Carla Castelo. "Oeiras é exemplo do que não pode ser o caminho. Parece que estamos nos anos 80 do século passado"
Rosto da associação cívica Evoluir Oeiras reuniu numa coligação o BE, o Livre e o Volt. Contra o que diz ser a lógica de "rei-sol" de Isaltino Morais e um modelo "decrépito" de "mais construção e mais betão", Carla Castelo propõe um Pacto Verde para o concelho.
Nome conhecido do pequeno ecrã, onde acompanhou a área do ambiente durante quase três décadas como jornalista, Carla Castelo é agora candidata à Câmara de Oeiras. Contra a política do "betão" do atual presidente e recandidato, Isaltino Morais, quer uma agenda verde para o concelho, melhores transportes públicos e serviços de proximidade. Promete ser uma voz audível no executivo - nunca em aliança com Isaltino - ou na oposição, num concelho em que diz faltar transparência.
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Foi jornalista durante quase 30 anos. O que é que a levou agora a dar este passo?
Decidi deixar o jornalismo para me dedicar a um doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável e, num prazo de quatro, cinco anos, dedicar-me ao ativismo social e ambiental numa organização não-governamental ou num organismo internacional. Era o que pensava fazer quando saí da SIC. Entretanto, comecei a falar com amigos que vivem em Oeiras sobre muitas coisas que consideramos que não estão bem... O que Isaltino Morais defende com unhas e dentes é um modelo de mais betão, mais construção, mais alcatrão, e nós defendemos um modelo de desenvolvimento diferente, aquilo a que chamamos um pacto com as pessoas, com a promoção da igualdade, com a transparência - esta câmara, infelizmente, tem procedimentos muito opacos. E um Pacto Verde, pois queremos uma agenda verde para o século XXI. Neste concelho, parece que ainda estamos nos anos 80 do século passado. Oeiras é um exemplo daquilo que não pode ser o caminho. É preciso mudar.
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Começou por manifestar a sua disponibilidade - e a da associação Evoluir Oeiras - para avançar e depois disso foram falar com os partidos. Porquê?
Porque achámos que para enfrentar com um mínimo de sucesso um adversário que é muito forte - há 35 anos que Isaltino Morais está à frente da câmara, ou ele ou os seus seguidores - era importante ter uma coligação o mais ampla possível de partidos democráticos. Para demonstrar essa abertura a algo novo, falámos com sete partidos...
Quais, além dos três que a apoiam, BE, Livre e Volt?
Falámos com o PS, o PAN, o PCP e o PEV e com os três que aceitaram. Mas todos os outros com quem falámos, para nós, não são adversários. São potenciais aliados para políticas que se impõem neste concelho. Para nós há um único adversário, que é Isaltino Morais.
E os partidos de direita?
Para nós, o Chega não é um partido democrático, não estava no nosso horizonte; o IL tem uma visão extremamente neoliberal na economia, quem manda é o mercado, o que nos põe sérias reservas sobre se a preservação do ambiente é uma preocupação. O PSD, ainda que não vá nas listas de Isaltino Morais, tem estado sempre de alguma forma coligado com Isaltino, por isso não é oposição. Restava o CDS, e seria uma coligação de alguma forma impossível, com o Bloco de Esquerda. Ainda que no nosso movimento, que entretanto se constituiu como associação, tenhamos pessoas que são democratas-cristãos, sociais-democratas...
O que impossibilitou o acordo com o PS, o PCP/PEV e o PAN?
O PS, na altura, já tinha um candidato escolhido. O PCP e o PEV disseram-nos que preferiam concorre com a CDU, a sua coligação de sempre. O PAN disse-nos apenas que na direção nacional não ganhou essa proposta [de coligação].
Os candidatos independentes têm muitas vezes um discurso antipartidos. Não é o seu caso...
De todo. O nosso movimento valoriza muito a importância dos partidos, são pilares fundamentais da democracia. Aquele discurso de que os partidos são ninhos de compadrio, todos querem tachos, são corruptos, para mim é um discurso pernicioso. E falso: há pessoas nos partidos extremamente válidas e competentes e que dão o melhor de si à causa pública. Não nos identificamos com esse discurso antipartidos, que muitas vezes é usado por pessoas, nomeadamente da extrema-direita, para rotular todos os outros de corruptos, "tachistas"...
Como é que se explica a longevidade de Isaltino Morais à frente da Câmara de Oeiras?
Há várias linhas de explicação. Uma tem a ver com uma máquina de propaganda: Isaltino Morais consegue passar uma ideia de que tudo o que existe de bom em Oeiras tem a ver com ele. E que não há nada de mau, o que é um mito urbano. Há muitas desigualdades em Oeiras. Aquela história do autarca modelo foi uma expressão que ficou, que é replicada... A própria câmara está sempre a falar na visão, na liderança de Isaltino. Esta lógica do "rei-sol" que tem os seus súbditos que o aplaudem e dizem que está tudo bem tem sido a lógica do apoio do PSD a Isaltino... Se vir uma reunião da Assembleia Municipal, como a maioria dos deputados são pró-Isaltino - foram eleitos pelo INOV, ou pelo IOMAV, o movimento do Paulo Vistas, os do PSD também - estão sempre a repetir essa ideia de que tudo o que está a ser feito é muito bom... É uma lógica de coro, do autoelogio. A nossa é uma lógica de cidadania, de cidadãos informados, conscientes e com pensamento crítico.
E o que é que defendem de diferente para Oeiras?
