Emigrantes repetem votação e pedem mais deputados
O voto presencial vai ter lugar este fim de semana no círculo da Europa. CNE promete que desta feita o processo vai correr bem. Comunidades exigem mais igualdade na representação no Parlamento.
Os eleitores do círculo da Europa são chamados a votar presencialmente pela segunda vez este fim de semana, e podem votar por correspondência até dia 23, depois de mais de 157 mil votos, 80% dos que foram depositados em urna, terem sido considerados nulos pelo Tribunal Constitucional por irregularidades no processo eleitoral, que decorreu em janeiro. Só finalizado este processo no dia 25 de março, depois de contados todos os votos, é que será possível a Assembleia da República tomar posse e o Governo de maioria absoluta do PS entrar em funções.
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João Tiago Machado, porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE), mostra-se confiante ao DN que esta segunda votação correrá sem incidentes e que os emigrantes do círculo da Europa que votaram em janeiro não desmobilizarão.
"A Assembleia da República está suspensa por respeito ao seu voto e ainda não tomou posse. Toda esta paragem do processo mostra que o voto deles conta e que tem consequências em Portugal", frisa o mesmo responsável da CNE.
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João Tiago Machado garante que houve uma reunião com os delegados dos partidos que vão acompanhar a repetição do ato eleitoral para deixar "claro que a lei" que os votos por correspondência têm de vir acompanhados de documento de identificação. "E não pode acontecer misturarem votos potencialmente nulos", frisou. Como aconteceu em janeiro, quando a mesa de apuramento geral do círculo da Europa - o que não se repetiu na do círculo fora da Europa - decidiu invalidar dezenas de mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los nas urnas.
Os resultados ainda chegaram a ser divulgados e davam um deputado para o PS (40,37%) - no caso Paulo Pisco - e um para o PSD (25,38%), Maria Ester Vargas. Nesta primeira eleição existia um universo eleitoral de 926 376 inscritos e votaram apenas 195 701, ou seja 20,87%( dos quais 157 205 foram considerados nulos).
O Tribunal Constitucional mandou repetir os atos eleitorais nas assembleias do círculo da Europa onde se tinham verificado irregularidades no processo eleitoral, decisão que surgiu após os recursos à anulação dos votos de cerca de 157 mil votos de emigrantes portugueses apresentados por quatro partidos - Chega, PAN, Livre e Volt Portugal.
O porta-voz da CNE assegurou também ao DN que foi feita uma campanha específica junto das comunidades portuguesas neste círculo da Europa, com um panfleto a explicar os quatro passos para votar à distância, incluindo o da inclusão do documento de identificação.
Desinteresse pela diáspora
Clara Bernardino, ortoptista de 33 anos, a viver e trabalhar em Oslo, Noruega, já recebeu a carta com o boletim de voto por correspondência, mas rejeita ao DN que tenha existido qualquer campanha paralela de esclarecimento dos emigrantes sobre os procedimentos de voto.
"Mas, tal como na anterior carta, está explicado que é preciso enviar esse documento de identificação. Quem não enviou foi porque não quis", afirma. Clara assume que sente junto de outros portugueses a viver na Noruega alguma desmobilização, até porque "já sabemos quem ganha".
Um pouco mais perto, em França, onde a comunidade portuguesa é muito vasta, há também um sentimento de "perplexidade" com tudo o que aconteceu na eleição de janeiro.
Hermano Sanches Ruivo, vereador na Câmara de Paris e presidente da Activa, grupo de amizade França/Portugal das cidades geminadas, espera que a anulação dos votos e a repetição das eleições "seja uma lição para a democracia" e que sirva para pensar como aumentar a participação dos emigrantes nas eleições.
"Falou-se da comunidade por esta situação irregular, gostava que fosse notícia pela mobilização (...), como é que isso pode acontecer para eleger apenas dois deputados pelo círculo da Europa e dois pelo fora da Europa?"
O autarca defende, entre outras coisas, que "é tempo de resolver a questão do voto eletrónico" para que "haja alguma igualdade nos espaços de cidadãos portugueses". Reconhece que foram dados passos com a decisão do recenseamento automático das comunidades portuguesas. Com o aumento do universo eleitoral, diz, "nunca como antes apareceram tantas listas a concorrerem" e os seus representantes a dialogarem com os emigrantes portugueses.
Hermano Sanches Ruivo lembra que se "falou da comunidade por esta situação irregular" mas "gostava que fosse notícia pela mobilização". "Como é que isso pode acontecer para eleger apenas dois deputados pelo círculo da Europa e dois pelo fora da Europa?", questiona.
Este é o ponto-chave também para Anna Martins, a luso-descendente que é chefe de gabinete adjunta do ministro francês da Coesão, Joel Giraud. "Fiquei perplexa perante este barulho da contabilização dos votos dos emigrantes. Ainda se os deputados pelo círculo da Europa fossem proporcionais ao número de eleitores...", diz, de forma muito crítica para o sistema eleitoral que só prevê os tais quatro deputados pelos dois círculos fora de Portugal.
"Fiquei perplexa perante este barulho da contabilização dos votos dos emigrantes. Ainda se os deputados pelo círculo da Europa fossem proporcionais ao número de eleitores..."
Anna Martins, que também é presidente da associação Cap Magellan - a maior associação de luso-descendentes na Europa - estabelece um paralelo para demonstrar a discrepância na representação dos portugueses por cá e fora de fronteiras. Invoca o círculo eleitoral de Braga, que tem cerca de 700 mil eleitores e elege 20 deputados. "Nós só na Europa temos mais de 900 mil e elegemos dois". Admite que na comunidade portuguesa "há um sentimento de injustiça" que desmobiliza as pessoas de participarem eleitoralmente no destino do país. Agravado pelo facto de "ser um povo que não estava habituado a votar" e que quando emigrou não tinha educação cívica.
"Se votamos só para dois deputados para nos representarem não há muito interesse pela política", afirma, numa justificação para os pouco mais de 20% de participação eleitoral no seu círculo (fora da Europa ainda é menor, já que só votaram 10,82% dos eleitores inscritos). "Isto é que devia ser censurado pelo Tribunal Constitucional", assevera.
"Isto é terrível para a democracia e é um falhanço para todos os governos até agora", diz Anna Martins, que também defende o voto eletrónico como uma forma de maior participação e de aproximação das comunidades ao processo eleitoral. A presidente da Cap Magellan enquadra este processo "num sintoma mais vasto de desinteresse pela diáspora", muito patente, assegura, "no desinvestimento no ensino da língua portuguesa".
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