Ciberataques na Defesa. "Alguém devia ser responsabilizado. Mas o costume é assobiar para o lado e abafar"

Serviu o Estado português durante 64 anos, de Salazar a António Costa, passando por José Sócrates e Pedro Passos Coelho. Já depois de reformado como Vice-Almirante da Marinha renovou e reforçou o Gabinete Nacional de Segurança, foi o "pai" do Centro Nacional de Cibersegurança" e terminou a sua carreira como presidente do Conselho de Fiscalização do Segredo de Estado. Com 22 anos, José Torres Sobral foi o mais novo comandante da Armada e esteve na guerra em Angola e Moçambique. Nesta única entrevista de vida que deu, mostra-se apreensivo com os "tempos difíceis" que antevê para as Forças Armadas e desiludido com políticos. Confessa que Gouveia e Melo terá o seu voto se for candidato à Presidência da República.

Nasceu em pleno Estado Novo, em 1942 e com apenas 16 anos entrou para a Escola Naval (1959). Porquê a Marinha?

Foi uma espécie de libertação para mim. Concorri à Marinha com 16 anos. Fui sempre o melhor aluno em todas as escolas por onde passei, com exceção da Escola Naval por não gostar de educação física e de não ter sido da Mocidade Portuguesa.

Nasci em Lisboa, filho de um pai espanhol e de uma mãe norte-americana. Podia ter escolhido qualquer uma destas nacionalidades e quis ser português.

A família do meu pai era dona dos melhores restaurantes de Lisboa vários restaurantes de luxo em Lisboa, como o Gambrinus, o English Bar e o Mónaco.

Nunca o via. Saía muito cedo para fazer as compras para os restaurantes e chegava tarde, depois de fechar e fazer as contas. Era muito exigente e controlador comigo e com o meu irmão.

Só queria que estudasse e tirasse boas notas. Estudei no melhor Liceu, o Camões. Não tinha razão de queixa.

Na primária, fiz logo a primeira e a segunda classe num ano. Quando estava no liceu tinha sempre as melhores notas e o meu pai achou que eu tinha muito tempo e ainda me inscreveu na Alliance Française, para fazer o curso completo de seis anos de francês, vários anos num instituto inglês, além de ter aulas de latim e português com um padre.

A sua vida era só estudar então?

Não fazia mais nada.

Não brincava, nem se divertia como qualquer miúdo?

Não. Acabei o liceu Camões e o francês como melhor aluno. Na Alliance tive direito até a um prémio, 15 dias em Paris.

O meu pai não me deixou ir porque tinha 15 anos. "És muito novo", disse. Fiquei furioso e disse ao meu pai: "o senhor não me deixa ir e eu vou concorrer à Marinha". Sempre gostei muito do mar, de navios e de história. Lia muito.

E foi o que fiz. Aos 16 anos estava a concorrer à Marinha de Guerra. Foi a minha libertação.

E como é que o pai reagiu a isso?

Queria que eu fosse para a Escola Naval espanhola. Não quis. Disse-lhe, a provocar, que não gostava de espanhóis, que em tudo o que lia na história, eles tinham sido sempre maus connosco.

Voltando só um pouco atrás. Disse que não foi da Mocidade Portuguesa. Porquê? Foi por opção?

Sim. Primeiro porque podia, pois era filho de pai estrangeiro e com um requerimento podia ficar dispensado. Depois, porque achava aquilo tudo uma palhaçada sem interesse nenhum.

Conheci alguns dos mais ferrenhos lá no liceu. Aquilo incomodava-me. Mas isso acabou por influenciar as minhas avaliações na Escola Naval, além do facto de estar a competir com alunos que vinham do Colégio Militar e ser filho de pai estrangeiro.

Especializou-se depois em Comunicações. Como eram as comunicações nesse tempo e o que o fez optar por essa especialidade, se é que foi uma escolha sua?

Nunca era escolha nossa. Mas por acaso a que teria escolhido porque estava mais ligada ao combate naval.

