Chega esta quarta-feira ao fim a contagem dos votos dos emigrantes e um novo primeiro-ministro deverá ser indigitado pelo Presidente da República, com a Aliança Democrática (AD) a posicionar-se como candidato preferencial. Assim ditam os resultados das eleições de 10 de março, que atribuíram, até agora, 79 mandatos à coligação vencedora, formada pelo PSD, CDS e PPM, mas o líder social-democrata, Luís Montenegro, continua a ser pressionado a abrir as portas da governação a uma direita alargada ao Chega, a terceira força política mais votada, com 48 deputados eleitos, para garantir estabilidade. À direita, esta ideia não é inédita em termos históricos, com o PSD a ter incluído nas suas fileiras governativas vários ministros e secretários de Estado do CDS. No entanto, à esquerda, desde 1976 que não há ministros das forças políticas à esquerda do PS, sendo que os socialistas até chegaram a firmar acordos com CDS e PSD, no passado. A pergunta impõe-se: o que é que aconteceu à esquerda para não ter feito o mesmo exercício para a governação?.A resposta, de acordo com o historiador Manuel Loff, surge também sob a forma de uma pergunta: “Por que é que o Chega insiste tanto em ir para o Governo e o PCP e o Bloco não insistem?”.Neste momento, não há uma maioria de esquerda na Assembleia da República, e este cenário não está no horizonte. No entanto, em 2015, PCP e Bloco de Esquerda (BE), apesar de terem assinado acordos de incidência parlamentar, para garantirem que o PS poderia governar, não houve ministros nem secretários de Estado comunistas nem bloquistas..“Há uma relação com a democracia muito diferente dos dois lados [à esquerda e à direita]. Porque não são dois lados, de forma alguma, igual”, sustenta Manuel Loff, desafiando “quem quer que seja que sustente a tese de que se trata de dois extremos a demonstrar o caráter extremista do PCP e do Bloco de Esquerda”..Deste modo, continua o historiador, “no caso do Chega , não esqueçamos, a maioria dos seus dirigentes é oriunda dos dois partidos da direita clássica, o CDS e o PSD. Para eles é absolutamente essencial ascender a esse poder para cumprirem aspirações pessoais e políticas suas e demonstrar aos eleitores que vale a pena votar Chega. Porque, assim, chegou ao poder e, assim, na retórica e na propaganda do Chega, é o cumprimento da vontade, como eles dizem agora, do povo e dos eleitores”. “Para eles, é essencial, porque é uma questão de legitimação.”.A origem da geringonça.Em 2015, o PS tinha perdido as legislativas, “com 32% dos votos”, continua o professor de História, apontando, com alguma ironia que , naquela altura, “os socialistas decidiram, humildemente, aceitar a colaboração de comunistas, de ‘Os Verdes’ e dos bloquistas, numa convergência política, que produziu vários acordos, todos separados, que são assinados” entre estes partidos, “mas sem nunca produzir - essa era uma das condições dos socialistas - a presença de militantes do Bloco e do PCP dentro do Governo..Posso acrescentar que era uma das condições dos socialistas, mas também foi produto da falta de vontade dos comunistas e dos bloquistas em participar num Governo cujo desenlace, cujo programa final, nem uns nem outros conheciam”..Ainda assim, de acordo com a exigência do Presidente da República da altura, Aníbal Cavaco Silva, foram assinados acordos entre as três forças políticas..“Não cobriam todas as áreas da vida política, mas apenas determinados objetivos”, lembra Manuel Loff. Portanto, o que estava em causa na altura não era pertencer ao Governo mas a vontade mútua de “reverter os cortes feitos em salários e pensões [no tempo da intervenção da troika em Portugal], reverter os cortes feitos em prestações sociais, reverter uma privatização, mas não as outras, que foi a da TAP”..A reversão à direita.No passado dia 10 de março, a AD, ainda sem serem conhecidos os votos dos emigrantes, elegeu 79 deputados. O Chega ficou com 48 e a Iniciativa Liberal manteve o grupo parlamentar de 8 deputados. Entre os 230 lugares previstos no hemiciclo, a maioria escapou à esquerda. E o que traz coesão à direita?.Para Manuel Loff, é muito concreto. “Eles são todos favoráveis à NATO, eles são todos favoráveis à União Europeia, eles são todos favoráveis ao euro, eles não têm dúvidas nenhumas em torno da União Económica e Monetária, todos eles têm uma política que, mesmo que não se assuma nestes termos, classicamente, na análise do pensamento económico, se define como neoliberal”, afirma, advertindo que tudo isto acontece mesmo “que o Chega agora tenha muita retórica social.”.No entanto, à esquerda, há mais linhas vermelhas a dividir o PS do PCP e BE. Exemplo disso é, aponta Manuel Loff, a ausência de vontade dos socialistas em “reverter privatizações como a dos Correios, como a da EDP ou da Portugal Telecom”..“Isto tem a ver com a própria lentidão da esquerda na sua capacidade de se entender”, adianta ao DN o professor e investigador em Ciência Política André Freire, apontando também “um cisma entre as esquerdas, que levou 40 anos a ser superado, em 2015”. “Pelo que vejo agora, os três acordos escritos [entre PCP, BE e PS] deveram-se, em larga medida, à pressão do Presidente Cavaco Silva, porque ainda hoje, e em 2019, de certa maneira, pelo menos foi isso que o Partido Comunista não quis assinar.”.Mas a esquerda também sofreu mudanças desde 2015 e o quadro político está fragmentado de outra forma. “Acho que o Bloco de Esquerda tem feito um trajeto de maior disponibilidade para as soluções da aliança e assim, difusamente, não me chocaria que tivesse ministros no futuro”, continua o politólogo, lembrando que este exercício político não se resume aos partidos tradicionais. “Assim, também o Livre e o PAN”, ainda que este último partido, que só ganhou um mandato, esteja “disponível para apoiar Governos à esquerda e à direita”.