Jorge Lacão diz que “seria estranho que uma democracia” não tenha uma disciplina que ensine os seus valores.
Jorge Lacão diz que “seria estranho que uma democracia” não tenha uma disciplina que ensine os seus valores.Reinaldo Rodrigues / Global Imagens

Ex-deputados propõem tirar autonomia às escolas sobre a educação para a cidadania

Associação de antigos parlamentares apresentou ontem à Assembleia da República uma carta com quinze propostas para mudar várias áreas da democracia. Uma delas passa por PSP e GNR darem lugar a uma única polícia.
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A Associação dos Ex-Deputados à Assembleia da República (AEDAR) apresentou esta sexta-feira ao Parlamento um documento com quinze propostas que têm como objetivo discutir “matérias que os partidos subalternizam”, seja “porque não são imediatamente rentáveis em termos eleitorais ou porque há cada vez menos capacidade dos partidos dialogarem entre si”, explicou ao DN o presidente da AEDAR, o ex-deputado socialista Jorge Lacão.

Uma das propostas passa por ministrar nas escolas a disciplina de educação para a cidadania “a partir de um conteúdo nacionalmente definido”.

O documento, intitulado Declaração para a Qualidade da Democracia, propõe uma série de “perspetivas de reforma e modernização - centradas no sistema político, de justiça, de segurança e educativo - suscetíveis de contribuir para a melhor qualificação da democracia e do Estado de Direito”.

Sobre a recomendação para as escolas em torno da educação para a cidadania, a declaração propõe que as matérias ensinadas se centrem “na transmissão de conhecimento sobre os valores e os princípios constitucionais que enformam a República Portuguesa, a identidade nacional, a condição europeia do País e a sua vocação lusófona”.

Partindo desta premissa, Jorge Lacão, questionado sobre se a formulação deste ponto foi iniciativa de algum partido, garantiu que não. “Será estranho que uma democracia não tenha capacidade para ter uma disciplina no seu sistema de ensino secundário em que os valores dessa mesma democracia possam ser ensinados”, frisou.

No entanto, o que o documento propõe é que haja um “aprofundamento suficiente para definir conteúdos objetivos de nível nacional para a própria disciplina”, continua o ex-deputado, para quem o problema reside no facto de ter sido “dado às escolas, muitas vezes, a iniciativa de, nesta disciplina, meterem lá o que entendem melhor”.

Com isto, “podemos ter abordagens sensatas ou abordagens completamente insensatas”, diz o líder da AEDAR. “Isso dá lugar a que possam emergir movimentos reativos e críticos relativamente ao que se passa nesta escola ou naquela escola.”

Sobre a melhor forma de se dignificar esta disciplina, Jorge Lacão sugere que, seja através da “estruturação da consciência da cidadania no nosso país”, o que significa que  conteúdo deva ser “nacionalmente definido e que, tal como existe para as outras disciplinas”, seja assim ministrado nas escolas.

Se, nesta circunstância, houver resistência a haver uma disciplina destas, será “daqueles que estão contra o próprio sistema constitucional e democrático”, sustenta.

Polícia e Ministério Público

A declaração da AEDAR, entre a dezena e meia de propostas, sublinha que se deve “cumprir a disposição constitucional que prevê a existência de um estatuto das forças de segurança, por forma a que se proceda à necessária clarificação das funções de polícia”.

Com isto, os ex-deputados propõem que haja uma “polícia de proximidade com o mesmo estatuto a cobrir o território nacional”, explica Jorge Lacão.

E o esclarecimento aparece também sob a forma de uma pergunta: Sendo os cidadãos em Portugal todos iguais, por que motivo há “duas polícias [PSP e GNR] com estatutos diferentes para cidadãos que tenham o mesmo estatuto, sendo que uma atua no território urbano e outra, com estatuto diferente, atua no território rural?”

“Estamos aqui a propor, por um lado, que a polícia de proximidade tenha dimensão nacional, não distinguindo entre o cidadão da cidade ou o cidadão da província. E, por outro lado, a outra força de segurança, que é aquela mais musculada pela sua natureza, lhe sejam atribuídas funções de policiamento específico”, esclarece, dando como exemplos “o policiamento do sistema rodoviário nacional e do tráfego, o policiamento das nossas fronteiras terrestres e marítimas, o policiamento de certos tipos de atividades económicas em mobilidade ou o policiamento florestal”.

No fundo, diz Jorge Lacão, “podemos conceber as duas formações de polícia, ambas com escala nacional, vocacionando uma para a polícia de proximidade, e vocacionando a outra para funções específicas de policiamento”.

Para além da polícia, também deve haver “uma rigorosa avaliação do sistema de justiça”, sugere a AEDAR, que passa por o Ministério Público prestar “informação sobre métodos e resultados”.

Questionado sobre esta designação, Jorge Lacão esclarece que este ponto se refere à “responsabilidade” que este órgão tem “em produzir um relatório anual sobre as suas dependências”, que acontece “através da figura máxima e hierárquica do Ministério Público, o Procurador-Geral”.

Portanto, afirma o ex-deputado, “deve ser apresentado institucionalmente e supõe-se apresentar-se às instituições também mais relevantes do Estado, como o Presidente da República, Governo e Assembleia da República. Este relatório é o resultado da atividade do próprio Ministério.”

Apesar deste relatório ser produzido, o que falta é “um tempo de ponderação e de avaliação do significado desses relatórios”, daí a proposta que procura a transparência.

Outras metas democráticas

A restante missiva dos ex-deputados passa também por “reavaliar os requisitos do financiamento partidário”, que, explica Jorge Lacão, passa por três vetores: o “financiamento à atividade partidária normal, o financiamento às campanhas eleitorais e o financiamento à atividade dos grupos parlamentares.”

Com esta proposta, a ideia é ponderar “quer o financiamento que pode ser excessivo em relação a quem possa potencialmente tornar-se hegemónico [em situações de maioria absoluta de um partido], quer o excesso de financiamento a grupos mais de dimensão irrelevante e que, por sua vez também, tem direito à existência, mas se calhar se vale a pena questionar se isso justifica financiamento público para uma atividade que, manifestamente, não tem utilidade pública em muitos casos.”

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