Dois homens do norte. Um teima no PSD ao centro, o outro puxa-o mais à direita
Pelos sofás vermelhos do corredor do Parlamento colado à porta do grupo parlamentar do PSD passaram muitos jornalistas, sempre que precisavam de umas lições em tempo de debate dos Orçamentos de Estado, primeiro os cavaquistas, depois os guterristas, corriam os anos 90. Rui Rio, economista, então deputado eleito pelo círculo do Porto, descodificava, à vez, as intrincadas finanças do país, sempre rigoroso e sem perder tempo com miudezas. O agora recandidato à liderança do PSD mantém esse traço, gosta de falar pouco e manter o rigor no que diz.
O adversário nas eleições internas do PSD, num duelo ainda marcado para 4 de dezembro, está também sempre disponível para ajudar a perceber o puzzle político da Europa e do Mundo. Mas ao invés de Rio, Paulo Rangel, advogado e eurodeputado do PSD, gosta da palavra, de ir ao rendilhado dos pormenores e de os atravessar nos clássicos.
São ambos homens do norte, um do Porto, Rio, e o outro de Vila Nova de Gaia. Com personalidades tão distintas, ambos estudaram em escolas particulares: o primeiro no Colégio Alemão, o segundo no Colégio dos Carvalhos, instituição dos Missionários Claretianos. Uma década separou-os à nascença, o que faz toda a diferença se pensarmos que Rui Rio (64 anos) viveu a transição para a democracia com 17 anos, altura em que Paulo Rangel (53 anos) apenas tinha cinco.
Estão agora em confronto pela liderança do PSD, mas nem sempre estiveram em barricadas opostas. De tal maneira que Rio considera uma "traição" este arrojo de Rangel, que ainda em 2019 foi cabeça de lista do partido ao Parlamento Europeu sob a sua batuta. Os caminhos dos dois, aliás, cruzaram-se no norte já em 2001. Rangel foi o responsável pela elaboração do programa de Rui Rio à Câmara do Porto, proeza que repete em 2005.
Se o Conselho Nacional do PSD desta noite mantiver, como pede Rangel, contra a vontade de Rio, as diretas a 4 de dezembro, os dois vão até às bases com um partido colocado de forma diversa na geometria política. O recandidato à liderança quer um PSD ao centro e com isso abre a porta ao diálogo com o PS; o eurodeputado/candidato quer um PSD de centro esquerda à direita moderada, sem grande margem para abraços aos socialistas.
O percurso político de ambos, tão diverso, talvez explique muito do que são e das visões que têm para o partido e o país.
O percurso de Rio na política começou na JSD, que liderou entre 1982 e 1984. Mas ganhou maior notoriedade quando Marcelo Rebelo de Sousa chegou à liderança do PSD, em 1996, e o convidou para secretário-geral do partido. Mal sabia o agora Presidente da República o tempo agitado que ia viver à conta dele. Na tal senda do rigor, abriu um processo de refiliação de militantes, que colocou o aparelho do partido em pé de guerra. Saiu do cargo em 1997, mas a relação com Marcelo nunca mais foi a mesma e isso notou-se bem nesta crise política.
undefinedundefinedundefinedundefined"Seria muito prejudicial para o partido e para o país que o PSD mudasse de presidente. Estamos mais perto de ganhar ao PS e não quero ter a responsabilidade de ver essa oportunidade perdida." - Rui Rioundefinedundefined
Mas é no Porto, cidade natal, que a sua carreira política dá um grande salto, quando em 2001 conquista inesperadamente a Câmara ao PS. Aqui esteve três mandatos e travou batalhas que ganharam eco no país, nomeadamente contra a hegemonia do FC Porto na vida local. É durante este período, de 2002 a 2005, que também que é vice-presidente de três líderes diferentes: Durão Barroso, Pedro Santana Lopes e Manuela Ferreira Leite.
Casado e pai de uma filha, amante das corridas de automóveis, Rio foi várias vezes falado como potencial candidato à liderança do partido e até chegou a ser dito que estava a apontar a Belém. Mas só com a queda de Pedro Passos Coelho em 2017 decidiu colocar-se na linha de partida. Nas diretas do PSD desse ano, derrotou Pedro Santana Lopes. Os dois anos de mandato foram conturbados. Os passistas, que nunca tratou propriamente bem, fizeram-lhe a vida negra, a ponto de ter tido a necessidade de apresentar uma moção de confiança num Conselho Nacional, desafiado que fora pelo antigo líder parlamentar Luís Montenegro. Venceu essa parada e as diretas de 2020, numa segunda volta precisamente contra Montenegro (Miguel Pinto Luz foi candidato na primeira). De lá para cá, os adversários ficaram à espreita, com algumas críticas à mistura, à espera do deslize nas eleições autárquicas. Que não aconteceu, mas que não impediu Paulo Rangel de ir a jogo.
Nascido no seio de uma família marcelista, mas depois seguidora de Sá Carneiro, desde miúdo que Paulo Rangel esteve rodeado de política. Mas a sua entrada neste mundo só se dá depois de formado em Direito na Universidade Católica , curso que finalizou com 17 valores. Advogado e professor, é no CDS pela mão de António Lobo Xavier que entra na atividade política. A aproximação ao PSD dá-se através de Rui Rio, que o leva para um Conselho Consultivo do PSD/Porto. Fez parte do governo de Pedro Santana Lopes, com a pasta de secretário de Estado Adjunto do ministro da Justiça José Pedro Aguiar-Branco. Assume a liderança da bancada parlamentar social-democrata durante a liderança de Manuela Ferreira Leite e o salto para a Europa dá-se nas eleições de 2009, as que ganhou contra todas as expectativas.
Citaçãocitacao"Não me conformo com um partido que está à espera de que o poder socialista se afogue no pântano ou caia de podre." - Paulo Rangel
No Parlamento Europeu rapidamente assume uma das vice-presidência do PPE. Em 2010, entra na corrida à liderança do partido, contra Pedro Passos Coelho e Aguiar-Branco, mas perdeu para Passos. Recandidatou-se às europeias de 2014 e às de 2019, onde teve um fraco resultado eleitoral.
Recentemente assumiu publicamente que é homossexual, precisamente para travar os que tentavam condicioná-lo neste desejo de tentar conquistar o leme do partido.