Ficou surpreendido com o anúncio, feito por Pedro Nuno Santos, de que o PS viabilizará, através da abstenção, a proposta de Orçamento do Estado para 2025?Este Orçamento do Estado (OE) é bastante similar ao último do PS. Se Pedro Nuno Santos for coerente, em vez de impulsivo, tem de viabilizar..A dúvida da Iniciativa Liberal (IL) entre votar contra e abster-se será decidida com base em quê?A nossa primeira intenção, e isso foi anunciado publicamente, era apresentar medidas ao Governo e, consoante as que fossem adotadas, decidiríamos entre abstenção e voto contra. Efetivamente, na proposta de Orçamento, há muito poucas das que apresentámos. Algumas relacionadas com simplificação da vida dos profissionais liberais e trabalhadores independentes, mas tirando isso muito pouco. Isso leva a que estejamos mais longe da abstenção do que do voto contra..Tanto para a IL como para os outros partidos, até que ponto está presente o precedente do Orçamento do Estado para 2022, quando o Bloco de Esquerda e o PCP foram muito penalizados nas eleições antecipadas, por serem vistos como responsáveis pelo seu chumbo?No geral, ninguém quer eleições, no sentido em que acabámos de ter eleições e dois anos antes tivemos outras. O país está há muito tempo em eleições, e quer-se alguma estabilidade política para que o Governo possa governar. Mas também é verdade que a maioria das pessoas votou numa mudança e votou à direita do PS..O que faz com que haja 138 deputados à direita do PS.Exatamente. Mas o que estamos a ver, em termos orçamentais, não é nenhuma mudança. Se houver eleições para se concretizar a mudança, acho muito bem. Apesar da instabilidade que se possa criar, também é muito difícil governar não tendo maioria. São condições quase precárias, no sentido em que é preciso, todos os dias, estar à espera para ver o que o PS e o Chega aprovam ou não. E o Orçamento, como sabemos, pode ser totalmente desvirtuado na especialidade. Penso que o próprio Governo agradeceria outro resultado eleitoral, com uma maioria mais estável..André Ventura tem insistido na tese da “traição à direita”. O Governo está a trair quem votou nas Legislativas?Houve muito eleitorado que votou PSD e que queria uma redução de impostos e do peso do Estado, porque o primeiro-ministro deu esses sinais. E não os pode ter dado apenas por motivos eleitorais, porque se o fez perde muita credibilidade - até acho que foi por acreditar nisso. Mas agora que chegou ao poder é preciso mostrá-lo. E o Governo, infelizmente, preferiu ir para a esquerda, o que não seria a nossa decisão em política orçamental. Os portugueses votaram nessas promessas, e não podemos passar um pano em branco e esquecer completamente as que o Governo fez, de baixa de IRS, de baixa do IVA na construção ou contas-poupança isentas de impostos. Todas essas medidas, que estão no Programa da AD, não surgem no Orçamento..Houve, portanto, uma tentativa de acomodação do PS.Até vou fazer o exercício, porque quero usá-lo nos debates, de listar essas principais medidas da AD. E há umas 10 ou 15 que não estão no Orçamento. O Governo foi eleito para governar, agora chega a hora do seu primeiro Orçamento e tem um igual ao do PS. Quando se vê o cenário de continuidade, com as políticas invariantes, os números são exatamente os mesmos. Que medidas causam diferença em termos de impacto orçamental? Não há nenhuma. É uma continuidade do Orçamento anterior..Tendo em conta que a AD mais a IL têm menos deputados do que a soma da esquerda, e não parece provável que venha a haver entendimento com o Chega, há alguma razão para pensar que ao longo desta legislatura as políticas defendidas pela AD, pela IL e também pelo Chega, venham a ser concretizadas?Depende muito do que o Governo quiser, no sentido em que há uma diferença grande entre um acordo de Governo e o dia a dia parlamentar e da governação. Se uma proposta for boa e vier do PCP ou do Chega, para mim é igual. Se considerar que é boa, voto a favor, independentemente de quem a assinou. Coisa diferente é dizer que iria para um Governo do PCP. Não iria, mas isso não me impede de aprovar medidas do PCP que considere boas. Acho que essa diferenciação é relevante. Se o IRC fosse votado - como chegou a ser pensado - fora do Orçamento, tenho poucas dúvidas, para não dizer que tenho certeza absoluta, de que a IL e o Chega aprovariam a descida do IRC que o Governo queria. A partir do momento em que o Governo diz que o IRC vai no Orçamento, que é uma lógica perfeitamente aceitável, que quer negociar com o PS e, depois, cede - já só é menos um ponto percentual -, aí é muito mais difícil. Mas depende de negociações do Governo com os partidos. Não é igual negociar com o Chega medidas específicas, o que é o dia a dia no Parlamento..Aliás, o Chega acabou por aprovar medidas do PS.Todas as medidas que o PS aprovou nesta legislatura, só as aprovou com o Chega, o que não quer dizer que aceitasse um Governo com o Chega. Depende da estratégia. Se for uma linha vermelha completamente absoluta, obviamente que será mais difícil..Vamos ter uma legislatura de impasse?Deveríamos ter uma legislatura de negociações, e o Governo tem margem para isso. Em alguns diplomas tem de negociar mais à direita, noutros mais à esquerda. Claro que quando chegamos ao Orçamento é mais difícil. E há outro ponto importante. Por todo este processo, onde à segunda-feira diz uma coisa e à terça-feira outra, Ventura não é confiável. Por isso, percebo que o Governo tenha tido quase a necessidade, não só moral, mas até prática, de se distanciar, porque não é possível elaborar um documento desta importância para o país com alguém que, dia sim, dia não, muda de opinião..Perdeu-se demasiado tempo com a troca de acusações sobre a existência ou não de negociações entre o Governo e o Chega?A