegou aos 44%
Entre as reações de atuais e anteriores membros da Iniciativa Liberal (IL) ao anúncio de que também Carla Castro vai sair desse partido existe tudo menos surpresa. Poucos ficaram espantados ao tomar conhecimento de que a deputada irá desfiliar-se logo que termine o mandato parlamentar, e também não há muitos que ponham em causa o impacto potencial da decisão de quem há menos de um ano recebeu 44% dos votos ao disputar a liderança do partido.
Nas declarações que fez na noite de quinta-feira, após revelar ao Público uma decisão que considerou ser divulgada “na altura certa, antes do início da campanha eleitoral e com as listas fechadas, evitando distorções ou distrações mediáticas”, Carla Castro deixou críticas ao partido de que se foi progressivamente afastando ao longo de 2023. “A minha decisão de deixar o partido prende-se exclusivamente com a minha visão do que é um partido liberal, do que entendo que o país precisa e do que me revejo”, disse, acerca de uma “decisão refletida e ponderada” que pôs um ponto final à prolongada especulação acerca dos passos que tomaria a seguir. Para trás ficou a ideia de que constaria entre os independentes integrados nas listas de candidatos a deputados da Aliança Democrática, o que não se verificou.
Ainda com assento no conselho de administração da Assembleia da República, em representação da IL - cargo que manteve quando renunciou à vice-presidência do grupo parlamentar, já em rota de colisão com o atual presidente e a sua Comissão Executiva -, terá sido no Palácio de São Bento que Carla Castro ouviu as primeiras palavras de Rui Rocha sobre a sua decisão. Numa visita a um parque tecnológico de Bragança, o líder partidário disse lamentar “obviamente” a iminente desfiliação da rival que derrotou aquando da sucessão de João Cotrim Figueiredo, mas acrescentou estar sobretudo focado “em trazer soluções” para Portugal e que garantam crescimento eleitoral nas legislativas de 10 de março.
Apesar disso, Rocha respondeu aos jornalistas com um “vamos a factos”, salientando que, num primeiro momento, a ainda colega de bancada “mostrou disponibilidade” para integrar as listas do partido, mas “entendeu recusar” face a “um convite concreto” para uma posição entre o quinto e o sétimo lugar em Lisboa - onde a IL elegeu quatro deputados nas legislativas de 2022, sendo ela a segunda da lista, logo atrás do então líder João Cotrim Figueiredo. “As pessoas saberão das suas decisões. Eu tenho que saber da minha missão, da minha responsabilidade e do meu objetivo”, disse, reconhecendo que “não houve conversas nos últimos tempos” com Carla Castro.
Bem diferentes foram as palavras de um dos apoiantes da candidatura de Carla Castro à liderança que se mantêm na IL. O ex-candidato presidencial Tiago Mayan Gonçalves encarou a notícia da saída da deputada, por si descrita como “um golpe”, como “mais um sinal alarmante do caminho de destruição de valor e alienação de ativos que enfrentamos no partido nos últimos tempos”.
O atual presidente da União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, no Porto, acrescentou que “quem permanece no partido tem mesmo que repensar tudo o que tem sido feito”, apontando 11 de março, dia seguinte ao das legislativas, como “o tempo para o fazer”, independentemente da votação que os liberais venham a ter. Outros atuais e antigos membros do partido antecipam que a saída de elementos influentes terá consequências gravosas. E que os oito deputados liberais possam vir a ser menos na próxima legislatura, sobretudo se existir um grande apelo ao voto útil na Aliança Democrática, que amanha terá na Convenção por Portugal Paulo Carmona, que seria vice-presidente da IL se Carla Castro vencesse Rui Rocha.
Independentes destacados
Notícia devido à saída de antigos dirigentes e militantes destacados, a IL realçou ontem que o desenvolvimento do seu programa eleitoral, “em processo colaborativo aberto à participação de todos os membros do partido”, tem contado com o envolvimento de personalidade de diversas área da sociedade civil.
Entre os independentes que estão a colaborar com a IL há candidatos a deputados, como o economista Pedro Brinca, catedrático da Nova School of Business and Economics, que é cabeça de lista por Coimbra. E a professora universitária Graça Canto Moniz, integrada na lista de Lisboa. Outros independentes incluem o catedrático de Direito Constitucional da União Europeia, Francisco Pereira Coutinho; o especialista em relações internacionais, Henrique Burnay; o presidente da Associação Empresarial do Minho, Ricardo Costa, e a investigadora de Economia do Turismo e Economia da Habitação Vera Gouveia Barros.
Há quase um ano, ao ser eleito líder, com 51,7% dos votos, contra 44% de Carla Castro e 4,3% de José Cardoso, que já se desfiliou do partido, Rui Rocha apontou para os 15% nas legislativas, que estavam previstas para 2026.
Quatro etapas do afastamento
Sem pré-aviso de saídado presidente
Poucas horas depois de João Cotrim Figueiredo surpreender a Iniciativa Liberal com a notícia de que iria deixar a liderança do partido, na tarde de 23 de outubro de 2022, Rui Rocha anunciou nas redes sociais que seria candidato à sucessão. Apanhada de surpresa, Carla Castro comunicou a mesma decisão dois dias depois.
Derrotada por pouco na corrida à liderança
Tendo apoio de Cotrim Figueiredo e de todos os restantes deputados (tirando o neutral Carlos Guimarães Pinto e a própria rival), Rui Rocha foi eleito presidente da IL na convenção que se realizou em Lisboa a 22 e 23 de janeiro de 2023. Carla Castro obteve 44%, numa disputa marcada por uma campanha que deixou ressentimentos.
Adeus à vice-presidência do grupo parlamentar
Um dos sinais flagrantes da convivência difícil coma liderança de Rui Rocha ocorreu no Parlamento. Em maio de 2023, Carla Castro deixou de ser vice-presidente da bancada, liderada por Rodrigo Saraiva, que considerou a decisão da deputada “claramente lesiva dos interesses do grupo parlamentar e do partido”.
Recusa de despromoção na lista de deputados
A progressiva ostracização da deputada, cujos maiores apoiantes foram saindo do partido, levou a que a antecipação das legislativas selasse a rutura. Em dezembro, depois de o vice-presidente Ricardo Pais Oliveira lhe ter oferecido o sétimo lugar por Lisboa (fora segunda em 2022), recusou apesar de poder ser quinta.