O eurodeputado eleito pelo PS tem 27 anos, é natural de Braga e, desde 2022, lidera a União Internacional de Juventudes Socialistas.
O eurodeputado eleito pelo PS tem 27 anos, é natural de Braga e, desde 2022, lidera a União Internacional de Juventudes Socialistas.Álvaro Isidoro / Global Imagens

Bruno Gonçalves: “Espero que o Parlamento responda ao populismo com uma democracia mais forte”

O mais jovem dos 21 eurodeputados portugueses olha para o que se avizinha, estabelece prioridades e já fala sobre uma eventual liderança de António Costa no Conselho Europeu que, diz, seria boa para Portugal e para a UE.
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É o mais novo dos 21 eurodeputados portugueses, com 27 anos. Como se prepara uma mudança de vida deste género, com esta idade?
No fundo, é uma continuação das responsabilidades políticas internacionais que exercia de outro modo ou, pelo menos, contribuindo de uma outra forma. Primeiro, merecendo a confiança dos portugueses e, segundo, representando Portugal da melhor forma possível. Creio que a minha preparação política e profissional diz muito bem isso. Disse várias vezes ao longo da campanha, e tenho dito ao longo dos últimos anos, que temos uma geração muito bem preparada para os desafios técnico-profissionais e políticos. E acho que, nesse âmbito, precisamos de mais jovens a participar, a contribuir ativamente. Essa é a grande responsabilidade que agora tenho, que já tinha, e que acho que todos temos enquanto atores coletivos. Estas eleições demonstraram um grau de confiança dos portugueses para com o PS, que o partido tem de saber interpretar com humildade, com gratidão e, sobretudo, com muito trabalho. A responsabilidade é diretamente proporcional ao trabalho que queremos fazer. Alinhámos as estratégias e as prioridades de uma forma muito clara para as eleições europeias e, agora,  procuraremos responder-lhes, tanto em Bruxelas como em Portugal, onde cada um terá responsabilidades acrescidas.

Sendo um jovem eurodeputado, quais são as principais prioridades para o seu mandato?
São amplas. Acho que a primeira é a da institucionalidade. Garantir que a UE continua a avançar e a ser estável. Isso começa já com o processo negocial [dos principais cargos], que começará no Conselho Europeu, depois virá ao Parlamento [Europeu], para negociar tanto com o Parlamento como com a Comissão Europeia. Isso significa que temos de ter instituições sólidas e continuar a avançar numa ótica comunitária da UE. Depois, há desafios mais concretos, tanto para o país como para a juventude. O primeiro tem a ver com uma das grandes prioridades deste mandato que assumimos, desde logo, na campanha eleitoral: a reindustrialização da Europa. Ou seja, uma indústria que seja verde, que permita uma transição justa, mas uma indústria forte que permita, do ponto de vista do contexto geopolítico mundial, fazer com que a Europa avance não no sentido protecionista, mas num sentido cooperativo mais forte. Quer isto dizer que conseguimos produzir não só melhor valor acrescentado, mas também ter empresas mais fortes dentro da UE, para que um jovem do interior de Portugal se sinta tão europeu e tão protegido, do ponto de vista dos seus direitos económicos e sociais, como um jovem que nasce numa grande capital do centro da Europa. O segundo desafio  tem a ver com uma prioridade específica que é a habitação acessível. É preciso criar um plano europeu para a habitação. A iniciativa já cabe à Comissão Europeia e, depois, há os relatórios que podemos propor no Parlamento, conjuntamente com a legislação. É preciso uma habitação que seja acessível para as classes médias também. Há vontade política, no grupo político [dos Socialistas e Democratas, o S&D], de avançar com essa matéria. Depois há uma terceira prioridade, não do ponto de vista programático, mas que é uma prioridade do ponto de vista da paz. Pela primeira vez desde a queda do Muro de Berlim, o Parlamento Europeu tem um contexto de guerra dentro do continente europeu, mas também às portas geográficas da UE. E aí, relativamente ao conflito israelo-palestiniano, devemos avançar não só nas negociações bilaterais com a delegação entre a UE e a Palestina, mas devemos avançar, de uma forma muito forte, para que diferentes países se sintam também inclinados a reconhecer o Estado da Palestina. Isto para que, finalmente, possamos alcançar a paz tanto na Ucrânia como na Palestina e para que a Europa continue a ser, do ponto de vista das relações externas, um ator de paz e estabilidade no mundo.

