Os ex-primeiros-ministros Felipe González, Francisco Pinto Balsemão, Mariano Rajoy e António Costa no Foro La Toja, em Lisboa. Debate moderado pela jornalista Teresa de Sousa.
Os ex-primeiros-ministros Felipe González, Francisco Pinto Balsemão, Mariano Rajoy e António Costa no Foro La Toja, em Lisboa. Debate moderado pela jornalista Teresa de Sousa.Gerardo Santos / Global Imagens

“Eficracia” e mais Europa na “aula” para Costa aprender a ser ex-PM

Encontro reuniu quatro antigos chefes de Governo de Portugal e Espanha. Falou-se de populismos, centralidade, federalismo e política externa e de defesa comum aos 27.
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O termo “eficracia” foi introduzido por Felipe González no encontro que António Costa apelidou de “aula prática de aprender a ser ex-primeiro-ministro”. O antigo chefe de governo espanhol (1982-1996) defendeu que “um dos problemas das democracias liberais é que falta eficracia”, isto é, a democracia está a ser pouco eficiente a resolver os problemas reais dos cidadãos. Isso ajuda a explicar os populismos, mas 50 anos depois do 25 de Abril, esse não é o único problema em cima da mesa, com o ex-primeiro-ministro português a defender “mais imaginação para o futuro” na União Europeia.

González e Costa, que saiu há uma semana de São Bento, estiveram acompanhados em palco por Francisco Pinto Balsemão (primeiro-ministro português entre 1981 e 1983) e Mariano Rajoy (presidente de governo espanhol entre 2011 e 2018), numa das mesas redondas da 2.ª edição do Foro La Toja em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian. O mote da conversa eram “Cinco Décadas de Democracia: o Passado e os Desafios do Futuro”. Mas como lembrou Balsemão, “não vale a pena estarmos sempre agarrados ao passado. O que lá vai, lá vai. E há ainda muito a fazer em matéria de liberdade”.

Em relação aos desafios do futuro, Rajoy apontou “dois inimigos” das democracias. O primeiro é externo, referindo-se à China e à Rússia. “As democracias têm que fazer um esforço para que os princípios democráticos se imponham no mundo”, afirmou. O segundo inimigo está “dentro de casa” e são os populismos. “Pode ser populista um tipo da antiga Europa de Leste xenófobo, um espanhol fascinado pelas ditaduras tropicais ou um milionário de Nova Iorque. Pode ser de extrema-direita, de extrema-esquerda ou de extremo-nada”, resumiu o ex-líder do PP espanhol.

“Populista é o que dá uma resposta simples a um problema complexo. Como a resposta simples não resolve o problema complexo, tem que procurar um culpado, um responsável de que essa resposta não funcione”, disse, por seu lado, o socialista González. “Portugal, para mim, é um exemplo. Entre, outras coisas, porque é capaz de preservar o espaço no qual se joga o futuro da democracia no mundo, que é o espaço da centralidade”, afirmou. “Não é preciso acordo entre as forças políticas, que têm que oferecer alternativas. É preciso evitar a dependência de grupos radicais, em qualquer direção, que condicionem a política da centralidade”, referiu.

Costa defendeu que “uma das forças da vitalidade da democracia em Portugal” tem sido a capacidade dos dois grandes partidos terem sido precisamente “capazes de liderar as alternativas”, mesmo que haja hoje maior fragmentação.

O ex-primeiro-ministro português defende contudo que “não devemos sobrevalorizar a interpretação das últimas eleições, que ocorreram em circunstâncias particularmente estranhas”. Costa considerou que o que permitiu o crescimento do “partido populista de direita”, referindo-se ao Chega, “foi sobretudo o facto de os cidadãos não terem sentido nem no PS nem no PSD tração suficiente para a concentração necessária do voto”. Mas insistiu: “Não vale a pena exagerarmos na interpretação destes resultados”, defendendo que é preciso “dar tempo para que as coisas retomem a normalidade.”

Rajoy acredita que os populismos serão derrotados: “Em Espanha, surgem partidos que duram um quarto de hora. No final, com um pouco de senso comum, porque as pessoas estão na moderação e na sensatez, no centro-direita ou no centro-esquerda, esses partidos acabam por desaparecer”. 

“Estados Unidos da Europa”

O debate entre os antigos líderes de dois países que assinaram, no mesmo dia 12 de junho de 1985, a adesão às então Comunidades Europeias, passou também pelo futuro da União Europeia. Balsemão defendeu que “a Europa deve caminhar para ser uma federação de Estados”, dizendo-se disponível para “abdicar de uma parte da soberania portuguesa” para ter “outra capacidade de intervenção”.

Rajoy disse não saber se isso é ou não possível, mas considerou não ver alternativa a esses “Estados Unidos da Europa”. Sendo que, um primeiro passo, passará por uma política externa e de defesa comum. “Precisamos de mais Europa, precisamos falar a uma só voz no mundo. Se não, não existimos”, referiu, lamentando que hoje os europeus tenham “arrendada a política de defesa aos EUA”.

González lembrou o “horror” da guerra da Ucrânia, mas alertou para o “excesso de umbiguismo europeu” neste tema. “Cada vez que há um conflito na Europa, os europeus tendem a acreditar, porque acreditamos ser o umbigo do mundo, que este é um conflito mundial. Mas não devemos dimensionar de forma exagerada o conflito”, explicou, defendendo ainda assim que é preciso que a Europa se torne “maior de idade na sua defesa” sem romper o vínculo Atlântico.

Costa considera que o quadro europeu é “particularmente desafiante neste momento”, lembrando que a União Europeia muda com cada país que entra com os seus interesses específicos, geografia, história e cultura. “A União Europeia fez sempre um exercício muito imaginativo e requer ainda mais imaginação para o futuro”, alertou, explicando que por muito “encantadora” que seja a ideia de uma Federação Europeia, não conhece nenhum exemplo de federação a partir de nações preexistentes.

Em relação a uma política externa e de defesa comum, o ex-primeiro-ministro diz que todos estão de acordo que é necessário. “O problema é que a visão do mundo de cada um dos 27 é marcada, necessariamente, pela sua própria experiência histórica”, explicou, dizendo que não é “por acaso” que Portugal e Espanha são fomentadores do consenso no espaço europeu. “Nós, porque somos andarilhos do mundo há muitos séculos, estamos mais habituados a fazer um esforço para compreender os outros, do que os outros que têm estado fechados e enclausurados entre os vários impérios que os procuraram esmagar têm de compreender a história para além dos outros.”

susana.f.salvador@dn.pt

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