Durante o período de Junho de 1965 a Junho de 1967, foi nomeado Comandante das lanchas de fiscalização "VENUS" e "MERCÚRIO" nos teatros de operações em Angola e Moçambique, respetivamente, tendo efetuado inúmeras missões operacionais e de apoio a fuzileiros. Foi a primeira vez que foi a África? Como foi?

Primeiro foi a Vénus, que recebi em Lisboa. Durante dois meses formei a guarnição toda. Quer saber um pormenor? O pessoal da cozinha foi aprender aos restaurantes da família. Ficaram a saber o melhor gourmet e, principalmente, sabiam cozinhar os petiscos que eu gostava mais.

Mas foi a primeira vez que foi a África nestes anos?

Não, fui aos 17 anos a Cabo Verde, numa viagem de formação na Sagres, enquanto cadete.

Em 1965, a Marinha levou a efeito a pouco conhecida "Operação Atum". Objetivo, transportar duas lanchas de fiscalização num percurso de 500 quilómetros por caminho de ferro e 250 quilómetros de picada, até ao Lago Niassa, onde tiveram um papel fundamental para travar os então inimigos da FRELIMO. Foi um episódio singular na sua carreira... Quer partilhar um pouco dessa história? Antes de mais nada, porquê "Operação Atum"?

Sobre o nome não faço ideia. Havia sempre uns nomes estranhos nas operações. Mas foi a que me ensinou mais na vida. De tudo. Tinha 22 anos e comandava a lancha Mercúrio, blindada de 50 toneladas. Fui o comandante mais novo da Marinha. Estive dois anos em combate.

Aprendi a gerir situações complicadas com muita calma e imaginação, tendo noção muito rápida do que está a acontecer e decidir de imediato. Aprendi a ser assim toda a vida.

Aprendi a gerir situações complicadas com muita calma e imaginação, tendo noção muito rápida do que está a acontecer e decidir de imediato. Aprendi a ser assim toda a vida.

Era preciso, como referiu, fazer o transporte das duas lanchas por terra, a minha e de outra igual, comandada pelo Manuel Abecassis. Nos meus cálculos a distância foi um pouco mais do que disse, uns 1200 quilómetros.

As duas lanchas saíram de Lisboa a bordo do navio Beira, a 14 de julho de 1965. Fomos pela costa ocidental até ao cabo da Boa Esperança. Nos primeiros dias de setembro foram postas a flutuar no porto de Nacala (Bengo, Moçambique) e dali para a ilha de Moçambique.

Entretanto os berços (estruturas onde as lanchas iriam assentar para o transporte) foram transportados por via terrestre para o Lumbo, o terminal ferroviário mais perto.

As primeiras tentativas de encalhe das lanchas nos berços não tiveram êxito e as entidades responsáveis pelo transporte, os Caminhos de Ferro de Moçambique, desistiram. O Comando Naval assumiu então a operação que foi aí designada "Atum".

As lanchas foram encaixadas nos berços, transportadas por via ferroviária até Nampula e depois, por via rodoviária, até ao Lago Niassa. Foram quatro meses de experiência única.

Uma autêntica odisseia fazer aquele transporte, em época de chuva, de duas lanchas de 50 toneladas. Muitas vezes não entravam nos túneis, caíram em cima de pontes, atravessaram ribeiros a vau.

Uma autêntica odisseia fazer aquele transporte, em época de chuva, de duas lanchas de 50 toneladas. Muitas vezes não entravam nos túneis, caíram em cima de pontes, atravessaram ribeiros a vau.

Tudo foi improvisado com uma tecnologia muito baixa e muita imaginação. Como tinha um curso de sniper, quando parávamos eu caçava de noite e ainda alimentava muita gente do grupo.

E foram atacados alguma vez?

A guerra forte era mais a norte. Mas tínhamos três pelotões de comandos muito especiais, ali da zona da Guarda. Não usavam armas de fogo, Só facas.

E qual era o objetivo das lanchas no Lago Niassa?

Do ponto de vista estratégico, a introdução daquelas lanchas de fiscalização e combate, constituiu um sério revês para os objetivos dos terroristas da FRELIMO, que era como eram designados na altura.