Quero também abordar outra questão que não me parece menor: as novas regras orçamentais e o Pacto de Estabilidade. Acha que são penalizadoras para Estados como Portugal, que não é, de todo, uma das maiores economias europeias?
Devo salientar o papel da delegação do PS, sobretudo na Comissão de Orçamento. Houve um papel muito importante dos eurodeputados portugueses e, em específico, da eurodeputada Margarida Marques. Conseguimos influenciar não só o relatório do Parlamento, mas também o enquandramento da negociação das regras fiscais aplicadas a partir do próximo quadro comunitário. Este Parlamento Europeu terá como uma das grandes tarefas, às vezes invisível, mas muito importante, a negociação do próximo quadro plurianual, já a partir de 2027. Isto significa um desafio enorme para Estados periféricos e, também, para os Estados recipientes de fundos comunitários e de coesão. O desafio é enorme, não só pelas regras, mas também com as questões geopolíticas que a União enfrenta. O primeiro deles é, desde logo, o alargamento. Dissemos, durante a campanha eleitoral, que precisamos de um alargamento que seja realista para os povos, que vá ao encontro das expectativas dos povos que querem e têm feito esforços para entrar na UE. E precisamos também de ser realistas na forma de manter a coesão. Isso quer dizer que faremos um esforço, certamente, não só para a revisão das regras orçamentais, mas todo o esforço necessário, e acho que aí os deputados socialistas e, também, os eurodeputados portugueses devem, e têm, a responsabilidade especial de que esse quadro de negociação seja tão mais favorável a Portugal quanto possível.

Outro dos temas que tem sido discutido é a questão de uma eventual presidência do Conselho Europeu vir a ser exercida por António Costa. Qual a sua opinião sobre o assunto?
A minha opinião é a de que estaremos muito próximos dessa possibilidade ser uma realidade. Acho que é um motivo de orgulho. E não só para os socialistas. Há um quadro negocial em curso [para os cargos europeus] neste momento. Acho que é importante ressalvar dois pontos. O primeiro é que António Costa não é só um socialista português, é um democrata convicto. E precisamos deles à frente das instituições europeias. Segundo, António Costa é uma figura muito respeitada no quadro dos diferentes chefes de Estado e chefes de Governo da UE. Significa isso que tem um capital político próprio, inerente às funções que desempenhou em Portugal, mas também às funções que desempenhou no próprio Conselho Europeu em diferentes quadros de negociação. Não esquecer que, enquanto Portugal assumiu a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, António Costa permitiu que o Next Generation EU fosse revertido em legislação nacional em tempo recorde, em cerca de seis meses, ao invés dos dois anos que demora um processo destes. Nós conseguimos avançar com os fundos europeus de recuperação. Esse é um capital que agrega nas instituições europeias. O presidente do Conselho Europeu é a primeira figura política da UE. É a figura que tem o capital político e reveste-se da confiança dos diferentes responsáveis. Acho que mais do que positivo para um país periférico como Portugal, é muito positivo para a UE, que enfrenta não só desafios externos mas também desafios internos muito próprios, do ponto de vista da salvaguarda da democracia.

E como devem ser encarados esses desafios?
O populismo resolve-se com democracia. Nasci depois do 25 de Abril, depois da queda do Muro de Berlim, mas, como muitas pessoas, estou a viver num tempo de enorme incerteza económica, social e institucional dos regimes democráticos que se encontram ameaçados. A resposta no Parlamento Europeu não deve ser diferente da resposta em qualquer instituição. Deve ser uma resposta democrática, onde as forças democráticas sufragadas pelos povos encontram pontos de consenso e de progresso em políticas concretas que ajudem as pessoas. Já falámos aqui do caso da indústria, e haveria outras políticas concretas a falar. Mas há um debate anterior a este, que é o da política mais geral. Na UE, decidimos ser convictamente europeus e democratas. Dentro deste quadro da defesa do projeto europeu, da defesa da democracia, devem estar todos os outros princípios. E, espero, não só pelo alarme crescente dos resultados da extrema-direita, mas também devido ao reforço de uma maioria progressista e de fortalecimento democrático da UE. Isto desde que as famílias políticas que se alinharam no anterior mandato tenham essa disponibilidade. Espero que o Parlamento responda ao populismo com uma democracia mais forte e com maior centralidade parlamentar. Afinal, o Parlamento Europeu é a única instituição diretamente eleita pelos cidadãos da Europa.

Quem é Bruno Gonçalves?

O mais jovem eurodeputado português tem 27 anos e é natural de Braga. É mestre em Engenharia Mecânica pela Universidade do Minho, e já foi líder da Juventude Socialista de Braga. Atualmente, ocupa o cargo de secretário-geral da União Internacional de Juventudes Socialistas, organização que conta com mais de 10 milhões de membros diretos ou indiretos. Em 2022, foi também eleito vice-presidente da Internacional Socialista. Durante a campanha, adotou uma posição clara quanto ao reconhecimento do Estado da Palestina, onde já esteve várias vezes.

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