Costa critica negócio "criativo" da EDP e sugere intervenção do Fisco
Foi a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, quem trouxe para o debate, ontem, no Parlamento, com o primeiro-ministro, a questão da venda pela EDP de seis barragens no Douro, um negócio avaliado em 2,2 mil milhões de euros.
A empresa terá criado um "esquema" com que alegadamente conseguiu poupar 110 milhões de euros em imposto de selo e portanto "está em causa o facto de o Governo ter tido conhecimento antes do negócio - e antes de o autorizar - do planeamento fiscal agressivo da EDP para não pagar impostos e tendo a possibilidade legal de ter imposto um critério de justiça fiscal à EDP, ter optado por autorizar a venda, sem impor nenhum critério de justiça fiscal".
António Costa sacudiu responsabilidades do Governo. "Não compete a nenhum membro do Governo proceder à qualificação fiscal de qualquer negócio. Essa competência própria é da Autoridade Tributária e a Autoridade Tributária, ao contrário do que a senhora deputada diz, não tem de ir para tribunal cobrar nada, porque goza de privilégios de execução prévia, determina para a EDP - como determina para qualquer um de nós - o que temos a cobrar, cobra e se alguém tiver a protestar é que poderá ir para tribunal."
Mas Catarina Martins insistiu: "É grave, seria grave em todos os momentos. Numa altura de crise é ainda mais chocante que o Governo, tendo sido avisado antes, não tenha feito nada para impedir o negócio, para obrigar a EDP a pagar os impostos que deve, desde logo à população da Terra de Miranda", condenou." E depois da coordenadora do Bloco foi a vez de o líder do PSD pegar no assunto. Rui Rio começou por explicar o que a EDP fez: "A EDP montou um esquema para tentar não pagar impostos: num dia cria uma empresa com um funcionário, no dia seguinte passa a exploração de seis barragens no valor de 2,2 mil milhões de euros, para essa empresa, nesse mesmo dia vende a empresa ao consórcio, que um mês depois a extingue." E com isto, explicou, a EDP deixou de pagar impostos, incluindo o imposto de selo de 110 milhões de euros.
Rui Rio aproveitou ainda para acusar dois membros do Governo - o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, de funcionarem como "advogados de defesa" da EDP já que terão dito que a empresa não estava proceder ilegalmente.
Na resposta ao líder do PSD, António Costa foi mais substantivo do que nas respostas a Catarina Martins. Voltou - é certo - a dizer que o Governo não pode interferir na autonomia da Autoridade Tributária (AT). Mas não se coibiu de qualificar o comportamento da EDP, embora no condicional: "Se houve simulação fiscal, isso é inaceitável, tratando-se da EDP, da ADP, da Petrogal ou de qualquer um de nós, isso é básico". E foi suficientemente claro a sugerir fortemente à AT que veja o que se passa. "O mínimo que posso dizer é que essa construção foi criativa, não me passa sequer pela cabeça que a AT não esteja a investigar, faz parte das suas funções." Na semana passada - recorde-se - o PSD entregou na Procuradoria-Geral da República um pedido de averiguação da venda de seis barragens da bacia do Douro pela EDP, considerando que o Governo favoreceu a empresa concedendo-lhe uma "borla fiscal".
O início do debate mostrou também que o azedume continua a ser a marca essencial na relação entre o Governo do PS e o BE.
António Costa aproveitou uma pergunta de Catarina Martins para mostrar gráficos que asseguram que, afinal - e ao contrário do que o Bloco vem a dizer há meses - o SNS tem hoje mais pessoal ao seu serviço do que no início da pandemia: "Se agora formos fazer o balanço, o resultado é muito simples: só o ano passado nós aumentámos quase tanto o número de médicos do SNS quanto tínhamos feito em toda a legislatura anterior, aquela legislatura que, seguramente, quer para mim quer para si, é uma legislatura de excelente memória", disse o primeiro-ministro. Que terminou recordando a Catarina Martins a "excelente memória" da geringonça, pedindo-lhe ainda que "não se afaste" dela.
Num debate em que a pandemia não teve o peso dominador habitual - as principais questões relacionaram-se com a vacinação, com o PCP a insistir para que o Governo compre fora da UE -, o outro grande assunto foi o novo aeroporto de Lisboa. André Silva, do PAN, questionou insistentemente o chefe do Governo porque não admite a hipótese de Beja. "Não faz sentido", disse Costa, recordando que a capital do Baixo Alentejo fica a 129 km de Lisboa. Mais tarde acrescentaria: "Há aeroportos e aeroportos. Se queremos falar de aeroportos principais, não há Beja. As soluções que pusemos em cima da mesa [para uma nova avaliação estratégica ambiental] são as três viáveis que existem [Alcochete, Portela+Montijo e Montijo+Portela]."
Para o primeiro-ministro, resolver este problema continua a ser "urgente" e o novo estudo ambiental pedido - agora contemplando a hipótese Alcochete - é só "mais uma perda de tempo". Por isso, insistiu com os deputados para que a aprovem a proposta de lei do Governo que retira às autarquias poder de veto. O país - insistiu - está "há décadas atrasado", o "aeroporto é urgente" e "não pode ser um município a condicionar o Estado relativamente a isso". Dito de outra forma: "Se a Assembleia da República entender que os municípios podem ter poder de veto, arriscamo-nos não só a não ter aeroporto como a não ter obra nenhuma."
Questionado por André Ventura, do Chega, Costa admitiu também que no próximo ano a idade da reforma pode baixar. "Há uma fórmula que calcula a idade da reforma. Não foi mudada e todos os anos ajusta. Pelas previsões recentes, sobre o desempenho da economia no ano transato, vai ter o efeito inverso no próximo ano (2022), reduzindo-se a idade da reforma."