Gouveia e Melo: “O Serviço Militar Obrigatório deve ser uma preparação para a sociedade”
"O Serviço Militar Obrigatório (SMO) deve ser mais um processo de desenvolvimento e preparação para a sociedade e não um tempo inútil nas Forças Armadas”, diz ao DN o almirante Henrique Gouveia e Melo, chefe do Estado-Maior da Armada, esclarecendo a sua posição favorável à reintrodução daquilo que deixou de existir em Portugal há precisamente duas décadas.
Apesar de a Aliança Democrática e PS terem defendido medidas para aumentar o recrutamento e o número de efetivos, nenhum dos partidos que se apresentaram a votos nas legislativas previu o SMO como resposta para os problemas que as Forças Armadas enfrentam. Algo que não impede que altos responsáveis militares demonstrem abertura para a sua reintrodução.
Instado pelo DN a clarificar a reintrodução do SMO, que defendeu num artigo de opinião publicado na edição semanal do Expresso, Gouveia e Melo explica: “Não se trata de um SMO no modelo antigo da Guerra Colonial. Esse está ultrapassado. Há uma guerra de agressão feita pela Federação Russa, que nos ameaça, e por isso temos de ter mais imaginação, fruto de duas tendências que se agravam.”
Uma dessas tendências, frisa o antigo responsável pela coordenação da vacinação contra a covid-19, consiste na “verdadeira campanha convencional de guerra na Europa, onde o número de soldados é crucial”. Outra, que tem a ver com os problemas das novas gerações, “é uma juventude alienada das suas obrigações para com o seu Estado e território, e que tem 23% de desemprego entre os 16 e os 24 anos”.
O chefe do Estado-Maior da Armada entende que qualquer SMO que possa vir a existir “deve ter em conta as duas realidades”. E como pode diferenciar-se daquele que existiu até 2004, com a introdução do Dia da Defesa Nacional, apesar de o fim ter sido decretado em 1999, pelo então ministro da Defesa Júlio Castro Caldas? Tornando-se uma fase da vida dos jovens que tenha utilidade para a sua qualificação e perspetivas de futuro.
O almirante salienta que “a Marinha já está a fazer esse caminho, preparando processos que permitam aos jovens fazer a sua formação e qualificarem-se através de, por exemplo, poderem fazer as suas teses de mestrado”.
“Nesse processo atraímos jovens licenciados e pagamos os respetivos mestrados em áreas técnicas que nos interessam, e eles integram as nossas fileiras como oficiais e podem sair passado três anos, já com o mestrado feito. Casa, comida, roupa lavada e um ordenado de 1300 euros líquidos enquanto fazem o mestrado. Contribuindo para o nosso conhecimento também”, refere o chefe do Estado-Maior da Armada.
E Gouveia e Melo conclui, referindo-se à ofensiva do Exército russo que, por agora, implicou a invasão de grande parte do território da Ucrânia: “Tenho uma certeza, se o conflito se prolonga e alastra não haverá soluções milagrosas a não ser a capitulação. Por isso, importa dissuadir. A preparação das sociedades para a Defesa é, por si só, altamente dissuasora.” No entanto, teme que estejamos distantes disso. “Há um perigo real de termos as sociedades ocidentais acomodadas, sem vontade. Espero que Vladimir Putin não acredite nisso, senão avança mesmo.”
O apelo de Henrique Gouveia e Melo para que se reintroduza o SMO foi secundado pelo chefe do Estado-Maior do Exército, general Eduardo Ferrão. O militar disse ao Expresso que a reintrodução não será suficiente para resolver, por si só, o défice de efetivos, mas defendeu que “justifica-se ser ajustada e avaliada sob várias perspetivas”, dizendo também que “a passagem pelas fileiras equivale à frequência de uma escola de cidadania”.