A escolha entre um líder ao centro ou um que rejeita o bloco central

Cerca de 46 mil militantes do PSD com quotas em dia podem escolher o líder que querem ver representá-los na corrida às legislativas em janeiro de 2022. Ou escolhem entre um recandidato que promete dialogar com o PS ou entre o novo candidato que pede uma maioria.

Um dos dois será hoje líder do PSD. Rui Rio poderá ser reeleito e levar por diante o que tem defendido nestes quatro anos ou o partido abre portas a Paulo Rangel e dá-lhe a oportunidade de mudar o rumo e os protagonistas de topo. Há cerca de 46 mil militantes que têm a oportunidade de se pronunciar e num momento muito decisivo. Faltam apenas dois meses para as legislativas antecipadas e a escolha também é a de um candidato a primeiro-ministro.

Foi neste tabuleiro que se colocou Rui Rio. Abdicou da campanha interna e manteve-se fiel à ideia de que sendo presidente do partido tinha obrigação de preparar o PSD para as eleições, sem se deter no confronto interno. Mas a verdade é que não fugiu totalmente disso e as farpas ao adversário, que antes foi seu aliado, foram constantes. Uma delas, e talvez a mais aguçada, foi precisamente a ideia de que Paulo Rangel não está preparado para ser candidato à liderança de um governo. "Paulo Rangel não está preparado para ser primeiro-ministro. Não pode ser ministro quem não quer e também quem quer muito." "Sempre que alguém se propôs a eleições, a dois, três meses, perdeu", disse.

Rangel respondeu com a que melhor encaixava no perfil de um Rio dialogante com o PS. "Há uma coisa para a qual não estou preparado, é para ser vice-primeiro-ministro. Para primeiro-ministro, os portugueses conhecem-me. Tenho visão, tenho uma equipa credível, tenho um programa. Com a minha experiência europeia... é preciso ter rede internacional... e já passei pelo governo, coisa que nunca aconteceu com Rui Rio."

O eurodeputado andou mesmo em campanha intensa, por todo o país, a contactar as bases. E providenciou o apoio das principais estruturas do partido, incluindo a distrital do Porto e de várias figuras gradas. O novo presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que foi o rosto dos bons resultados do partido nas autárquicas, não verbalizou o apoio, mas há momentos e imagens que valem por mil palavras. Chamou Rangel para um almoço "de amigos" e a fotografia foi direitinha para um órgão de comunicação social.

Rio foi sempre reclamando que o que importa é o voto livre dos militantes, que vão hoje às urnas escolher o seu presidente, embora tenha um diretor de campanha que é um homem do aparelho, Salvador Malheiro, vice-presidente e líder da distrital de Aveiro. E, na última entrevista que deu à Rádio Renascença, Rio assumiu que sai se não lhe renovarem o mandato. "Se eu perder as diretas acaba aqui. Acaba no congresso porque não fujo às responsabilidades. Mas depois é um ponto final parágrafo."

A picardia entre os candidatos perpassou para as moções de estratégia. Rio escreveu num documento de 18 páginas - que faz apelo ao programa eleitoral de 2019 e às propostas do Conselho de Estratégia Nacional - que "se à esquerda imperou a retórica das desigualdades sociais, não a poderemos substituir pela retórica alternativa da mobilidade social". Ora a ideia de que é preciso apostar no "elevador social" em Portugal foi uma das defendidas por Paulo Rangel, e que verteu também para a sua moção.

Moção em que dispara em dois sentidos contra o opositor. Primeiro na ideia de que a primeira tarefa é unir o PSD. "É fundamental curar o divisionismo interno cultivado pela liderança nos últimos anos." E depois contra a ideia assumida por Rio de que é possível o diálogo com um governo PS. "O líder do PSD tem de ser candidato a primeiro-ministro; não se reduzindo a ser um protocandidato a vice-primeiro-ministro ou a um apoio de recurso do PS a António Costa.

