CDU apela ao crescimento para obrigar PS a entender-se com a esquerda
Entre as quase 100 páginas do programa eleitoral da CDU (coligação pré-eleitoral entre PCP e o Partido Ecologista “Os Verdes”), dedicadas à ideia de alternativa política , com propostas como o aumento do salário mínimo nacional para 1000 euros, ainda durante 2024, os dedos apontados ao PS não passam despercebidos no documento. Começando pela demissão do primeiro-ministro, António Costa, “precipitada a partir da investigação judicial em torno da Operação Influencer”, o documento critica os efeitos da “política de direita de anteriores Governos PS e PSD/CDS” que não responderam “aos problemas do povo e do País” e tiveram como resultado o “favorecimento dos interesses dos grupos económicos”, que para os comunistas foi a razão principal para a queda do Governo.
“A principal questão que está colocada nas próximas eleições legislativas é a de, com o reforço do PCP e da CDU, romper com a política de direita e abrir caminho a uma política alternativa e a uma alternativa política capazes de assegurar as soluções de que o País precisa”, refere o programa ontem apresentado.
Depois do antigo líder do CDS Paulo Portas, no passado domingo, durante a sua intervenção na mais recente convenção da Aliança Democrática (AD), ter elegido a “geringonça 2.0” como a “ameaça” que o país enfrenta com a vitória da esquerda, o programa do PCP pode estar a afastar possíveis entendimentos com o PS, tal como o partido se assume, mas sem afastar uma união futura, caso haja convergência de ideias. No entanto, várias vezes evocada no programa, a cisão com o PS parece estar mais evidente. Na sequência do acordo de incidência parlamentar que o PCP assumiu com o BE e com o PS em 2015, que terminaria em 2019, o programa dos comunistas insiste que a saída de António Costa ficou a dever-se a “opções de política de direita que o PS nunca abandonou, agravadas com a maioria absoluta obtida em 2022 após a provocação de eleições antecipadas a pretexto do chumbo do Orçamento do Estado”, em 2021.
“Os Governos PS e PSD/CDS acumularam um largo e profundo conjunto de problemas estruturais e défices estratégicos no país - produtivo, energético e demográfico”, sustenta o documento, acrescentando a esta lista “problemas e défices que exigem uma rutura com as suas políticas que estão na base das dificuldades, impasses e estrangulamentos nas mais diversas áreas e setores da sociedade e da economia portuguesas, que exigem outra política e o longo prazo para os colmatar e vencer. As promessas para a sua resolução que vão sendo anunciadas por PS e PSD, em absoluto contraste com tudo o que antes fizeram, são um evidente e enorme logro.”
É neste contexto que o programa expõe a proposta dos dois partidos e apela ao voto na CDU, com o objetivo de “romper com a política de direita, construir uma alternativa patriótica e de esquerda e dar combate às forças reacionárias e antidemocráticas”.
Para alcançar estas metas, o programa da CDU começa por identificar os problemas, como “os baixos salários, reformas e pensões, a insistência do Governo e do grande patronato em recusar os aumentos de salários que reponham e elevem o poder de compra, o continuado aumento do custo de vida, o brutal agravamento dos valores das rendas e das prestações dos empréstimos à habitação, a degradação dos serviços públicos, em particular do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas também da Escola Pública, o insuficiente investimento público, são problemas que afetam a vida de milhões de portugueses e que contrastam com a propaganda de alegados sucessos económicos em que o Governo insiste, tentando ocultar as responsabilidades próprias na degradação da vida dos trabalhadores e do povo decorrentes das suas opções”. Para barrar a passagem a esta tendência, a CDU propôs ontem aquilo que Paulo Raimundo considerou ser “um programa justo, necessário e urgente”, assente em opções “pelo investimento nos serviços públicos, nas funções sociais do Estado, na saúde, na habitação, na educação, na ciência e na cultura”, para além da aposta no trabalho”, nos salários e nos “direitos dos trabalhadores”.
Para além de propor “a revogação das normas gravosas do Código do Trabalho e da Lei do Trabalho em Funções Públicas, atinentes à limitação do direito de contratação coletiva, à desregulação dos horários de trabalho, aos despedimentos coletivos e extinção de postos de trabalho sem qualquer controlo”, o PCP pretende reforçar o papel da Autoridade para as Condições de Trabalho. Para isso, a proposta do partido passa por aumentar, ainda este ano, “os meios humanos da ACT com mais 200 inspetores e 200 técnicos superiores”, para além de “atribuir competência à ACT para converter em contratos sem termo os contratos precários celebrados em violação das normas legais e contratuais”.
No que diz respeito à “ação fiscalizadora da ACT, conferir força executiva às suas decisões condenatórias, seja para prevenir o abuso e ilegalidade na utilização de medidas de emprego, seja para combater o trabalho temporário, não declarado e subdeclarado, seja para reprimir o trabalho ilegal, clandestino e as redes que exploram trabalhadores imigrantes”.
Com extensas medidas que defendem os direitos dos trabalhadores, o PCP também vem propor uma “redução do horário de trabalho, fixando como máximo as 35 horas semanais para todos os trabalhadores, (prosseguindo a redução para quem já esteja nesse nível), sem perda de remuneração nem de outros direitos”, assim como “a consagração, no imediato, dos 25 dias úteis de férias para todos os trabalhadores”.
A acrescentar a estas propostas, a proposta dos comunistas considera que se impõe “a necessidade de avançar para o salário mínimo nacional de 1000 euros em 2024, prosseguir a sua valorização nos próximos anos e concretizar uma trajetória de aproximação à média da Zona Euro”, seguindo precisamente o mesmo exercício de valorização para o salário médio, de forma proporcional.
Com o argumento de “elevar a qualidade de vida”, o programa da CDU dedica um capítulo ao investimento nos serviços públicos, que na perspetiva dos dois partidos não é mais do que “cumprir as funções sociais do Estado”. Assim, para que se concretize este ponto, o documento começa por destacar que “a situação do SNS agravou-se significativamente durante os últimos anos”, considerando que “o Governo PS prosseguiu obstinadamente uma política de agravamento da carga laboral e das condições de trabalho dos profissionais de saúde do SNS, o que incentivou o afastamento de muitos deles e desincentivou a entrada de outros”. Entre as largas dezenas de medidas apresentadas pela CDU para responder ao problema o documento começa por defender a devolução do “SNS como serviço universal, geral e gratuito, garantindo a gestão pública de todas as suas unidades”, na mesma medida em que pretende “garantir médico e enfermeiro de família a toda a população”.
Adicionalmente, o programa refere que é fundamental “reforçar os cuidados primários de saúde assegurando um maior número de profissionais, reforçando a rede de unidades, reabrindo centros de saúde e extensões de saúde encerradas, integrando meios complementares de diagnóstico e terapêutica menos complexos, garantindo uma rede de urgências básicas ou atendimentos permanentes que permita uma rápida acessibilidade à população de todos os concelhos do País”.
Para a comunicação social, com o objetivo de “defender o regime democrático” o programa da CDU propõe “medidas para travar a concentração monopolista e o comando multinacional dos media”, o reforço da “capacidade dos organismos públicos de regulação do setor” e, de forma inédita, “um jornal diário de propriedade pública, seja através da criação de um novo título ou através do regresso para a esfera pública de títulos que foram alvo de processos de privatização, que contribua para o rigor, o pluralismo e a valorização da língua, da cultura e da coesão social e territorial”.