Motivar, conseguir mais meios, desburocratizar e manter o combate à corrupção. Estas são as ideias que resumem os desafios que aguardam Amadeu Guerra, que a partir deste sábado assume o cargo de procurador-geral da República, substituindo Lucília Gago no dia em que a ex-PGR se jubila. A cerimónia de passagem do testemunho decorre no Palácio de Belém..No currículo, Amadeu Guerra traz 45 anos de experiência na área da Justiça, incluindo a direção do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) entre 2013 e 2019..Esta nova fase começa com uma herança pesada - a Operação Influencer, que provocou a demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro, e uma equipa delapidada - e com a esperança de que algo mude no Ministério Público (MP)..“Um grande desafio, difícil de vencer, será motivar os magistrados”, explicou ao DN o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Paulo Lona, enquanto elencou os vários trabalhos que esperam Amadeu Guerra..Para além de uma “escassez de recursos humanos”, incluindo oficiais de justiça, cuja resolução não está inteiramente “nas mãos” de Amadeu Guerra, falta “implementar um plano de segurança e saúde no trabalho, que não é possível por falta de autonomia financeira”..“Nem sequer há, neste momento, consultas de medicina de trabalho, que são obrigatórias para qualquer empresa ou qualquer instituição pública. E o Ministério Público, como defensor da legalidade” não cumpre a lei nesse sentido, conclui o procurador..O MP também não segue as “recomendações do Observatório da Justiça, no estudo do burnout”, que passa pela “criação de um plano de segurança e saúde no trabalho”..Paulo Lona esclarece que, apesar de Amadeu Guerra não conseguir resolver estes constrangimentos sozinho, uma vez que “não será ele que irá criar as vagas para o Centro de Estudos Judiciários, que permitirão aumentar o número de magistrados”, poderá, porém, “exercer um papel importante ao avaliar os recursos humanos existentes e sensibilizar o poder político”..Além destes desafios, o novo PGR também terá de “organizar e desburocratizar” a atuação do MP. “É indispensável ao fazer aquele mapeamento dos atos de segurança administrativa praticados pelos magistrados, avaliar aquilo que pode ser automatizado, simplificado ou transferido para os oficiais de justiça, que os magistrados não devem estar a ser sobrecarregados com tarefas administrativas e estatísticas desnecessárias”, completa..Além dos muitos desafios que Amadeu Guerra terá de enfrentar, há ainda esperança de que “seja implementada uma política de comunicação institucional que seja eficaz, do Ministério Público, da sociedade e dos cidadãos, que explique, quando necessário, a atuação nas diversas áreas em que esta magistratura do Ministério Público atua, e quando se impuser esses esclarecimentos à opinião pública”, conclui Paulo Lona..As palavras do procurador vão ao encontro das reações dos partidos, que apesar de notarem que a escolha do PGR não teve em conta os seus pareceres, cabendo a decisão ao Governo, saudaram a nomeação..Enquanto o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, garantiu que não tinha “nenhuma crítica” a fazer à escolha do Governo para a sucessão de Lucília Gago, o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, classificou-a como “absolutamente inatacável”, tendo em conta a “independência e idoneidade totais” de Amadeu Guerra..Também o líder do Chega, André Ventura, saudou a escolha, apesar de lamentar que o Governo não tenha “consensualizado com os restantes partidos o nome” do PGR. Ainda assim, deixou os votos de que Amadeu Guerra “consiga cumprir funções importantíssimas que o Ministério Público tem hoje em mãos, não só em vários processos que já estão em curso, como no combate ao flagelo da corrupção.”.O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, ressalvou a “carreira” de Amadeu Guerra, que qualificou como “um homem conhecido e reconhecido no Ministério Público” com “todas as condições para cumprir o papel que constitucionalmente lhe está conferido”..Salientando o “combate à corrupção” liderado por Amadeu Guerra em vários processos, o líder da IL, Rui Rocha, não quebrou a linha de consenso em torno do novo PGR e disse que “assegura o padrão de independência necessário”..Para a deputada do PAN, Inês de Sousa Real, Amadeu Guerra “é um nome associado não só a grandes processos de combate à corrupção, à evasão fiscal e até mesmo na proteção de crianças e jovens”, mesmo sem lhe reconhecer “uma visão reformista da justiça”..Com uma referência ao parágrafo escrito por Lucília Gago no relatório do MP a que António Costa aludiu para justificar a sua demissão, o porta-voz do Livre, Rui Tavares, disse ter esperança de que, com Amadeu Guerra “não venhamos a saber de coisas muito importantes para a nossa vida coletiva através de comunicados do gabinete de imprensa”, e que essas informações venham acompanhadas de explicações sobre “ impacto das decisões da PGR”..Também o líder parlamentar do BE, Fabian Figueiredo, demonstrou, com esta nomeação, a “expectativa de que o MP se fortaleça enquanto instituição, que defende direitos, liberdades e garantias, enquanto tutelar da ação penal em Portugal”..As únicas palavras contra estas posições, consensuais, foram as do antigo primeiro-ministro José Sócrates, que se insurgiu contra esta escolha, por considerar que foi responsável pela sua prisão preventiva “sem acusação”.