Estava-se a construir Cabora Bassa e era um alvo para estes combatentes. Com as lanchas em permanente vigilância e, muitas vezes com ataques a posições identificadas, cortou-se as suas capacidades de abastecimento de zonas a sul do lago Niassa, designadamente Tete e Cabora Bassa, atrasando alguns anos os planos de infiltração que tinham.

O terreno era muito acidentado e o lago constituía uma via rápida para o esforço logístico da FRELIMO.

Esteve diretamente envolvido em combates?

Claro. No curso de sniper também aprendi a disparar bazuca (lança-foguete antitanque) e morteiro de 60 mm (lança-granadas ligeiro).

Essas capacidades foram muito úteis nas missões no lago Niassa, principalmente quando envolviam o engenheiro Jorge Jardim, que ficou conhecido como o "OO7" de Salazar.

Fiquei sempre o responsável pelo transporte das missões dele no lago Niassa. Só sabia o que ia fazer quando a lancha largava do porto. Ele era extraordinário, do outro mundo. Fizemos coisas que nem lhe posso contar.

Era o que ia perguntar? Alguma operação especial que possa partilhar?

Prefiro não. Fizemos muita coisa, estávamos em guerra, eram outros tempos. Normalmente estávamos uma semana seguida na lancha.

Íamos para a fronteira norte e ficávamos ao largo com as máquinas paradas, essencialmente a capturar comunicações e, com os radares, detetar os posicionamentos.

Íamos para a fronteira norte e ficávamos ao largo com as máquinas paradas, essencialmente a capturar comunicações e, com os radares, detetar os posicionamentos.

Na primeira missão fomos logo atacados e ripostámos. Foi útil a bazuca e o morteiro de 60, a partir da lancha. Soube que houve muitas baixas do outro lado.

E esses momentos marcaram-no?

Adaptei-me sempre.

Que perceção tinha sobre a situação do país? Sentia a ditadura?

Estava numa situação muito especial, a minha família tinha muito dinheiro. E a política não entrava no nosso dia a dia. Nunca tive problemas com o regime. Cumpria as minhas missões e trabalhava com todo o zelo.

Não. Estava numa situação muito especial, a minha família tinha muito dinheiro. E a política não entrava no nosso dia a dia. Nunca tive problemas com o regime. Cumpria as minhas missões e trabalhava com todo o zelo.

O 25 de abril apanhou-o em Paris, a fazer o curso de Engenheiro hidrográfico na Escola Nacional Superior de Técnicas Avançadas de Paris. Como foram esses dias?

Soube da revolução através de um telefonema de Lisboa, logo às sete da manhã. Fui acompanhando todo o dia. Fiquei a aguardar instruções.

Entretanto, fiquei em Paris e acabei o curso em 1975. Ninguém me disse nada, nem senti qualquer pressão. Regressei a Portugal.

Em determinada altura ainda me chamaram fascista, mas isto apenas porque não alinhava com os revolucionários.

Nunca fui fascista. Quem eram fascistas eram os da Mocidade Portuguesa, onde nunca estive. E houve muitos que eram da extrema-direita e no dia a seguir eram da extrema-esquerda.

Nunca fui fascista. Quem eram fascistas eram os da Mocidade Portuguesa, onde nunca estive. E houve muitos que eram da extrema-direita e no dia a seguir eram da extrema-esquerda.

E eu sabia bem o que eles tinham feito. Estive na guerra com eles. Eu queria era trabalhar. Tinha estado numa escola de elite e aqui sabiam das minhas qualificações. Tive ofertas muito generosas para trabalhar em empresas privadas, na própria França, e não quis.

Escolhi ser português por gostar de Portugal e sempre quis fazer o melhor pelo país. E aqui também perceberam que era um profissional de mérito que poderia ser muito útil. Estive mais de 30 anos no Instituto Hidrográfico nas áreas científicas, levantamento hidrográfico e informática.

