A pandemia, as "figuras laterais" e pacto que não saiu do papel

Candidatos presidenciais fizeram o derradeiro debate antes das eleições de domingo, na TSF, Rádio Renascença e Antena 1.

Foi o último dos debates entre os candidatos às eleições presidenciais do próximo domingo, com os vários nomes da corrida presidencial a marcar diferenças e a exigir mais - ao Governo e, de caminho, ao Presidente da República - no combate à pandemia. Medidas mais claras, mais apoios sociais, maior reforço do Serviço Nacional de Saúde: medidas que uniram os três candidatos da esquerda. A espaços, Marcelo vestiu o fato de Presidente para falar da atual situação e assegurar que serão mobilizados todos os meios.

O debate decorreu sem a participação de André Ventura, que alegou razões de "agenda" para não estar presente.

Foi pelo inevitável tema da pandemia que começou o debate conjunto das rádios - TSF, Rádio Renascença e Antena1 - com os candidatos a pedirem mais recursos para fazer face aos atuais números de contágio da Covid-19. E foi de mais recursos que falou Marcelo Rebelo de Sousa. Defendendo que o contexto atual é "mais complicado que o de Abril ou maio" - "é uma sociedade mais aberta, uma economia mais aberta, mais gente a trabalhar e menos a confinar" - Marcelo referiu que se prevê para esta sexta-feira "qualquer coisa como 700 a 800 internados em cuidados intensivos, ao ritmo de 10,11,12,13 mil casos por dia e cerca de 5000 internados. Vai abrir agora, quarta-feira, mais uma unidade de recuo na Cidade Universitária [em Lisboa], vão abrir reforços de camas no Serviço Nacional de Saúde".

Segundo Marcelo "temos ainda a capacidade dos hospitais militares, que não está totalmente utilizada" e a do setor social e privado - "Não houve até agora a necessidade da requisição civil", mas "se tiver que ser utilizada, é utilizada". Mas o candidato presidencial e atual inquilino de Belém adverte que a ideia de que os privados e o setor social têm uma capacidade muito ampla não corresponde à verdade: "A capacidade dos privados também está perto do limite".

Neste capítulo, Tiago Mayan acusou o Executivo de António Costa - e Marcelo por não ter obrigado o Governo a agir - de ter uma "abordagem totalmente errática". "Há uma tômbola de exceções, ninguém percebe quais e porquê. O Governo tem de definir quais são, transmiti-las claramente e assumir a responsabilidade por cada uma".

já Vitorino Silva afirmou-se o candidato "mais povo" entre os seis presentes, acrescentando que só saiu para o debate e voltará para casa a seguir - "Se pedem ao povo para estar em casa, eu faço campanha em casa".

João Ferreira disse recusar a "dicotomia entre saúde e a economia" - "O povo não está em casa, há muito povo que está a trabalhar todos os dias". O candidato presidencial apoiado pelo PCP defendeu que é preciso apostar na prevenção e tomar medidas como o reforço das equipas de rastreio. "Além das medidas de prevenção é necessário cuidar dos hospitais, do reforço das unidades de saúde, reforçar os cuidados intensivos com mais 400 camas, isso está previsto no Orçamento do Estado".

Questionada sobre o que faria diferente na gestão da pandemia, Ana Gomes sustentou que "não banalizaria o estado de emergência". "Pelo trânsito na cidade de Lisboa muita gente não está a perceber que estamos numa situação limite", diz a candidata presidencial, que defende que o Presidente da República deveria ter "reforçado a mão do Governo na negociação" com o setor privado o que, aponta, Marcelo Rebelo de Sousa não fez. Questionado sobre esta crítica, o recandidato definiu assim a situação atual: "Houve a não antevisão da terceira vaga, a concentração de casos na Grande Lisboa e houve a sensação de que não iam ser necessários tantos recursos quanto acabou por ser necessário".

Ana Gomes questionou também o que diz serem medidas contraditórias: "Um dos setores que voltou a fechar foi o da cultura, que se portou admiravelmente. Agora fecharam-se os teatros e cinemas. Isto é um convite a que se vão fazer concertos nas igrejas?".

Pelo meio, Marisa Matias apontou o momento "mais difícil desde que a pandemia começou", para o qual é preciso mobilizar todos os meios. E deixa uma farpa ao ausente André Ventura, dizendo que há candidatos que preferem "esconder-se" para não dar explicações sobre ajuntamentos que contrariam as indicações da Direção-Geral de Saúde, uma referência ao jantar do candidato do Chega em Braga.

Marcelo contra o protagonismo de "figuras laterais"

O Chega voltaria ao debate a propósito das eleições nos Açores, com Ana Gomes e Marisa Matias a criticar a decisão de viabilizar um Governo com o apoio parlamentar do partido liderado por André Ventura. A antiga embaixadora defendeu que o que aconteceu no arquipélago ajudou a "normalizar uma força que propõe a pena de morte, prisão perpétua, castração química, quer confinar a comunidade cigana, faz insultos machistas". Já Tiago Mayan deixou antever que teria pedido um acordo escrito a António Costa após as últimas legislativas: "Enquanto presidente, num quadro em que não há uma maioria suportada num partido exigiria sempre acordos escritos na coligação".

Marcelo Rebelo de Sousa diria depois que não exigiu acordo escrito após as legislativas de 2019 porque não tinha dúvidas nenhumas sobre a constitucionalidade do apoio parlamentar dos partidos. Sobre os Açores disse que "o representante da República fez muito bem" em exigir um acordo escrito e deixou antever que, perante um cenário idntico a nivel nacional, fará o mesmo em relação à Assembleia da República.

Mas, neste ponto, o atual Presidente e recandidato deixou um alerta. Marcelo evocou um discurso que fez em 2018, dizendo que já então alertou para o crescimento de populismos - "as pessoas não levaram muito a sério".

Essa realidade "acontecerá mais depressa se transformarmos em pólo central da vida política o que o não deve ser", advertiu Marcelo, que deixou um exemplo: "Quando o partido liderante da oposição tem figuras liderantes que dizem que é preciso fazer um congresso para discutir uma realidade que é lateral daquele hesmisfério político essa realidade passa a ser central nesse hemisfério político. E o Presidente da República não pode fazer nada". Uma clara referência ao PSD e ao protagonismo que tem dado ao partido de Ventura.

Sem nunca nomear o Chega, Marcelo defendeu que é preciso relativizar "não as ideias, que devem ser combatidas", mas a "pessoalização, a fulanização, o protagonismo daqueles que sendo laterais querem ser centrais no sistema político".

Os poderes presidenciais: a ronda do 'todos contra Marcelo"

Qual o papel que cabe ao Presidente da República? Marisa Matias diz que o chefe de Estado contribuiu para "manter bloqueios", Vitorino Silva pede "mais resguardo" à primeira figura do Estado. Tiago Mayan acusa Marcelo de ter servido "de porta-voz das narrativas do Governo" ou pelo silêncio ou usando a "palavra como amparo desculpabilização" do Executivo. a adesão às posições do Governo, diz Mayan, levou a "enormes desequilíbrios no regular funcionamento das instituições".

Para João Ferreira a questão está na forma como se exercem os poderes presidenciais: "Houve promulgações e vetos que não defenderam o direito ao trabalho, não defenderam o Serviço Nacional de Saúde".

Ana Gomes sublinha o "poder da palavra" do Presidente da República, defendendo que Marcelo não fez o suficiente em áreas como as Forças Armadas ou a Justiça. Outro exemplo que Ana Gomes volta a apontar é o do governo dos Açores, com o apoio do Chega.

Marcelo não responde às crítiticas e enuncia aquelas que serão as suas prioridades num próximo mandato, a começar pela pandemia, o tema prioritário, a execução do Orçamento do Estado, e os apoios à economia. O quarto ponto é a regionalização, com Marcelo a defender o referendo previsto na Constituição, dizendo que não criará obstáculos à realização da consulta popular. Ana Gomes contrapôe que o referendo é uma forma de "boicotar" a regionalização.

O pacto para a Justiça que ficou no papel

Na última ronda, o debate entra no tema da Justiça e Ana Gomes diz que "esta foi uma matéria em que não vimos nada por parte do professor Marcelo Rebelo de Sousa". "Não basta fazer um discurso no início do ano judicial a defender um pacto para a Justiça que não valeu o papel em que foi escrito", critica a militante socialista e candidata presidencial. Defendendo que tem que haver uma "justiça exemplar para combater a corrupção", Ana Gomes diz que as organizações internacionais estimam que há "1000 milhões de euros por ano que que saem anualmente do erário português para offshores". E acrescenta que a "desconfiança das instituições é uma das razões para o crescimento de partidos populistas".

Para João Ferreira, o problema prioritário é que há uma "justiça para pobres e outra para ricos". Além do acesso, aponta também a necessidade de valorização de quem trabalha na Justiça e de mais meios para o setor. O candidato apoiado pelo PCP manifesta-se contra a figura da delação premiada.

O mesmo faz Marisa Matias, que evoca também o problema da morosidade da justiça, sobretudo em relação ao grande crime.

Marcelo admite que o pacto para a Justiça não saiu, em boa parte, do papel: "Os parceiros políticos não aplicaram muito esse pacto naquilo que era mais fácil aplicar".

Para Tiago Mayan o grande problema da Justiça em Portugal é a Justiça civil, um "dos grandes fatores para não haver investimento cá".

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