Esquerda em mínimos históricos aponta a Costa e às sondagens

Nunca a esquerda do PS pesou tão pouco na vida parlamentar. PCP e BE apontam à estratégia de vitimização de Costa e ao efeito das sondagens, que potenciaram o voto útil à esquerda. Catarina Martins fica. Jerónimo de Sousa pode sair a prazo.
Publicado a
Atualizado a

As eleições deste domingo deixaram a esquerda em mínimos históricos. Nunca a CDU ficou com uma representação parlamentar tão baixa, no caso do BE é preciso recuar até 2002 para encontrar uma bancada mais pequena e nunca a soma de comunistas e bloquistas foi tão escassa. O voto contra o Orçamento de Estado para 2022 foi um erro? PCP e BE mantém que não, sob dois princípios: um mau resultado eleitoral não transforma o Orçamento do PS num documento bom; a intransigência do PS não permitiu outro desfecho que não o chumbo.

De um e outro lado a explicação para estes resultados é apontada, em primeira instância, à estratégia de "vitimização" de António Costa pelo chumbo do Orçamento. Uma "operação bem montada por quem procurava eleições antecipadas, visando alcançar a maioria absoluta através da vitimização", diz ao DN o antigo deputado comunista Honório Novo, apontando igualmente a "falência total das sondagens" que, ao apontarem para uma aproximação "irrealista e pouco expectável" entre PS e PSD, promoveram a "bipolarização e o voto útil à esquerda". A este cenário Honório Novo acrescenta também os efeitos da pandemia, que "afeta particularmente a CDU, que tem uma campanha muito centrada na proximidade".

O militante comunista admite que a CDU tem um "mau resultado", "preocupante", que "vai diminuir as condições de intervenção institucional" do PCP e de Os Verdes (que deixam de ter representação parlamentar). E, se é sabido que o PCP não muda de secretário-geral por causa de resultados eleitorais, a saída a prazo de Jerónimo não é liminarmente recusada: "Estou quase como Rui Rio: Calma! O melhor é dar tempo ao tempo. O PCP não é permeável a pressões externas".

Mas esta deverá ser uma questão em cima da mesa, se não no imediato, pelo menos no médio prazo. No início de janeiro, em entrevista ao Público e Rádio Renascença, Jerónimo de Sousa admitiu não levar até ao fim o atual mandato. Apontados como os mais prováveis sucessores perfilam-se os nomes de João Oliveira e João Ferreira. E se o primeiro (até agora líder parlamentar) teve um desaire, não sendo eleito para a Assembleia da República, Honório Novo volta a sublinhar que o PCP não funciona nessa lógica: "Isso não entra na equação. Ninguém sai fragilizado, pelo menos no PCP". Os comunistas reúnem esta terça-feira o Comité Central para analisar os resultados das legislativas.

Para o Bloco de Esquerda os resultados foram ainda mais drásticos, com o partido a perder 252 mil votos, ficando a menos de metade do resultado alcançado em 2019. A bancada parlamentar encolheu de 19 eleitos para cinco. Dos objetivos definidos para estas eleições - manter-se como terceira força política, derrotar a direita e ganhar força para uma solução de governo à esquerda - os bloquistas veem apenas concretizada a derrota da direita, ainda assim uma meta eclipsada pela maioria absoluta do PS. Maus resultados que foram assumidos na noite eleitoral.

Com reunião da Comissão Política marcada para a noite de ontem e a Mesa Nacional, órgão máximo entre convenções, agendada para sábado, o partido remeteu-se ontem ao silêncio. Mas, ao que o DN apurou a continuidade de Catarina Martins à frente do partido não está em causa. Os bloquistas estavam cientes do risco político de chumbar os orçamentos de Estado (o de 2021 e o de 2022), mas mantém que não tinham condições para aprovar o documento apresentado pelo PS, um "mau orçamento". Tal como o PCP, os bloquistas argumentam que a penalização eleitoral acabou por ser exacerbada pelas sondagens.

A exceção à quebra à esquerda do PS foi o Livre, que renova o lugar no Parlamento e consegue um acréscimo de votação em relação a 2019. Mesmo assim, somados os três partidos, são 12 deputados - os mesmos que a bancada do Chega.

O que pode a esquerda fazer neste cenário? Rui Tavares aponta duas coisas, uma mais no imediato, a segunda a longo prazo. A primeira passa por "criar rotinas de trabalho em conjunto, para lá do PS" e apresentar aos socialistas posições conjuntas. "Devemos tentar que o PS venha a jogo", defende Rui Tavares, sublinhando que isto seria também um teste à anunciada disponibilidade de António Costa para o diálogo. "Sabemos que é mais fácil de dizer do que de fazer", admite, mas garantindo que o Livre "tentará fazer reuniões e concertar posições com o PCP, o BE e o PAN". Já a longo prazo, Tavares defende que "devia haver uma reflexão à esquerda sobre certos tabus antigos que pareciam ter sido desconstruídos com a geringonça", mas que se voltaram a erguer no pós-2019.

A meio caminho entre a esquerda e a direita outro derrotado da noite de domingo foi o PAN, que perdeu três assentos no Parlamento e elegeu apenas Inês Sousa Real. André Silva, o líder que conduziu o partido à vitória eleitoral de 2019, mantém - pelo menos para já - o silêncio. Nestas eleições o PAN perdeu mais de 84 mil votos.

susete.francisco@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt