Constitucional validou e Marcelo vai promulgar a nova lei da droga
Está cada vez mais próxima a oficialização da nova versão da lei da droga, depois de, esta terça-feira, o Tribunal Constitucional ter validado o decreto do Parlamento que descriminaliza as drogas sintéticas e que faz uma nova distinção entre tráfico e consumo. Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que vai promulgar o diploma, embora mantendo ainda algumas chamadas de atenção.
Em causa está o decreto aprovado pela Assembleia da República no passado dia 19 de julho - com os votos a favor do PS, IL, BE, PCP, PAN e Livre, contra do Chega e a abstenção do PSD e de nove deputados socialistas - e que prevê a descriminalização das drogas sintéticas e fazendo a distinção entre consumo e tráfico.
No debate que decorreu no início de julho, PS e PSD justificaram os seus diplomas para a descriminalização de drogas sintéticas com a necessidade de distinguir entre traficantes e consumidores, alertando também para o impacto que estas novas substâncias estão a ter nas regiões autónomas. "Vinte e sete anos depois impõe-se alterar o enquadramento legal por forma a abranger esta nova e dura realidade", justificou a deputada do PSD Sara Madruga da Costa, acrescentando que a distinção entre consumidor e traficante "é fundamental" para combater o fenómeno das drogas sintéticas.
A nova lei da droga estabelece também que deter droga para consumo, independentemente da quantidade, vai deixar de ser crime em Portugal. Até agora, só era estabelecida como uma mera contraordenação se a quantidade não ultrapassasse a dose média considerada como necessária para o consumo, por um período de dez dias. Se o consumidor fosse apanhado com uma quantidade superior era entendido como um crime de consumo.
Com a nova versão fica estabelecido que, se for excedida esta quantidade, "e desde que fique demonstrado que tal aquisição ou detenção se destinam exclusivamente ao consumo próprio, a autoridade judiciária competente determina, consoante a fase do processo, o seu arquivamento, a não pronúncia ou a absolvição e o encaminhamento para uma comissão para a dissuasão da toxicodependência". Uma formulação que, na opinião da deputada socialista Cláudia Santos, pretende "reafirmar a opção feita pela prevenção e pelo tratamento dos consumidores".
A Unidade Operacional de Intervenção de Comportamentos Aditivos e Dependências da Madeira (UCAD) avisou esta terça-feira que o tráfico e a toxicodependência "vão piorar" no país com a promulgação da nova lei da droga, agora validada pelo Tribunal Constitucional. "Se esta lei entrar em vigor, vai aumentar a probabilidade de haver mais traficantes e mais quantidade de droga na rua e não se protege o consumidor", disse Nelson Carvalho, diretor da UCAD-Madeira, sublinhando que a Assembleia da República deve agora avançar com um processo de "fiscalidade preventiva", "caso contrário, não tenho dúvidas que o fenómeno da toxicodependência vai piorar em Portugal".
Este responsável considera que a nova lei da droga vai dificultar a ação das polícias e dos tribunais e, por outro lado, os organismos que operam na área da prevenção vão ter "muito mais trabalho", pois cria "algumas zonas cinzentas", dificultando a diferenciação entre traficante e consumidor face à quantidade de droga em sua posse.
José Goulão, diretor do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), também já havia dito que até agora a situação era clara e que a nova legislação vai criar uma "zona de penumbra". "Se tem menos, vai para o sistema contraordenacional. Se tem mais, vai para o sistema judiciário. E aí há que produzir uma evidência de que há uma atividade de tráfico. Claro que o contrário é bem complicado, porque é evidente que nenhuma pessoa que se dedique à atividade de tráfico o vai assumir claramente, e vai dizer que aquela droga era para seu consumo pessoal. Portanto, há aqui uma zona de penumbra que fica criada por esta legislação e que, do meu ponto de vista, vem complicar o entendimento que tem sido feito", disse.
Marcelo Rebelo de Sousa anunciou esta terça-feira que vai promulgar a lei da droga, "depois de o Tribunal Constitucional ter decidido desatender a posição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, assim esclarecendo uma questão que importava para a aplicação do diploma, procederá à sua promulgação, mal ele lhe seja remetido, o Decreto que clarifica o regime sancionatório relativo à detenção de droga para consumo independentemente da quantidade e estabelece prazos regulares para a atualização das normas regulamentares", pode ler-se no site da Presidência da República.
Apesar da decisão de promulgar, o Presidente chama a "atenção para o facto de a Assembleia da República ter divergido do Governo no ponto sensível da definição da quantidade de droga detida por quem tenha de ser considerado mero consumidor ou efetivo traficante".
com Lusa