Continuou a sua carreira na Marinha em vários cargos de direção e em 1996 era o Chefe da Divisão de Comunicações e Sistemas de Informação do EMGFA. Foi o "pai" do sistema de comunicações militar de alta segurança, o SICOM e trabalhou com o então CEMGA. Almirante Fuzeta da Ponte. Como foram esses tempos sem ciberataques?

Fui das primeiras pessoas nas Forças Armadas a ter acesso à nova era informática e mudei o modo de trabalhar com um rendimento fabuloso. Por exemplo, uma tarefa que demorava uma hora a fazer, passou a ser feita num minuto.

Em 2002, já com com o Governo Durão Barroso / Paulo Portas, é chamado para fundar o Gabinete Nacional de Segurança. Tinha 60 anos, era Almirante, estava na reserva e tinha já dado muito ao serviço público. O que o fez aceitar estar proposta?

Nesse ano, no primeiro Governo de Durão Barroso, estava para ser nomeado para ministro dos Negócios Estrangeiros o doutor Paulo Portas.

O ministro da Defesa proposto tinha-me convidado para Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA).

Só que acabou por ser o Paulo Portas a ir para Ministro, porque o então Presidente da República, Jorge Sampaio, não o queria nos Negócios Estrangeiros.

Paulo Portas tinha outra ideia para CEMA, que viria a ser o Almirante Mendes Cabeçadas. Acredite que fui a Fátima agradecer. Não tenho espírito para esses cargos e o Portas é muito inteligente e sabia-o.

Resultou que Paulo Portas tinha outra ideia para CEMA, que viria a ser o Almirante Mendes Cabeçadas. Acredite que fui a Fátima agradecer. Não tenho espírito para esses cargos e o Portas é muito inteligente e sabia-o.

Fui convidado para um alto cargo na NATO, mas recusei, pois já estava a começar a ter netos e queria estar perto da família. Foi quando surgiu o GNS. Os desafios foram enormes. O que me fez aceitar foi sentir que podia voltar a estar num sítio onde podia melhorar alguma coisa.

O GNS foi uma criação sua, certo? Foi começar de raiz...

O GNS já existia e usava o regimento em vigor. Mas não usava as novas tecnologias. Foi passar da idade média para a era moderna.

Fui eu que adquiri os primeiros equipamentos e sistemas para processar a informação classificada, formei quadros, escolhi os melhores.

Fui eu que adquiri os primeiros equipamentos e sistemas para processar a informação classificada, formei quadros, escolhi os melhores. Toda a segurança informática foi reforçada, criámos linhas seguras no Estado, impus regras e era muitíssimo exigente com tudo e todos.

O que me valeu, de resto, alguns inimigos que achavam que podia haver segurança mais ou menos. Havia quem se preocupasse mais com os "Simplexes" ...

Uma crítica à ex-ministra Maria Manuel Leitão Marques?

Não, não. Ficámos bons amigos, depois de lhe explicar e ela compreender como deviam funcionar as coisas e quais os limites das facilidades "simplexes"...

Mas antes disso, nessas funções houve um momento (2012) no qual teve de impor-se ao poder político. Falo do plano para colocar as redes do Estado em clouds de uma empresa privada. A racionalização dos centros de dados era um dos 25 objetivos da "Estratégia para a Racionalização das Tecnologias de Informação e Comunicação" da administração pública, um plano tutelado pelo então ministro Miguel Relvas. Tanto o GNS como o SIRP vetaram o plano. Nunca falou publicamente do caso, apenas se sabe que o plano foi abortado muito graças à sua intervenção. O que o moveu?

Duas coisas. Primeiro, porque era uma empresa privada que ia acolher os centros de dados do Estado e, na minha formação, há coisas que não são para serem tratadas pelos privados. E os dados do Estado não são certamente.

Há coisas que não são para serem tratadas pelos privados. E os dados do Estado não são certamente.

Em segundo, porque já tinha gasto algum dinheiro a criar toda a segurança do nosso sistema, dinheiro dos contribuintes.