As moções

As duas moções - a de Rio "Governar Portugal" e a de Rangel "Portugal: Ambição e Esperança" - têm, como não podia deixar de ser, pontos de contacto. Ambos elegem o combate à corrupção como prioridade (Rangel até avança com a ideia de uma agência anticorrupção, altamente especializada) e batem-se por políticas económicas que permitam o crescimento económico do país, com redução da carga fiscal e a melhoria dos salários dos portugueses. A recusa de "preconceitos ideológicos" entre público e privado na área da saúde ou a prioridade à infância na educação são também partilhadas por Rio e Rangel.

Mas quando se entra no campo da governabilidade divergem e é talvez um dos pontos que poderão fazer pender a balança da votação mais para um ou para o outro. Rui Rio continua a defender que as eleições se decidem ao "centro do espetro político partidário" e mantém-se disponível para no pós-eleições estabelecer o diálogo necessário com as forças políticas, incluindo o PS.

"Importa construir uma nova maioria sem linhas vermelhas, assente no diálogo e no compromisso, à esquerda ou à direita, cujo único limite será o da moderação, do respeito pelas instituições constitucionais e o superior interesse nacional". Em paralelo, na mesma entrevista à RR, anunciou que se for reeleito levará à comissão política nacional a proposta de um acordo pré-eleitoral com o CDS para as legislativas.

Paulo Rangel defende claramente que o PSD deve apresentar-se em listas próprias às legislativas antecipadas de 2022, com o objetivo de alcançar uma vitória em linha com a sua "vocação maioritária", e que "se traduz preferencialmente na obtenção de uma maioria absoluta ou na formação de uma maioria estável", aberta aos "parceiros naturais (CDS e IL)" e nunca a forças políticas radicais em que enquadrou o Chega.

O candidato rejeita ainda a possibilidade de um bloco central no quadro pós-eleitoral, ainda que de meia legislatura.

No que diz respeito ao combate à corrupção, que ambos partilham, Rio sempre a teve como bandeira e sublinha que a prioridade deve focar-se "na eliminação dos contextos que favorecem a corrupção". "Temos de afirmar a nossa independência face às oligarquias, eliminar a lógica clientelar no acesso aos cargos públicos e contrariar a ação das parentelas na ocupação do aparelho do Estado, das autarquias e empresas públicas, especialmente nos órgãos executivos de nomeação", diz na moção.

Paulo Rangel concretiza que quer avançar com uma "agência anticorrupção altamente especializada e com poderes efetivos de investigação". Bate-se também pela "despartidarização" da administração pública, através de uma maior profissionalização. Ambos defendem também uma reforma da Justiça, embora com contornos diversos.

Mais um ponto de contacto entre os dois é a questão da baixa de impostos. Rio entende que é preciso inverter a política fiscal, apontando que "a maior carga fiscal na história das finanças públicas portuguesas é um dos maiores sufocos que inibe a mobilidade social ascendente e aumenta o risco de pobreza entre os que trabalham, não obstante serem mais qualificados, e os mais jovens". Rangel afirma que não é possível um choque fiscal como seria desejável, mas aponta para uma redução gradual dos impostos, nomeadamente do IRC, e ajustes no IRS.

O aumento dos salários em Portugal é defendido pelo recandidato à liderança do PSD, mas alicerçado no aumento de qualificações e no aumento da riqueza. O adversário bate-se por um aumento robusto do salário mínimo, sem esquecer que é preciso recentrar a discussão no aumento dos salários médios.

O diagnóstico dos problemas e a defesa do Serviço Nacional de Saúde também é comum às duas moções. Tal como no capítulo educação alguns pontos são partilhados. "A reforma da educação tem de começar pelas bases, a saber, a educação de infância (creches e infantários) acessível a todas as crianças, promoção do sucesso escolar, rigor e clareza curricular, diversidade pedagógica, instrumentos sistemáticos de avaliação das aprendizagens, dignificação da profissão docente e autonomia das escolas", defende Rio. E Paulo Rangel aponta para a a oferta gratuita e universal do ensino pré-escolar entre os 3 e os 5 anos - podendo mesmo estabelecer-se a sua obrigatoriedade - e aposta no ensino e na formação profissional e técnico-profissional, seja no grau secundário, no superior ou num nível independente de ambos ao longo da vida.

paulasa@dn.pt

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