Casimiro Morgado: “Invoca-se sempre o nosso passado traumático para não dar à intelligence a relevância que ela merece”
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Casimiro Morgado: “Invoca-se sempre o nosso passado traumático para não dar à intelligence a relevância que ela merece”

A completar cinco anos de mandato como diretor do "EU Intelligence and Situation Centre", Casimiro Morgado, português que dirigiu as “secretas” europeias, está de regresso a Portugal. Numa rara entrevista à Associação de Auditores de Defesa Nacional, faz um balanço e deixa a sua avaliação.
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"Apesar de, progressivamente, ao longo dos anos ter podido constatar que as informações ganharam mais relevância no apoio ao processo de decisão política, ainda, em muitos aspetos, estamos longe do que se passa ao nível dos Estados-membros da União Europeia (UE)”, assinala o diretor do EU Intelligence and Situation Centre (EU-INTCEN), o português Casimiro Morgado, referindo-se a Portugal.

Numa rara e exclusiva entrevista à Associação de Auditores dos Cursos de Defesa Nacional (AACDN), a que o DN teve acesso em primeira mão, o antigo diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), lamenta que continue a ser invocado “o nosso passado traumático para não dar a relevância à intelligence  que ela merece como instrumento fundamental dos Estados de Direito Democrático”. Outros países com idênticas experiências”, sublinha, “reconheceram já quão relevantes as informações são e dotaram os respetivos Serviços dos meios necessários para enfrentar as ameaças atuais, mais desafiantes e sofisticadas do que nunca”.

Na entrevista conduzida pelo diretor da AACDN, António Brás Monteiro, Casimiro Morgado - cujo nome tem sido um dos apontados no setor para ocupar dois cargos de relevo: o de secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), de onde vai, até janeiro, sair a embaixadora Graça-Mira Gomes; e o de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, vago desde a saída do embaixador Paulo Vizeu Pinheiro, no passado dia 22 - destaca que, “com papel relevante para as mais recentes crises, como a invasão da Ucrânia pela Rússia, nos últimos anos a intelligence  ganhou uma importância nunca vista no apoio ao processo de tomada de decisão da UE”.

Este Centro de Inteligência e de Situação da UE, que faz parte do Serviço Europeu de Ação Externa, não tem capacidades operacionais, nem espiões próprios. “Produz inteligência estratégica e não tático-operacional”, explica Morgado.

O Centro tem, ainda assim, uma Divisão de Fontes Abertas que este dirigente classifica como “muito relevante e que tem por função essencial apoiar a Divisão de Análise”, bem como tem acesso às imagens recolhidas pelo Centro de Satélites da UE, “que são fundamentais e muitas vezes mesmo determinantes para a produção de intelligence”.

Por isso este Centro, tal como a sua contraparte militar, depende “quase exclusivamente das contribuições dos Serviços dos Estados-membros. Digo quase exclusivamente, pois começa a ser mais frequente a partilha, não ainda muito relevante, de intel por outros Estados parceiros da UE, em especial no que toca a crises cuja resposta exige muitas vezes posições comuns ou pelo menos concertadas”.

Reforço da intelligence europeia

Nesta entrevista à AACDN, Casimiro Morgado salienta que “está em desenvolvimento o processo de reforço do Single Intelligence Analysis Capacity (SIAC), a concluir até 2025, compromisso assumido no âmbito da Bússola Estratégica para a Segurança e Defesa, aprovada em 21 de março de 2022”.

Explica que “a ideia subjacente” a este reforço “é criar as condições para que o papel das entidades que produzem intel  na UE seja cada vez mais semelhante ao dos Serviços dos Estados-membros, não ao nível das competências, mas ao nível dos meios e das estruturas que permitam agilizar o relacionamento intra-institucional e com os Serviços dos Estados-membros”.

Morgado espera, que este processo permita ao Centro de Inteligência e à sua contraparte militar “estabelecer a estrutura interna, com o respetivo reforço de meios, que permita desempenhar de forma cada vez mais eficiente a sua missão, sobretudo tendo em conta os desafios atuais e futuros”.

O diretor dos serviços de informações da UE revela que, durante os cinco anos que esteve em funções, “muitas vezes” foi confrontado, por parte de “relevantes” decisores, com a seguinte afirmação: “A UE é um ator global que necessita de intelligence  para melhor tomar as suas decisões. Se os Estados-membros não estão disponíveis para partilhar a sua intel  é obrigação da UE criar os mecanismos necessários para suprir essa necessidade”.

Casimiro Morgado licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa e foi professor na Universidade Lusíada, no Porto. Foi diretor regional do Serviço de Informações de Segurança (SIS), no Porto, chefe de gabinete de Júlio Pereira, antigo secretário-geral do SIRP, e sucedeu a Jorge Silva Carvalho como diretor-geral do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED). Concorreu ao atual cargo onde esteve desde setembro de 2019.

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