Catarina Martins acusa Rio de normalizar Ventura
O debate entre Rui Rio e Catarina Martins começou com o fantasma de André Ventura sobre a mesa e com o presidente do PSD perante a necessidade de se explicar face a um tema que o tinha deixado fragilizado no frente-a-frente com o líder do Chega: a questão da prisão perpétua, que António Costa não deixou passar em branco nos dias seguintes. Rio explicou que não, não defende a prisão perpétua sob alguma circunstância, mas acabou acusado de "tentar normalizar a selvajaria que a extrema-direita defende".
No resto do debate, ficaram bem definidas as diferenças ideológicas em matérias diversas, desde a economia às políticas sociais, passando pelo Serviço Nacional de Saúde. E mesmo quando Rio tentou mostrar que as opiniões de ambos não são assim tão divergentes em alguns pontos, como na visão para a saúde, a coordenadora do Bloco de Esquerda recusou de pronto: "Vi muitas propostas de Rui Rio a reforçar o privado e nenhuma a reforçar o público."
No início, contudo, foi Ventura (ou a suposta recetividade de Rio à proposta de prisão perpétua do Chega) a dominar o debate. "O que ficou claro no debate com o Chega foi que eu sou contra a prisão perpétua, mas também ficou claro que o que o dr. Ventura defende não é exatamente a prisão perpétua, mas um regime misto", começou por dizer Rio, antes de, perante a insistência da moderadora, Clara de Sousa, garantir que é "contra a prisão perpétua, é claro". O presidente do PSD acrescentou ainda que o "problema" da Justiça em Portugal "não é a dimensão das penas". "As pessoas queixam-se é que não há julgamentos nem sentenças finais, não da duração das penas", disse.
Apesar da tentativa de esclarecimento de Rio, Catarina Martins não deixou de aproveitar o tema para sublinhar que o "Código penal não vai ser mudado, não haverá maioria para isso" no parlamento. E para atacar então o líder do PSD por aquilo que considerou a "preocupante" tendência de Rio para tentar "normalizar a selvajaria que defende a extrema direita".
Deixado Ventura e a prisão perpétua para trás, Rio e Catarina entraram no debate ideológico sobre o que os separa. A começar pela economia, que o líder social-democrata defendeu ter de ser reanimada "pelo lado da oferta e não da procura". "Temos de dar condições às empresas para criar valor", sublinhou, para ouvir Catarina Martins contrapor com o currículo da geringonça entre 2015-2019: "Foi o período em que Portugal mais cresceu desde a entrada no euro e aquele em que mais dívida abateu".
As diferenças continuaram com o tema do salário mínimo nacional, cuja subida, sublinhou a coordenadora do BE, "criou mais empregos, mais salários, mais economia". "Não acreditamos que país deva ser uma gigantesca Odemira, de trabalho precário e salários baixos", acrescentou. Para Rio, "o salário mínimo nacional, para não ser nocivo à economia, tem de ser coerente com a economia. O que isto provocou foi aproximação do salário médio ao salário mínimo. E isso é que convida à emigração. Temos de ter economia robusta, investimento, exportação e aí criamos bons salários. Pagar à medida que a economia o suporta. Se não temos o efeito contrário", contrapôs. A diferença, disse, é que "Catarina Marins quer acabar com os ricos, eu quero acabar com os pobres".
Em matérias de Saúde, Rio defende que as parcerias público-privadas são úteis sempre que permitirem ao Estado poupar. "Precisamos de chamar setor privado e setor social, não para privatizar saúde, mas para complementar o que SNS não tem sido capaz de fazer", disse.
Catarina Martins acusou-o de "querer aproveitar crise pandémica para que a Saúde possa ser um negócio. Quer entregar o São João ao grupo Mello? Aos chineses?". "Vai ser preciso mais dinheiro público na saúde e é natural que assim seja. É o melhor investimento que o Estado pode fazer para o seu futuro", frisou a coordenadora do BE. "Depois de tudo o que passámos na pandemia, em que o SNS nos salvou, este é o momento não de dar o negócio aos privados, mas de reforçar o que nos salvou", acrescentou.
Rio contrapôs com um número: "Há 4 milhoes de portugueses que pagam seguro. E porquê? Porque não têm confiança no SNS. Então o país gasta o que gasta no SNS e os portugueses sentem necessidade de ter seguro?", questionou o líder do PSD, que já criticara o facto de Portugal gastar "mais do que a média europeia na Saúde" e ter "uma prestação de serviços muito pior do que essa média". "O que eu defendo é: se os priovados ganharem mas o Estado também, é um bom negócio. Não quero entregar a carne e ficar com ossos e pele", reforçou.
E o frente-a-frente acabou no mesmo tom, antagónico, sobre a Segurança Social. O líder do PSD defendeu "que a base da SS tem de ser pública", mas abriu a porta a um sistema misto. "Se privatizassemos por completo a SS colocávamos fundos de pensões na bolsa. Isso é um risco. Outra coisa diferente é ter um sistema misto, com base pública complementada com uma parte de capitalização", disse.
Ideia rejeitada, claro está, pela líder bloquista. "É incompreensivel que reconheça que colocar dinheiro na bolsa é um perigo e depois defenda que pessoas colocquem uma parte do dinheiro lá."
Catarina Martins defende outras opções, como o chamado imposto Mortágua, sobre património imobiliário de luxo, "que deu 477 milhões de euros à Segurança Social". "Bem sei que no seu programa de 2019 queria acabar com esta taxa, mas o BE quer proteger pensões. Se há coisa em que o Bloco provou que é possível fazer melhor é na Segurança Social."