“A faca e o queijo” estão nas mãos de Ireneu e Marcelo. E os duodécimos? “Não é problema”
E se o programa de governo de Miguel Albuquerque, a segunda tentativa, apoiado pelo CDS não for aprovado? “Continua tudo na mesma, continua um governo de gestão. Não há propriamente uma demissão. Não há nenhum prazo para demitir o governo. Como foi nomeado sem ter visto o seu programa aprovado é e continua um governo de gestão”, explica Jorge Bacelar Gouveia, constitucionalista, jurisconsulto e professor catedrático.
Esta é também a mais recente leitura do jurista Guilherme Silva, membro do ConselhoRegional do PSD Madeira e ex-líder parlamentar do PSD na Assembleia da República que considera agora que “a não aprovação do Programa do Governo mantém o governo numa situação de gestão. O governo não pode entrar em efetividade de funções, em plenitude das suas funções, sem ter o programa aprovado”.
Na leitura anterior, dois dias antes, o social-democrata tinha afirmado que “a rejeição do Programa do Programa acaba por ter como consequência a queda do governo que foi agora investido”.
Fonte constitucional tinha dito, ao DN, que bastaria que se olhasse “para o artigo 133 da Constituição que indica a aplicação do 172 à dissolução da Assembleia Legislativa Regional” para que caísse essa “ideia peregrina [defendida por sectores do PSD Local] de um governo aprovado com o programa chumbado pelos deputados, por obrigação de moção de confiança”.
E acresce o que a Constituição da República Portuguesa estabelece no artigo 195.º, relativo à demissão do executivo. Segundo a alínea e), “a não aprovação de uma moção de confiança” é um dos motivos que levam à demissão do Governo.
“A questão”, considera Jorge Bacelar Gouveia, “é saber se continua em gestão, se apresenta um novo programa ou não, se sai ou não, se sai o presidente do governo regional e há governo do mesmo partido com outro líder ou um outro governo do centro-esquerda”.
E aqui é Irineu Barreto quem “tem a faca e o queijo na mão”. O representante da República “neste momento não pode dissolver a Assembleia Legislativa Regional, mas pode fazer o seguinte: pedir ao PSD para indicar outra pessoa, pedir à oposição para indicar um governo ou pode, que é o que acho que vai acontecer, pedir ao mesmo presidente [Miguel Albuquerque] que apresente um novo programa de governo” - e só o pode fazer até dia 6 de julho.
Na tarde desta quarta-feira (19 de junho), depois de falhadas todas as tentativas para conseguir os 24 votos necessários para a aprovação do programa de governo, Miguel Albuquerque anunciou, em conferência, que iria retirar as propostas e apresentar um novo programa do governo “nos próximos dias”, assegurando que existem “todas as condições” - sem explicar quais e como e com quem - para que seja aprovado.
Paulo Cafôfo, líder do PS-M, considerou de imediato que este recuo significa a “incapacidade” de Albuquerque que tinha garantido ao representante da República ter “uma maioria” com apoios de PAN, Chega e IL para governar.
“É um ato de covardia (...) há aqui um mentiroso e um covarde”, afirmou Élvio Sousa do JPP.
O líder do Juntos Pelo Povo anunciou que já pediu uma audiência ao representante da República para saber “quem é quem andou a mentir” aos madeirenses.
E sairá Albuquerque? Em vários sectores do PSD local, e nem todos próximos de Alberto João Jardim - que vê no atual líder “um problema” - e de Manuel António Correia, adversário de Albuquerque nas últimas eleições internas, a possibilidade está ser equacionada. A “dificuldade”, segundo fontes ouvidas pelo DN, é “apresentar quem para líder como isto está?”.
A “única solução” é , até agora, o antigo secretário regional ( entre 2000 e 2015) de Jardim que por 387 votos não destronou Albuquerque do PSD.
Se de todo não for viável a formação de um novo governo, Miguel Albuquerque continuará em gestão até às eleições legislativas regionais antecipadas que só podem realizar-se a partir do final de janeiro de 2025.
“É um problema”, como diz Guilherme Silva, “que vai ficar um bocadinho nos braços do representante da República e do Presidente da República”.
“Um problema criado por Ireneu Barreto”, sustenta fonte local, que garantiu “aos madeirenses que Miguel Albuquerque tinha “todas as condições de ver o seu programa aprovado na Assembleia Legislativa”, enquanto a solução conjunta de Paulo Cafôfo e Élvio Sousa “não tinha qualquer hipótese de ter sucesso”.
E o orçamento? “Não tem grande relevância, podem fazer alarmismos, mas não tem problemas nenhuns”, afirma Jorge Bacelar Gouveia.
Ou seja, explica, “continua em vigor o último orçamento aprovado. Não se pode gastar mais do que está orçamentado anteriormente. E o que conta, e isso é muito claro, é a despesa prevista e não a executada. Não pode haver despesa acima da que está orçamentado, não se pode gastar mais do que o que está previsto. É, na prática, um orçamento repetido, mas num regime de duodécimos”.
Esta questão, que na versão do PSD é “não há orçamento” - quando está em vigor o último aprovado -, tem sido desvalorizada e criticada pela oposição.
Paulo Cacôfo, líder do PS-M, por exemplo, acusa Albuquerque de recorrer “ao medo e à chantagem”, ao dizer que a não aprovação do programa de governo e, consequentemente, de um orçamento, será “o caos”.
Élvio Sousa, do JPP, fala num “balde de engodo para enganar os partidos e povo” e de um governo que anda a “semear o ódio e o medo”.
“Todos nós, nas nossas vidas, vivemos em duodécimos. Gerimos as nossas contas até ao final do mês. Por isso, também não será uma fatalidade vivermos em duodécimos”, resumiu Miguel Castro, líder do Chega.
Miguel Albuquerque, que por agora rejeita ser substituído e diz não ter “medo de eleições” nem “medo” de se “submeter ao julgamento da população”, insistiu nesta quarta-feira no argumento repetido de que sem programa do governo, e por arrasto sem novo orçamento, há um “leque alargadíssimo e variado de situações que exigem soluções” que não podem ser realizadas. E traduziu: “as expectativas criadas”.
O demissionário líder regional da Iniciativa Liberal, Nuno Morna, ainda sugeriu à restante oposição que deixasse “passar o programa e o orçamento com uma abstenção ou saindo da sala” porque isso “era retirar-lhes [ao PSD e CDS] os argumentos da vitimização. E depois, era um dos partidos que tem grupo parlamentar, apresentar uma moção de censura”.
A proposta não fez caminho - e ficou até adiada depois de o PSD ter desistido de apresentar o programa - , mas Nuno Morna garantiu ao DN que iria “votar contra” Albuquerque.
Neste sentido, estavam alinhados PS, JPP, Chega e IL que somam 25 votos, mais um do que a maioria necessária para chumbar a moção de confiança que aprova o programa de governo.
Mónica Freitas, líder do PAN regional, que foi muita critica de Albuquerque, a quem “retirou a confiança política” há poucos meses, afirmou ao DN que a abstenção em nome da estabilidade seria a “posição”. “Pretendemos que seja essa a nossa posição”, garantiu.