Os temas sucederam-se. Do equilíbrio orçamental posto em causa, à ligação da imigração ou da extrema-direita a um aumento de violência, aos modelos de desenvolvimento económico até à desburocratização da Administração Pública. Houve também a vontade assumida de tornar as empresas mais competitivas ou baixar a carga fiscal para os cidadãos, assim como defender os direitos dos trabalhadores. Mas a palavra de ordem foi transformação e deixa um rasto indelével no programa do Governo, a sublinhar a “agenda transformadora”, com os seus dez eixos prioritários, que, de acordo com Luís Montenegro, marcará a sua equipa de governantes, com a promessa de perseguirem “uma ação assente na coerência”. Foi assim que começou esta terça-feira, dia 17 de junho, a ser debatido o programa do Governo, com a imigração no centro de tudo.No arranque da discussão, Luís Montenegro afirmou que “Portugal só se manterá um país seguro por decisão e coragem, não por inércia”, daí ter anunciado um reforço dos “meios ao serviço da prevenção”, que começa pela promessa de, até ao final do ano, iniciarem funções “1500 elementos na GNR e na PSP”. Com esta deixa, Montenegro trouxe para a discussão a “política migratória”, que inclui a integração na PSP da futura Unidade de Estrangeiros e Fronteiras e uma “proposta da lei da nacionalidade”, tal como a “simplificação no processo de repatriamento de imigrantes ilegais”.Logo de seguida, André Ventura aproveitou para lançar farpas a Montenegro, com uma referência a “mais de meio milhão” de imigrantes que “vão usufruir” do reagrupamento familiar.“Vamos fazer como a Áustria ou vamos agradar ao Partido Socialista”, perguntou o líder do Chega, de forma retórica, aproveitando para questionar o primeiro-ministro em que é que a lei da nacionalidade vai ser alterada.“O que é que vamos fazer efetivamente para mudar isso”, lançou, antes de se virar para o tema da saúde e atacar Ana Paula Martins, que tutela essa pasta.“O senhor primeiro-ministro vê o país com uns óculos diferentes dos outros”, lançou, lembrando que Montenegro “nomeia a ministra da Saúde, a mesma”.“Como funcionou bem no ano passado, toca a fazer o mesmo”, ironizou.“Ou o Governo faz alguma coisa na saúde de quem cá está e não de quem para cá vem ou não toleraremos mais este Governo”, ameaçou antes de desafiar o primeiro-ministro para tornar Portugal mais seguro. “Temos um desafio os dois. Eu estou disposto a isso. Resta saber se o senhor primeiro-ministro também está”, rematou.Em alusão a acusações que o líder do Chega tinha lançado no início da intervenção, falando em “conluio” durante 50 anos entre PS e PSD, Montenegro pediu a André Ventura que não confundisse “estes 50 anos”, de democracia, “com os 50 anos anteriores”, de ditadura..Debate do programa do Governo. Anunciados 2.100 milhões para 37 mil empresas em crédito para exportação. Em relação ao reagrupamento familiar, entre imigrantes e as suas famílias, Montenegro lembrou que era algo que já estava previsto no programa eleitoral da AD, mas não do Chega. O primeiro-ministro, com isto, garantiu que não iria suspender este direito dos imigrantes.“É bom para a nossa economia, é bom para o desenvolvimento do país”, argumentou o chefe do Governo, contrapondo que “o que é mau é termos imigrantes ilegais” e “falta de regras”.O tema da imigração ficou suspenso durante a intervenção do candidato à liderança socialista, José Luís Carneiro, que começou por garantir que “o PS não obstará a que [o Governo] assuma plenamente a sua responsabilidade” - numa referência à viabilização do programa que estava a ser discutido -, na mesma medida em que “não será suporte do Governo”.No entanto, José Luís Carneiro também criticou a inclusão de medidas de outros partidos (25 são do PS) no programa do Governo sem que tivesse havido diálogo. “Não é diálogo, é plágio” e “monólogo”, acusou o deputado do PS, antes de assumir o partido como “uma oposição responsável, firme e disponível”.