Futuro presidente do Conselho Europeu respondeu por escrito, a partir de Bruxelas.
Futuro presidente do Conselho Europeu respondeu por escrito, a partir de Bruxelas.Gerardo Santos / Global Imagens

Gémeas: António Costa diz que Ministério Público e CPI irão apurar se o Estado foi lesado

Respostas do antigo primeiro-ministro, enviadas por escrito, afastam qualquer conhecimento prévio do caso e responsabiliza Lacerda Sales por "atos e omissões", dizendo que um secretário de Estado "não tem competência para marcar consultas". António Costa diz ainda que acredita que Marta Temido não sabia do caso.
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O antigo primeiro-ministro António Costa disse, nas respostas escritas que enviou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso das gémeas luso-brasileiras, que confia no inquérito-crime instaurado pelo Ministério Público (MP) e nos trabalhos da própria CPI para dar uma "resposta conclusiva" à dúvida sobre se o Estado e o Serviço Nacional de Saúde foram lesados na disponibilização do medicamento Zolgensma, com um custo de quatro milhões de euros para os cofres públicos, às duas crianças que sofrem de atrofia muscular espinhal, uma doença neurodegenerativa rara.

Respondendo a perguntas do grupo parlamentar do CDS-PP sobre a intervenção política e governativa para a marcação de consulta no Hospital de Santa Maria e sobre a disponibilização do Zolgensma, "dado que os pais das crianças tinham um seguro feito no Brasil para acautelar eventuais despesas", António Costa repetiu que tem confiança de que "o inquérito aberto pelo Ministério Público e os trabalhos desta CPI permitam apurar plenamente os factos".

Nas respostas às perguntados dos grupos parlamentares (e da deputada única do PAN) representados na CPI, o futuro presidente do Conselho Europeu, que enviou as respostas de Bruxelas, disse que só tomou conhecimento do assunto quando o caso das gémeas foi noticiado pela TVI, tendo "naturalmente" procurado saber se tinha havido intervenção do seu gabinete de primeiro-ministro ou de algum membro do Governo. Quanto ao papel desempenhado por Lacerda Sales, reconheceu, em resposta a perguntas do PSD, que "um secretário de Estado [da Saúde, neste caso] não tem competência para marcar consultas, que só podem obviamente ser marcadas por quem tem para tal competência em cada instituição do SNS". E acrescentou que "os membros do Governo são politicamente responsáveis pelos seus atos e omissões e, consoante a situação concreta, por atos e omissões de quem está sob a sua direção ou tutela".

Reforçando que os factos a apurar no inquérito-crime e em resultado da CPI "permitirão precisamente confirmar se, e em que medida, algum membro do Governo teve, ou não, qualquer intervenção e ajuizar se essa eventual intervenção é, ou não merecedora de censura política e/ou criminal", António Costa "ilibou" a então ministra da Saúde Marta Temido, atual deputada no Parlamento Europeu, respondendo "não tenho motivo para duvidar" a uma pergunta do Chega sobre se considerava credível que ela não tivesse tido conhecimento prévio do caso.

Considerando esclarecidas por respostas anteriores 11 das 61 perguntas formuladas pelos deputados da CPI - havendo ainda 16 que mereceram um sucinto "não" e uma que obteve um não menos sucinto "sim", ao admitir ao Livre que conhece Nuno Rebelo de Sousa -, António Costa deixou, ainda assim, garantias de a exposição enviada pelos serviços da Presidência da República quanto ao caso das crianças luso-brasileiras "foi simplesmente reencaminhada para o Ministério de Saúde por ofício, que capeava, aliás, um conjunto de outras exposições do âmbito da competência desse ministério", sem que o então primeiro-ministro tivesse "conhecimento de tais exposições".

Também garantiu nunca ter falado sobre o caso com Marta Temido, Lacerda Sales ou Marcelo Rebelo de Sousa. Perante uma pergunta do Chega que aludia à "relação próxima" que mantinha com o Presidente da República, querendo saber se "em algum momento o Presidente ou algum funcionário da sua Casa Civil intercedeu junto de si ou de alguém do Governo" em prol das crianças luso-brasileiras, Costa deu uma resposta seca: "Junto de mim, não, e, tanto quanto é do meu conhecimento, também não junto de 'alguém do Governo'."

À Iniciativa Liberal, Costa admitiu ter tido "vários contactos" com Nuno Rebelo de Sousa, enquanto responsável da Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo, quando era presidente da Câmara de Lisboa. "Enquanto primeiro-ministro tenho ideia de o ter recebido no início das minhas funções", acrescentou, mas na resposta a uma pergunta seguinte do mesmo grupo parlamentar, garantiu que em nenhum momento alguma empresa portuguesa lhe referiu a necessidade de contatar o filho do Presidente da República para iniciar atividades no Brasil.

Já ao Bloco de Esquerda, que lhe perguntou se considerava "normal que um secretário de Estado reúna com o filho do Presidente da República e instrua administrações de hospitais a marcar reuniões", o antigo primeiro-ministro remeteu a segunda parte da questão a uma resposta que dera ao PSD - "Um secretário de Estado não tem competências para marcar consultas" -, mas fez uma ressalva: "Não vejo motivo para um membro do Governo não poder reunir com uma pessoa por essa pessoa ser filho do Presidente da República."

Também sobre o papel de Nuno Rebelo de Sousa, respondeu à deputada única do PAN que este nunca se lhe apresentou "como um profissional da representação de interesses ou lobista". Já quando Inês de Sousa Real lhe pediu que dissesse se "considera crível que, conforme invoca Lacerda Sales, uma secretária de um gabinete ministerial possa enviar um pedido sensível - como aquele que desencadeou o presente caso - sem o conhecimento do respetivo membro do Governo", António Costa considerou que não podia responder. "O que me é solicitado não é uma resposta sobre um facto de que tenha ou não conhecimento, mas que formule um juízo que, necessariamente, depende do apuramento dos factos ainda em curso nesta Comissão e no inquérito-crime instaurado pelo Ministério Público e que, como tal, não posso nem devo comentar."

Todos os partidos representados na CPI, à exceção do PS, enviaram perguntas por escrito ao antigo primeiro-ministro, com o PCP a perguntar apenas que medidas António Costa tomou "com vista a garantir a transparência e a justeza nos preços dos medicamentos como os destinados a doenças raras", assegurando que as farmacêuticas "não abusem da posição de detentoras exclusivas dos direitos sobre eles". A esse respeito, o ex-governantes disse que o Ministério da Saúde atualizou a metodologia de avaliação económica dos medicamentos, "no sentido de ir ao encontro das melhores práticas internacionais".

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