É o tamanho que importa ou a qualidade dos governantes?

Costa, Cavaco e Soares lideraram os três maiores governos. Nobre da Costa, Pintasilgo e Cavaco tiveram os mais curtos. Há diferenças de eficácia na governação? Os prós e os contras de cada modelo em análise do DN. A média, desde 1976, aponta para 16 ministros e 37 secretários de Estado..
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Mais pequeno é mais eficaz, é melhor? António Costa acha que sim. Agora. E até lhe aponta vantagens: "ágil", "mais enxuto", "mais compacto", uma "task force para a recuperação" com "competências mais transversais". O agora anunciado small is beautiful, que o líder socialista já por duas vezes sublinhou (a 4 de dezembro do ano passado e a 2 de fevereiro deste ano), em contraponto ao bigger is better de 2019 (o maior governo desde 1976) explicado, nessa altura, com o argumento de que "os governos não se medem em função do número de membros, mas devem ter uma orgânica ajustada ao programa do governo" encontra justificação em duas pequenas frases: o bigger de 2019 era uma resposta "às prioridades do país", o prometido small de 2022 é "mais adequado aos tempos desafiantes que temos pela frente".

Não tendo, em nenhuma das vezes que anunciou esse governo curto, explicado que "modelo" quer aplicar, António Costa não deverá andar distante do que é identificado pelos investigadores em ciência política como "pastas ministeriais responsáveis pela coordenação transversal entre vários ministérios". Ou seja, um "centro governativo" que "até ao segundo mandato de Cavaco Silva (1987-91) não tinha uma pasta ministerial específica" que ficava "sob a alçada do primeiro-ministro, ministros de Estado ou secretários de Estado".

Desde o segundo mandato de António Guterres, em 1999, que "a proporção de pastas que asseguram a coordenação entre políticas e decisões de diferentes ministérios, por forma a promover a eficácia governativa, tem-se mantido constante. No mandato de Pedro Passos Coelho, em 2011, a proporção destes ministérios em função do total do elenco governativo ascendeu aos 32%; com a proporção mais baixa (4%) a ser identificada no executivo de Mário Soares, nas vésperas da adesão à Comunidade Económica Europeia", revela o estudo do Observatório da Qualidade da Democracia da Universidade de Lisboa.

Exemplo clássico, mas mais típico de governos de coligação, é a existência de um vice-primeiro-ministro como aconteceu com Paulo Portas a meio do governo de Passos Coelho (a famosa demissão "irrevogável" de quatro dias, que o levou de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros à "promoção" a vice com a coordenação económica, na sequência da nomeação de Maria Luís Albuquerque, o "Gaspar de saias", para ministra de Estado e das Finanças) ou como sucedeu com Freitas do Amaral que acumulou com a Defesa no governo de Balsemão e antes somou o lugar de vice aos Negócios Estrangeiros no breve governo de Sá Carneiro, por exemplo.

Mais normal e recorrente, em escalas diferentes, são os "ministros de Estado" que gerem em simultâneo pastas importantes, quase sempre as de Defesa, Negócios Estrangeiros ou Finanças.

Pedro Siza Vieira (Economia), Augusto Santos Silva (Negócios Estrangeiros), Mariana Vieira da Silva (Presidência) e João Leão (Finanças) são os casos mais recentes de ministros que assumem "pastas de coordenação". Rui Machete, Maria de Luís Albuquerque, Luís Amado, Teixeira dos Santos, Álvaro Barreto, Nuno Morais Sarmento, Manuela Ferreira Leite, Jaime Gama, Guilherme d"Oliveira Martins (nas pastas da Presidência e das Finanças), José Sócrates e Jorge Coelho (como ministros adjuntos de Guterres), Luís Marques Mendes (ministro adjunto de Cavaco Silva), Fernando Nogueira (na Presidência e na Defesa e antes ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares), Eurico de Melo, Almeida Santos (ministro de Estado de Mário Soares), Gonçalo Ribeiro Telles, João Salgueiro e Basílio Horta (ministro de Estado adjunto de Pinto Balsemão) são exemplos de ministros que tiveram a responsabilidade de "acompanhar as medidas interministeriais" dos respetivos governos.

De todos os executivos, desde 1976, os três maiores são o de António Costa, em 2019, que superou todos os valores (70 governantes); o de Cavaco Silva, em 1991, com 67; e o de Mário Soares, em 1976, com 63.