IL esteve focada em apresentar medidas ao Governo. Nos outros partidos vi pouca coisa, praticamente nada. Houve a contraproposta final de Pedro Nuno Santos e do Chega, a única coisa que vi de relevante não tinha a ver com Orçamento, pois era um referendo sobre imigração. Parece-me que estes dois partidos estiveram mais interessados nessa novela política, do que propriamente no Orçamento e em medidas para mudar a vida das pessoas. Não foi essa a nossa abordagem. Só nos envolvemos na novela no fim, para dizer que tivemos reuniões e que nessas reuniões nos tinha sido dito que não havia nenhum acordo com o Chega, como nos tem sido dito pelo Governo desde o início. Preferia muito mais que se discutissem as medidas, mas, para isso, era preciso que esses partidos tivessem uma visão diferente, que não têm. O PS não tem praticamente nada de substancial a distingui-lo deste Orçamento que o PSD apresenta..No mínimo, queria mais verbas para os pensionistas.Pode tirar um bocadinho do IRS Jovem, acrescentar um bocadinho nas pensões, mas nos grandes números das contas públicas é praticamente igual. E o Chega tem um problema muito mais grave: como é um partido 100% eleitoralista, quer descer impostos e aumentar a despesa para toda a gente, como se o dinheiro caísse do céu..Disse há bocado que a IL constatou com desagrado que a maior parte das suas propostas não foram tidas em conta pelo Governo. É fácil explicar a um eleitor da IL que as vossas grandes bandeiras, como a redução e simplificação do IRS ou a maior descida do IRC, tenham tantas hipóteses de ser implementadas como tinham na maioria absoluta do PS? Interessa-me mais explicar isso aos que se abstiveram e aos que votaram no PSD, achando que isso iria ser feito, enquanto outras pessoas sabiam que esse espírito reformista já não existe e preferiram votar na IL. Interessa-me tentar mostrar-lhes que as reformas de que o país precisa só serão implementadas se a IL tiver força para quase obrigar o PSD a fazê-las. Também foi por isso que não aceitámos ir para o Governo, porque PSD mais IL não terem maioria, ou PSD mais IL terem maioria, são cenários completamente diferentes. Se juntos tivermos maioria, podemos dizer que é preciso fazer reformas, pois se não se fizerem saímos e acaba-se a maioria. Se estivermos juntos sem maioria, não temos vantagem negocial nenhuma. Imagine se estivéssemos colados a este Orçamento: como era possível, depois de votarmos contra os Orçamentos do PS, termos de aprovar um Orçamento com o Estado a pesar quase metade da economia e 44% da despesa pública? Era impossível. Temos de mostrar que as reformas de que o país precisa, não só a nível dos impostos, mas de redução do tamanho do Estado, de boa gestão nos serviços públicos, de outro modelo na Saúde, só serão implementadas se tivermos força suficiente..Daí que eleições antecipadas possam ser um cenário interessante para a IL. Estamos bem com os dois cenários, no sentido em que, como vamos ter Eleições Presidenciais [a dissolução da Assembleia da República não é possível nos últimos seis meses do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa e nos primeiros seis de quem lhe suceder], se este Orçamento passar, o Governo estará mais ou menos seguro no próximo ano e meio, e isso pode trazer vantagens em termos de governação, tendo fé de que o Governo ainda mude algumas coisas. Por outro lado, se houver eleições, apesar de ainda faltarem muitos meses caso tal cenário se ponha, ou fica tudo mais ou menos igual, ou um bocadinho melhor, em termos de composição parlamentar. Não se perdia grande coisa. É verdade que daria muito trabalho aos partidos, e que boa parte da máquina da Administração Pública pararia, mas também teria consequências positivas. Os partidos legislam muito no Parlamento, e estarem meses sem legislar às vezes também é bom para o país..O que pensa do argumento que o Presidente da República tem repetido, da paragem na execução do PRR?É um argumento muito válido, até pensando nas câmaras municipais. O PS e o PSD são grandes partidos autárquicos, e os seus autarcas não querem interrupções nas verbas, porque depois terão eleições. Percebo o argumento, que é legítimo, mas se houver eleições são dois ou três meses de pausa que podem valer a pena. As coisas podem ficar melhores em termos de composição parlamentar. E, para mim, ficar melhor era a AD e a IL terem mais deputados do que a esquerda junta, o que agora não sucede por cinco deputados..E não continuariam dependentes do Chega?Sim, mas bastaria a abstenção, e em muitos casos isso poderia fazer a diferença. Esses três meses poderiam ser um passo atrás para dar dois à frente, porque, como as coisas estão agora, não vejo que vá acontecer qualquer reforma de fundo no país..O que tem a IL esperança de alterar no Orçamento do Estado em fase de especialidade?Pouca coisa. Sei que o Governo concorda com muitas daquelas medidas. Até já nos foi dito..Quais?Por exemplo, na Função Pública, propomos um programa a que as equipas do Estado se poderiam candidatar, apresentando um projeto que iria gerar X de poupança e, se fosse aprovado, os funcionários ficariam com uma percentagem da poupança gerada. É uma situação win-win e um incentivo à boa gestão. O Governo apoiou a medida, mas precisa que o Orçamento seja aprovado pelo PS. Por isso, há boa parte das medidas com que o Governo concorda, algumas das quais sabemos que concorda porque estão no próprio Programa do Governo. Nós agora vamos propô-las e o Governo vai chumbar medidas da IL que estão no seu próprio programa. Vai chumbá-las, pois precisa do voto do PS..Que medidas, em particular?No IVA da construção, na conta-poupança isenta de impostos... Há várias que estão no programa de Governo e que vamos propor. Aposto que o Governo as vai chumbar a todas.