Não fazia qualquer sentido, quando já tinha tudo a funcionar, um centro e comunicações com os mais elevados padrões de segurança, tirarem aquilo dali.

Ainda mais quando o plano era levarem tudo, incluindo os meus funcionários, para o tal centro, a cloud, na Covilhã, e eu depois ainda tinha de lhes pagar o serviço. Nunca poderia permitir uma coisa dessas.

Era o interesse do Estado que ia, claramente, ser prejudicado. Em termos de segurança e de custos. Só se estivesse louco é que aceitaria uma coisa dessas. Foram ao GNS e eu não os deixei entrar.

Era o interesse do Estado que ia, claramente, ser prejudicado. Em termos de segurança e de custos. Só se estivesse louco é que aceitaria uma coisa dessas. Foram ao GNS e eu não os deixei entrar.

Foi pressionado politicamente?

Claro. Na altura pelo responsável por este processo. O próprio Ministro também falou comigo. Mas perceberam que não faziam nada de mim.

Entretanto o plano veio a público...

Foi o fim. Desistiram.

O Centro Nacional de Cibersegurança, que faz parte do GNS, foi também montado por si. É difícil fazer entender o poder político da necessidade de se investir nesta área?

Não foi necessário. Foi o primeiro-ministro Pedro Pedro Passos Coelho que solicitou a minha colaboração na implementação, do zero que existia, de um centro moderno que respondesse aos novos desafios e que, ao longo da existência inicial me deu todo o apoio.

Em que ocasiões sentiu maiores dificuldades? Nunca pensou demitir-se?

O pior momento foi o que acabou por levar à minha saída do GNS, em 2016. Tinha o orçamento sempre muito rigoroso, com investimentos e aquisições a contar com as verbas das nossas receitas.

O Governo PS resolveu começar a cativar verbas e travou tudo. Fiquei de mãos atadas. Disse que assim não continuava.

Nessa altura, havia a intenção de reforçar o CNCS e havia uma série de contratações, de recursos humanos e materiais, acordados. Para manter quadros qualificados no CNCS era preciso pagar mais e isso estava previsto.

O Governo PS resolveu começar a cativar verbas e travou tudo. Fiquei de mãos atadas. Disse que assim não continuava.

Nesta altura a cibesegurança já era uma preocupação. Sentiu que da parte do poder político não havia a sensibilidade desejável para estas matérias?

O que não havia era dinheiro. Ou as prioridades eram sempre outras.

E o Estado português começou a atrasar-se em matéria de cibersegurança?

Claro. Tinham conseguido financiamento de projetos para o desenvolvimento do CNCS, mas com as cativações que já referi, fiquei com os projetos parados.

Claro está que o Governo ficou com essas verbas e nunca as devolveu e, em alguns casos, nem sequer estavam no Orçamento do Estado.

Sentiu diferenças nesta matéria dos governos PS para os do PSD?

Não fez diferença. O problema não é ser PS ou PSD. Isso é igual. Era respeitado pelo meu trabalho.

Sempre os tratei bem, fazia-lhes preleções sobre cibersegurança. Cheguei a ir ao Conselho de Ministros e de Secretários de Estado fazer apresentações.

Houve governantes que mostraram ter interesse e fizeram perguntas que demonstravam que estavam atentos a esta nova atividade: Paulo Portas e Carlos Moedas.

Houve governantes que mostraram ter interesse e fizeram perguntas que demonstravam que estavam atentos a esta nova atividade: Paulo Portas e Carlos Moedas.

Os ciberataques estão na ordem do dia, como sabe. A Defesa, o EMGFA têm sido alvos... Que leitura faz do que está a acontecer?

Tudo aquilo que aconteceu, do que obtive da leitura da comunicação social - e admito que posso não saber tudo - envolve muitas irregularidades nos procedimentos para tratar matéria classificada.

O que está regulamentado não foi cumprido. Terão colocado informação classificada fora das linhas seguras.

No GNS e no CNCS nunca havia exceções à regra de maneira nenhuma, mas depois havia quem dissesse que éramos esquisitos e exagerados.