Uma Agenda Verde, que tem de ter em conta o momento que vivemos, que é de crise global do ambiente, de crise climática. Em Oeiras não tem sido feito nada para nos adaptarmos nem para mitigar a emissão de gases com efeitos de estufa. O executivo põe nas Grandes Opções do Plano e no orçamento da câmara 10 euros para medidas de redução da pegada carbónica. Dez euros! De adaptação, mais 10 euros! Qual é a lógica disto? A câmara adquiriu um estudo à Faculdade de Ciências, que já foi entregue há dois anos, de adaptação às alterações climáticas em Oeiras. Foi colocado na gaveta. Todos os oeirenses pagaram esse estudo, têm direito a conhecê-lo. Queremos uma economia que valorize os empregos verdes. Há muita economia que pode ser gerada com a requalificação urbana, com o conforto térmico dos edifícios, com as energias renováveis e a eficiência energética, com uma agricultura de proximidade. Esta é a boa economia, não mais betão, mais construção, mais alcatrão, mais carros. Temos de reduzir o tráfego automóvel e privilegiar os transportes públicos e a mobilidade ativa.
O metro de superfície é uma boa solução?
É muito bem-vindo. Aliás, aquilo que deveria ter sido feito no tempo do SATU era um metro ligeiro de superfície entre Paço de Arcos e o Cacém, e não uma obra que foi ruinosa, que nunca serviu ninguém. E Isaltino Morais agora quer prolongar a mesma ideia, que já se revelou errada, até ao Tagus Park. Defendemos o transporte público, mas que seja racional e faça sentido. O metro ligeiro de superfície é bem-vindo desde que o trajeto seja bem escolhido, fazê-lo para servir o projeto Porto Cruz, como era a ideia inicialmente, não nos satisfaz... É um trajeto que vai cortar a meio o complexo desportivo do Jamor. É muito importante termos transporte público de qualidade, fiável, que cumpra horários.
Oeiras tem cinco freguesias muito diferentes, vai da serra ao litoral...
Isaltino Morais acha que o município de Oeiras tem de ser uma cidade, portanto vai de construir por todo o lado. Nós valorizamos muito o campo e as freguesias rurais, têm todo o sentido e faz todo o sentido mantê-las, não temos de transformar tudo em cidade. Temos que dar condições às pessoas que vivem nos meios mais afastados do litoral de se poderem deslocar e terem nas suas terras serviços de proximidade, que é o que falta muitas vezes: transporte público e serviços de proximidade. Temos que manter as características rurais daquilo que é rural, incentivar que haja economia nessas áreas, incentivar a produção agrícola de proximidade. Às vezes são coisas tão simples como saber a que horas vem o autocarro: num concelho que se diz tão tecnológico, não temos coisas básicas, como isto. Outro exemplo: passeios. Em Barcarena não há um passeio para as pessoas irem até Queijas, que é uma localidade com mais comércio e serviços. Fica a 15 minutos a pé, mas depois o percurso é uma estrada perigosa, com uma berma perigosa. Se se fizesse um trajeto pedonal, as pessoas ganhavam ali muita qualidade de vida.
Falou nas empresas tecnológicas, que têm sido uma bandeira de Isaltino. Quais são os vossos planos?
A economia é muito importante, temos é que apostar num novo modelo económico. A nossa lógica vai ser muito de Pacto Verde, vamos abordar as grandes empresas para termos um fundo de responsabilidade ambiental que permita investir mais no transporte público e na redução dos consumos energéticos. Acreditamos que falando com as empresas, fazendo este apelo, teremos todos a ganhar como comunidade. E também as empresas.
Admite ficar numa vereação com o pelouro, por exemplo, do ambiente num executivo de Isaltino?
Não aceitamos pelouros de Isaltino Morais, é um ponto de honra. Não faria sentido aceitar um pelouro num executivo que tem um programa que representa tudo aquilo que contestamos. Não vamos estar com uma agenda decrépita dos anos 80 quando queremos fazer a nossa agenda, que é a agenda do futuro e da justiça intergeracional. Defenderemos o nosso programa ou na liderança da câmara ou na câmara, mas na oposição. E na oposição é possível fazer um trabalho importante. Muitas vezes as pessoas têm a ideia falsa de que um vereador sem pelouro não faz nada. Não, pode fazer muito.
Mesmo perante uma maioria absoluta?
O que podem fazer é ter muita atenção, um escrutínio muito atento do que é feito, e votarem contra o que são propostas ruinosas. Também é obrigação de um vereador na oposição dar informação aos cidadãos sobre aquilo que está a ser feito. Tem faltado muito em Oeiras uma oposição atuante e audível. A oposição tem que vir cá para fora dizer aos cidadãos aquilo que está a ser feito na câmara contra o interesse público. Temos tido má despesa pública em Oeiras, obras despesistas sem sentido nenhum, dos obeliscos ao V por todo o lado, à propaganda eleitoral que é feita ao longo de todo o mandato.
São contra o projeto de Isaltino para o Vale do Jamor?
Sim, contestamos o projeto de Porto Cruz, defendemos que o complexo desportivo do Jamor se possa estender até ao Tejo com estruturas de apoio a desportos náuticos, por exemplo. Nunca construções pesadas numa zona que é de leito de cheias, de galgamento costeiro. Temos que ter ali um espaço para usufruto da população, para estarem em contacto com o Jamor e com o Tejo, e não grandes torres e mais betão.
E o que é que defendem para a serra de Carnaxide?
A florestação daquilo que resta da serra, que tem vindo a ser comida pela construção. Isaltino Morais quer fazer aquilo a que chama eufemisticamente mais equipamentos na serra de Carnaxide: um hotel e mais uma série de construções. O que defendemos é que se pare imediatamente com as construções, um projeto para florestar a serra com 400 mil arbustos e árvores autóctones. Queremos que a serra de Carnaxide seja o verdadeiro pulmão de Oeiras, uma espécie de pequeno "Monsanto" de Oeiras.
susete.francisco@dn.pt
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