No ranking dos maiores governos encontramos, logo a seguir, o de Pinto Balsemão, em 1981, com 62 governantes; em 1999, no segundo executivo de António Guterres, houve 60; em 2015, no primeiro governo de António Costa, foram 59; e no de Santana Lopes, em 2004, houve 58.

Para encontrar os menos numerosos é preciso recuar décadas e décadas. Nobre da Costa (em 1978), Maria de Lourdes Pintasilgo (em 1979) e Cavaco Silva (em 1985) tiveram os governos mais curtos de sempre: 46 governantes.

E depois há um hiato de 26 anos até Passos Coelho, em 2011, apresentar um governo com 47 membros que seria sol de pouca dura: passaria a 53, pouco tempo depois, com a nomeação de mais governantes - três deles ministros. Durão Barroso, em 2002, com 52 governantes, e Cavaco Silva (em 1987) e José Sócrates (em 2005) com 53 estão na lista dos mais pequenos governos que estão muito próximos, ligeiramente abaixo, do valor médio total (54) destes 46 anos. Uma média de 16 ministros, 37 secretários de Estados e, naturalmente, o primeiro-ministro.

António Costa, que diz não ter ainda a "estrutura definitiva" e que só contava fazer convites "nas vésperas" da tomada de posse, que seria amanhã não fosse o Tribunal Constitucional ter mandado repetir as eleições no círculo da Europa, tem agora mais mês e meio para elaborar a "ágil" e "enxuta" "task force", o XXIII Governo Constitucional.

A SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) defende que haja apenas 11 ministérios, o mesmo número inicial do governo PSD/CDS, em 2011, que, no entanto, cresceu para 14 ministros.

José Adelino Maltez, professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, entende que o país "não precisa de mais do que 12 ministérios" considerando, no entanto, que a "eficácia não depende do seu tamanho", mas da "qualidade dos titulares da pasta". O que faz falta? "Ministros task force que acumulem várias pastas, uma espécie de superministro" como, por exemplo, o "caso" de Mariana Vieira da Silva, e um primeiro-ministro com "capacidade de encontrar formas de articulação entre eles."

Mas não somente, porque a Constituição, tal como está, estimula "esses atos de criação", alguns até com "nomes esquisitos, não tem lógica nenhuma". A solução seria, por isso, manter os "clássicos" - Defesa, Finanças, Saúde e Negócios Estrangeiros, por exemplo - e nomear, por delegação de competências, os "ministros task force".

Pedro Silveira, doutorado em Ciência Política, que juntamente com os investigadores académicos Marcelo Carmelo, André Paris, Teresa Ruel e Patrícia e Silva, traçou o retrato dos governos e elites governativas em Portugal de 1976 a 2020, considera que "um governo demasiadamente pequeno, com 10, 11, 12 pastas, implica necessariamente uma agregação de áreas que em termos teóricos até podem fazer sentido estarem juntas, mas depois, na prática, o que acontece é uma subalternização de uma à outra. O exemplo clássico é a Educação e o Ensino Superior onde tivemos experiências muito más com essa mistura".

Outra desvantagem, sublinha o investigador, "e que é algo menos visível, é a incapacidade de o ministro ter know-how e capacidade para atender a todas as subáreas. Se pensarmos no ministro Álvaro Santos Pereira que tinha seis secretários de Estado, um ministério gigantesco, percebemos que era muito difícil que ele conseguisse estar dentro de todas aquelas áreas que estavam na Economia. Perde a mão à governação do ministério, passa ser uma espécie de coordenador, alguém que está lá muito em cima, a quem só chegam as grandes linhas. Este é, de facto, o problema dos megaministérios. Ou seja, o ministro não conseguir ser, de facto, o responsável político por toda a máquina da administração pública e conseguir responder por toda essa máquina. E é por isso que os megaministérios têm corrido tão mal em Portugal".

Uma terceira consequência "é forçar os secretários de Estado a serem quase ministros. E isto é uma bizarria em Portugal num cargo sem competências próprias. O secretário de Estado só pode fazer o que o ministro lhe delegar e ao mesmo tempo em megaministérios, eles vão ter tanta coisa sob a sua alçada, tanta administração pública, que são na prática quase ministros sem poderes próprios, sem competências próprias. Isto é altamente disfuncional para o funcionamento interno do governo".