“De boa fé”, prometeu construir “consensos democráticos”, acabando por garantir que a bancada socialista assumirá o compromisso de reconhecer o Estado da Palestina. Com a garantia também de que o governo vai poder contar com o PS para assumir o “esforço de 2% do PIB para investimento em defesa”, e para uma estratégia de proteção civil preventiva”, José Luís Carneiro assegurou que Montenegro contará com a bancada socialista “para uma Administração Pública mais motivada”.“Saúdo a sua postura para mantermos viva esta forma de estar destes dois partidos que assumiram democraticamente” os governos, respondeu Montenegro, prometendo que “haverá dialogo franco, genuíno, autêntico com o PS, para além de prometer que nunca diminuirá o partido.O debate ainda continuou durante algum tempo sem referências à imigração, com o deputado da IL Carlos Guimarães Pinto a evocar o facto de o Estado existir “para servir os portugueses e não o PS ou o PSD”. .FOTOGALERIA. Os melhores momentos do primeiro dia de debate sobre o programa do Governo. “Olhe para a sua esquerda e veja como as coisas podem mudar”, atirou o deputado liberal, apontando para a bancada do PS, enquanto a acusava de “hoje nem sequer” ser “o maior partido socialista na nossa Assembleia”, num ataque duplo que incluía a bancada do Chega na acusação de ser socialista.Também o co-porta-voz do Livre Rui Tavares criticou a inclusão de medidas da oposição no programa do Governo, sem ter havido diálogo. “Os consensos buscam-se não se impõem”, atirou ao primeiro-ministro.Já o líder do PCP, Paulo Raimundo, acusou o o programa do Governo de cheirar a troika.“Chega e Iniciativa Liberal nunca lhe faltarão para defender os interesses dos grandes grupos económicos. Bem podem encostar-se uns aos outros”, afirmou o deputado comunista.“O seu discurso tresanda ao velho comunismo imobilista”, respondeu o primeiro-ministro, acrescentando que o discurso do deputado do PCP “não atende à realidade”.Enquanto a líder do BE, Mariana Mortágua, pegou na habitação como arma de arremesso contra o Governo, argumentando que os “portugueses disseram nas urnas” que “a política para a habitação que querem não” é a da AD, classificou o setor como uma “fábrica de pobres que está instalada”.Já a líder do PAN, Inês de Sousa Real, acusou Montenegro de deixar de fora dos eixos prioritários a violência doméstica, com um apelo: “Não seja uma laranja amarga do nosso país, garanta que temos avanços no nosso país na violência doméstica e da proteção animal.”O líder da bancada do CDS, Paulo Núncio, acabou por recuperar o tema da imigração, ao defender que “a nacionalidade portuguesa não pode ser atribuída com facilidade, não pode ser reduzida a um ato burocrático simples”. Mas o tema ficou mais quente quando o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, o recuperou.“Condenaram quem queria o regresso das portas escancaradas”, lembrou o governante, enquanto também defendeu que “os portugueses não escolheram o ódio, nem a remigração massiva”. “Os portugueses deram uma maioria maior à nossa política de imigração regulada, humanista e firme”, considerou.A deputada do Chega Vanessa Barata respondeu ao ministro estendendo a mão ao Governo ao defender que “precisamos de um chão comum e o melhor caminho é a suspensão do reagrupamento familiar”.Leitão Amaro acabou por, exaltado, virar-se para o Chega e dizer que “deviam ter vergonha de instrumentalizar e degradar o debate e a vida das pessoas”, insistindo que o partido de André Ventura não tinha nada sobre reagrupamento familiar no programa eleitoral. “Os senhores falam mas são como bolas de sabão. Falam mas controlo da imigração, nada.”O deputado do Livre Jorge Pinto atacou Leitão Amaro pela sua intervenção ao “fazer da imigração o alfa e o ómega de todos os problemas do país”, que, considerou, “não só é falso como é perigoso”.“Imigrantes são seres humanos, com falhanços e com virtudes”, concluiu.