A demora de mais de três dias na intervenção da ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, que só reagiu ao final da tarde desta terça-feira à fuga de cinco reclusos perigosos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, na manhã de sábado, não põe em causa a sua permanência no Governo e não abalou a confiança do primeiro-ministro Luís Montenegro. Mas destacados sociais-democratas ouvidos pelo DN admitem que a governante, que horas antes da conferência de imprensa aceitou o pedido de demissão do diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Rui Abrunhosa Gonçalves, errou ao manter-se em silêncio demasiado tempo, acabando por se fragilizar a si e à atribuição de culpas pela ausência de condições de segurança nas prisões portuguesas às antecessoras, titulares dessa pasta nos Governos socialistas de António Costa, Francisca Van Dunem e Catarina Sarmento e Castro..Para o jurista e ex-deputado André Coelho Lima, o facto de Rita Alarcão Júdice ter optado por se inteirar das circunstâncias da fuga - “falar por falar não é do meu timbre”, disse nesta terça-feira, numa conferência de imprensa, preferindo “dar espaço à investigação” e “não contribuir para o ruído de fundo” -, analisando o relatório preliminar que lhe foi entregue no mesmo dia pela Divisão de Segurança da DGRSP, “é atendível e razoável, mas não suficiente para justificar um silêncio de tantos dias”..Para o antigo vice-presidente do PSD, que integrou o Conselho Superior de Segurança Interna e coordenou a área na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, “uma palavra da ministra, nem que fosse para dizer que se estava a inteirar”, teria o condão de “tranquilizar os portugueses”, sem afetar a investigação em curso. “Era uma questão de natureza política e comunicacional, até para proteção da própria ministra”, conclui..Por seu lado, o também advogado e ex-deputado social-democrata André Pardal, mesmo realçando que a responsabilidade política da atual ministra na fuga de Vale de Judeus “é diminuta ou quase zero”, lamenta que a primeira conferência de imprensa, na manhã de domingo, tenha sido protagonizada por pessoas sem responsabilidades políticas, como Abrunhosa Gonçalves e o diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves..Para o também conselheiro nacional do PSD, perante mais um sinal de “colapso da soberania do Estado” - após o assalto à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna e, na sequência do caso dos Paióis de Tancos, em 2017 -, que desta vez teve “repercussões internacionais” por haver um argentino, um britânico e um georgiano entre os cinco fugitivos, verifica-se uma falha na demora na substituição definitiva do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna e do diretor nacional da PJ, em gestão corrente desde há três meses. “Um Governo tão lesto a mudar - e bem - os responsáveis de outras áreas, nesta área não mexe. Estamos a brincar com a Segurança Nacional”, sustenta, criticando que o primeiro governante a falar da fuga tenha sido o ministro da Presidência, António Leitão Amaro..Mais compreensivo com a gestão política do caso, o histórico social-democrata Ângelo Correia, antigo ministro da Administração Interna, admitiu ao DN, antes da conferência de imprensa desta terça-feira, que a ministra não teria feito mal ao não responder imediatamente na condição de que a resposta, passados três dias, fosse “conclusiva”. “Se falasse de imediato, só repetiria o que os outros disseram”, defende, classificando a atuação de “prudente, responsável e aceitável”..“Motivos ideológicos” do PS.Todos os sociais-democratas ouvidos pelo DN convergiram no ponto de as responsabilidades políticas pelo que aconteceu em Vale de Judeus, em Alcoentre, a 70 quilómetros de Lisboa, não poderem ser assacadas à atual ministra, e sim ao desinvestimento na área decidido pelas antecessoras, num cenário “conhecido por todos os partidos políticos”, afirma Coelho Lima, com Ângelo Correia a admitir que, no limite, a situação nem sequer é da responsabilidade do até agora diretor-geral, Abrunhosa Gonçalves..Também muito criticada pelo antigo ministro da Administração Interna, não obstante ter sido concretizada pelo Governo de Passos Coelho, é a “junção errada” das áreas da Reinserção Social e das Prisões. Algo que é reforçado por André Pardal, para quem a “procuradora-geral [Francisca Van Dunem] e a inexistência [Catarina Sarmento e Castro]” que estiveram no Ministério da Justiça antes de Rita Alarcão Júdice, “por motivos ideológicos” contribuíram para a preponderância da reinserção social sobre a função prisional. E a segurança foi “ultrapassada por outras prioridades”, numa espiral de desinvestimento..A própria ministra da Justiça abordou o tema, dizendo que o Governo se deparou com uma situação negativa, o que levou a deputada socialista Isabel Moreira a contrapor, numa reação à conferência de imprensa, que os argumentos apresentados minutos antes por Rita Alarcão Júdice “parecem contraditórios com considerações sobre alocação de meios e responsabilidades passadas”.