Covid-19 e apoios sociais. Municípios à espera de solução para receberem 260 milhões
A descentralização de competências para as autarquias tem dado brado, sobretudo por o envelope financeiro não acompanhar as responsabilidades acrescidas na área da educação, a que se segue a da saúde e da ação social, mas a negociação da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) com o Governo é mais vasta e envolve cerca de 260 milhões de verbas em atraso.
A presidente da ANMP, Luísa Salgueiro, apontou na segunda -feira o horizonte temporal de um mês para chegar a um entendimento com o Executivo sobre o caderno reivindicativo da associação e deu nota de "avanços" no processo negocial.
A par da descentralização de competências no que concerne à educação, há duas outras grandes questões que a ANMP quer ver resolvidas. A primeira prende-se com o Fundo Social Municipal - criado em 2007, e que constitui uma transferência do Orçamento do Estado destinada a financiamento de despesas dos municípios associadas a funções sociais (áreas da educação, saúde e ação social) -, sendo que o Governo reconheceu no OE2022 a existência de uma "dívida", embora não a tenha quantificado. A ANMP reivindica 104 milhões de euros de verbas em atraso há três anos - 18 milhões de euros em 2019; 35 milhões em 2020; e 51 milhões de euros em 2021.
A segunda questão diz respeito ao dinheiro que as autarquias gastaram no combate à pandemia e depois de terem recebido garantias do Governo que todas as verbas gastas seriam ressarcidas. Só em 2020, segundo a ANMP, a despesa relativa à resposta dos municípios à covid-19 foi de 211,4 milhões de euros, tendo o Executivo já pago 55 milhões, através do Fundo de Solidariedade da União Europeia. Pelo que há 156 milhões por pagar.
O DN apurou que "há apreensão" nos municípios pelo facto destas verbas - que somadas ascendem a cerca de 260 milhões de euros - não estarem a ser devolvidas e esperam que haja um acordo com o governo para que isso aconteça mesmo que seja num plano faseado.
As reuniões da ANMP com os membros do Executivo envolvidos nestas matérias - em particular das ministras da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, e da Saúde, Marta Temido, e do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território e da Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional - devem prosseguir este mês de junho.
No encontro que se realizou na segunda-feira, a ANMP assumiu que foram apresentadas pelo Governo "novas propostas que se aproximam do conjunto de reivindicações da ANMP".
Entre as quais, na área da educação está um plano de requalificação de 335 escolas EB2/3 e secundárias, transferidas para os municípios no âmbito da descentralização, com financiamento dos fundos de coesão e do Banco Europeu de Investimento, que "promete ser uma das maiores intervenções globais já realizadas nos edifícios escolares".
Foi ainda apresentada a forma de utilização da cláusula de salvaguarda financeira prevista no artigo 82º do Orçamento de Estado, que permitirá ajustar os valores atribuídos a cada município, nomeadamente os decorrentes do aumento previsível de custos das refeições escolares como resultado da pressão inflacionista. E na Saúde foram apresentadas medidas para "resolver alguns constrangimentos detetados no processo de descentralização" nesta área.
No mesmo dia, a ANMP assinou com a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, um protocolo para a criação de uma comissão permanente de acompanhamento do Investimento Municipal nos Fundos Europeus.
Quem não concorda com o rumo das negociações da ANMP com o Governo é o presidente da Câmara do Porto, que recentemente abandonou a Associação. Rui Moreira foi na segunda-feira a Belém pedir ao Presidente da República que não promulgue o Orçamento do Estado sem atualização das verbas para a descentralização.
O autarca do Porto defende que um aumento de "cerca de 10% não chega para as responsabilidades que os municípios têm de arcar com a descentralização".
"Pedi ao senhor Presidente da República, uma vez que o atual Orçamento ainda não foi promulgado, que desenvolva os esforços necessários" para que o exercício "seja atualizado antes de ser atualizado e promulgado", referiu.
Rui Moreira explicou que Marcelo Rebelo de Sousa colocou-se "ao lado dos municípios" ao alertar, na semana passada, para os valores "manifestamente insuficientes" que foram transferidos para as autarquias. "Sabemos que o Governo fez um esforço, nos últimos tempos, em sede de Orçamento do Estado, de aumentar a verba em cerca de 10% para os municípios, só que esses 10% não chegam. No nosso caso, do município do Porto - e aí sei do que falo - não chegam", asseverou Moreira. No entanto, segundo o Expresso, o Presidente da República entende que o país não pode viver mais de duodécimos e não travará a promulgação do OE2022, ainda que concorde que a descentralização obriga a mais verbas no OE do próximo ano.
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