Cheguei a ter conhecimento que havia pessoas não credenciadas que tinham acesso a documentos classificados. A ter sido assim é inadmissível.

Na área da Defesa?

Sim. É inadmissível. É suposto, pela formação militar que temos, termos cuidados acrescidos nessas matérias.

Mas dada a cada vez maior profissionalização dos grupos de hackers, agentes estatais alguns, não são inevitáveis estes ataques. Afinal têm acontecido um pouco por todo o mundo e em grandes organizações...

Se estes ciberataques foram porque militares não cumpriram regras de segurança isso é muito grave da parte de um militar.

Neste caso, acho que era evitável. Bastava os militares terem cumprido as regras. Se estes ciberataques foram porque militares não cumpriram regras de segurança isso é muito grave da parte de um militar.

Tinham todas as ferramentas. No meu tempo funcionava. Metia-os na ordem. Isto é muito grave.

Eles conhecem perfeitamente, ou pelo menos deviam, as regras das matérias classificadas.

Estes não são tempos normais. Há ameaça clara do russos. Aproveitam todas as fragilidades para entrar nos sistemas e roubar informação.

Estes não são tempos normais. Há ameaça clara do russos. Aproveitam todas as fragilidades para entrar nos sistemas e roubar informação.

E de quem é responsabilidade? Do comando?

Alguém devia ser responsabilizado por isto. Mas o que é costume fazerem é assobiar para o lado e fazer tudo para abafar o assunto e ninguém mais falar. Já ouviu alguém falar no assunto e dizer que medidas estão a ser tomadas?

O que fazer para mitigar o dano à imagem de Portugal e garantir a confiança dos países aliados e das organizações internacionais?

Já olharam para Portugal com respeito, em tempos. Agora creio que não há respeito nenhum. É irrecuperável para a imagem do país.

Já olharam para Portugal com respeito, em tempos. Agora creio que não há respeito nenhum. É irrecuperável para a imagem do país. Ninguém diz isso? É o que eu penso.

Acha que o poder político não leva muito a sério isto da segurança das matérias classificadas?

Acho. Tenho provas disso no último cargo que ocupei, como presidente do Conselho de Fiscalização de Segredo de Estado, na Assembleia da República.

Esse cargo foi um "presente envenenado" para si não foi? Constatou que pouco havia para fiscalizar porque no Estado essa classificação não é tratada como devia ser. Foi isso?

Presidir ao Conselho de Fiscalização do Segredo de Estado foi o pior lugar da minha vida. Os Ministros, que podem classificar as matérias, escondem-nas, classificam e desclassificam sem dizer nada. Não levam a sério o segredo de Estado.

Presidir a este Conselho de Fiscalização foi o pior lugar da minha vida. Os Ministros, que podem classificar as matérias, escondem-nas, classificam e desclassificam sem dizer nada. Não levam a sério o segredo de Estado. Mas aprendi também outra lição de vida, que é mais ou menos o lema do Estado, em geral, hoje em dia: se não se fizer nada, está tudo bem.

Mas como foi a sua adaptação na EFSE? Era alguém com longa experiência em matérias classificadas, mas....

Era tudo novo. Fui proposto à votação em plenário da Assembleia da República e era preciso ter dois terços dos votos.

Todos os partidos votaram a favor do meu nome, exceto o PCP, que se absteve e veio dizer-me que era usual neles terem essa atitude nestas questões e que não tinham nada contra mim.

Preparei um extenso artigo em que descrevia como deveria ser a distribuição dos lugares, o material a adquirir e as capacidades das pessoas a contratar. Quer o material, quer o pessoal ficaram muito abaixo das solicitadas.

Durante os quatro anos previstos para a duração do cargo de presidente esforcei-me por avançar. Não podiam substituir-me uma vez que não encontravam candidatos que conseguissem do dois terços dos votos.

Pediram-me para permanecer no cargo mais dois anos. Eu aceitei na condição de sair quando antes de fazer os 80 anos.