O caso "paradigmático e exemplar" é o de Passos Coelho, em 2011, que começou com 11 ministros, que corrigiu a meio do mandato para 14 para em 2015 apresentar um elenco de 16 ministros que acabou chumbado com a rejeição do programa de governo. "Não é por acaso que a média de ministros, no elenco inicial, em Portugal é de 16", diz Pedro Silveira.

"Um governo excessivamente grande, imagine com mais de 18 ou 19 pastas", considera Pedro Silveira, "torna alguns ministros irrelevantes fora do executivo porque as pessoas não sabem quem eles são, e irrelevantes dentro do próprio governo porque, na verdade, ficam encarregues de pequenas áreas ministeriais onde não existem institutos públicos, direções-gerais, empresas públicas. Ou seja, um conjunto de estruturas que depois permitem verdadeiramente que a ação do ministro tenha consequências".

"E se pensarmos nos secretários de Estado desses ministérios", sublinha, "ainda mais porque ficam encarregues de minúsculas áreas onde, na verdade, existe muito pouca coisa para despachar, para fazer".

A segunda consequência e que "me parece a principal preocupação de António Costa que tem uma experiência de muitos anos", aponta o investigador, "é que um governo excessivamente grande torna a coordenação governativa muito difícil, torna a coesão e a articulação entre as diversas políticas dos diversos ministérios muito mais custosa, muito mais morosa, muito mais difícil, com uma negociação que vai implicar muito mais pessoas e que faz que o centro do governo, as pessoas que estão à volta do primeiro-ministro, tenham mais dificuldade em controlar aquilo que acontece dentro dos ministérios".

Pedro Silveira alerta que "antes de se pensar nos ministérios em abstrato se devia olhar para os serviços da administração publica que estão em cima da mesa. Olhar para a base e construir a partir daí. Mas, às vezes, sinceramente, olhando para o que fomos assistindo, duvido que isso tenha sido feito".

E porque não é só tamanho que importa - "na verdade, os fatores de sucesso ou insucesso dos governos tendem a ser mais externos" -, a origem política, a ligação dos ministros aos partidos é outro dos fatores a tomar em consideração. "O número de independentes é, de facto, bastante elevado e tende a ser maior nos governos liderados pelo PS. Com cerca de metade de ministros apartidários, os governos liderados por José Sócrates constituíram a expressão esdrúxula do recrutamento de independentes", relatam os investigadores do Observatório da Qualidade da Democracia da Universidade de Lisboa no Policy Brief.

No entanto, há que separar o trigo do joio e perceber se os "independentes puros" estão assim em tão grande número nos governos socialistas. A fatia "bastante significativa" é a dos semi-independentes, os "sem filiação partidária que gravitam na órbita" de um partido e que "têm constituído uma reserva de recrutamento importante" apesar da "escassa experiência política".

Há depois, os candidatos com filiação partidária que, "à data da nomeação, se encontravam na simples condição de militantes e aqueles que ocupavam cargos de direção nos órgãos nacionais do partido".

Destaquedestaque"O bom argumento para ter alguns ministérios fixos é evitar a disrupção que isso implica nos serviços da administração pública, as mudanças de ministérios a cada eleição."

Os dados na análise "demonstram que todos os governos tendem a recrutar para cargos ministeriais uma fatia importante de dirigentes nacionais". No caso do atual governo existe "uma combinação de semi-independentes com dirigentes nacionais. É um governo que se assemelha muito a anteriores governos socialistas".

Até hoje, só seis governos conseguiram levar a legislatura até ao fim. Até 1987 nenhum governo, e foram dez, o conseguiu. Só em 1991 se quebrou a "tradição" que se prolongou até 1999, fruto das duas maiorias absolutas de Cavaco Silva e do primeiro governo minoritário de António Guterres.

Depois destes três, regressa um novo hiato: caem os governos de Guterres (o segundo), o de Durão Barroso e o de Santana Lopes. A partir daqui, as quedas de governo seguem o mesmo ritmo: a primeira legislatura vai até ao fim, a segunda é interrompida. Foi assim com José Sócrates, Passos Coelho e agora com António Costa.

A experiência, apesar de tudo ainda breve, permite concluir que "apenas os executivos maioritários de um só partido aparentam ter uma esperança média de vida coincidente com os quatro anos da legislatura". Das oito maiorias em coligação, só uma resistiu até ao fim: a de Passos e Portas que começou em 2011.

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