Apesar de todos os problemas, consegui uma forma original de ter um desempenho muito seguro, uma vez que tinha uma zona fechada, com acesso através de uma porta blindada e albergava um cofre de alta segurança as matérias de segredo de Estado.

Não podiam circular na internet e era usada uma viatura com um mensageiro credenciado que transportava a matéria classificada.

E as "suas" Forças Armadas? Como antevê os próximos anos?

Os próximos anos vão ser difíceis nas Forças Armadas.

Porquê?

As Forças Armadas vão ser uma fantochada. Ninguém nos vai respeitar. Veja a Marinha. Estão há 10 anos para construir seis navios patrulha oceânicos.

Porque saem mais militares do que entram. As Forças Armadas vão ser uma fantochada. Ninguém nos vai respeitar. Veja a Marinha. Estão há 10 anos para construir seis navios patrulha oceânicos.

Enquanto isso já abateram as fragatas, 10 corvetas e 15 patrulhas pequenos. Tudo isso foi substituído por quatro patrulhas.

A Lei de Programação Militar não funciona. Pede-se uma coisa, é aprovada e depois no fim do ano cancela-se. Nunca é cumprida a tempo. Antevejo um futuro sombrio.

E de quem é a responsabilidade?

Dos Governos.

E os Chefes militares?

Os Chefes são nomeados para agradarem aos Ministros e agora o CEMFA até tem poderes como nunca teve.

E isso não ajuda as Forças Armadas?

Quem se devia preocupar com a situação, preocupa-se é em preparar o seu futuro pessoal com trabalhos bem remunerados fora das Forças Armadas.

Não. Já se percebeu que as promessas não valem nada. Quem se devia preocupar com a situação, preocupa-se é em preparar o seu futuro pessoal com trabalhos bem remunerados fora das Forças Armadas. O nível de pessoas que saem para fazer coisas fora é muito maior do que o dos que entra.

E o que sente em relação a isto uma pessoa que fez toda a sua vida nas Forças Armadas?

Que, se calhar, fiz mal em escolher ser português. As vantagens que eu via foram suplantadas por muitas desilusões. Mas também ninguém me diga que, por exemplo, em Espanha, é melhor. É pior.

Mas, por exemplo, não acha que a imagem das Forças Armadas saiu reforçada com a liderança do almirante Gouveia e Melo, hoje CEMA, na Task Force da vacinação contra a covid-19?

Gouveia e Melo estava preparado. Já tinha as bases para aquele lugar (Task Force da vacinação contra a covid-19)e vontade de trabalhar. Mostrando que é possível nos que se interessam poder mostrar, em poucos dias, uma nova organização, com provas dadas. Devo dizer que, caso, como tem sido falado, ele concorra a Presidente da República, terá o meu voto.

Porque, enquanto Oficial da Marinha, Gouveia e Melo estava preparado. Já tinha as bases para aquele lugar e vontade de trabalhar. Mostrando que é possível nos que se interessam poder mostrar, em poucos dias, uma nova organização, com provas dadas. Devo dizer que, caso, como tem sido falado, o Almirante Gouveia e Melo concorra a Presidente da República, terá o meu voto.

No atual contexto de guerra na Europa, que decorre da invasão da Ucrânia pela Rússia, quais deviam ser as prioridade das Forças Armadas?

Investir no equipamento e na formação do pessoal. E, sobretudo, não enviar armas caducas que são tão velhas quanto as que as forças russas nos têm mostraram.

Mas Portugal corre o risco de não ter Forças Armadas à altura dos novos desafios?

Já não está. E vai piorar. Neste momento o pessoal e o material estão em declínio. Repare que mandámos de ajuda para a Ucrânia uns tanques que eram o último grito dos americanos há 40 anos.

Aos 80 anos, celebrados esta semana, a 6 de outubro, que sentimentos mais lhe suscitam o país atualmente? Mais amargura? Orgulho?

Depende. Gosto muito de algumas singularidades do povo português, nas quais me revejo, como a capacidade de adaptação de improvisar em situações complicadas. São determinados. Pena que os políticos, em geral, não vejam as coisas assim.

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