Secretário de Estado Hernâni Dias apresenta demissão "para proteger o Governo". Montenegro aceita pedido
O primeiro-ministro aceitou esta terça-feira o pedido de demissão do secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Hernâni Dias, sublinhando "o desprendimento subjacente à decisão pessoal" do governante.
Numa nota do gabinete de Luís Montenegro publicada no portal do Governo lê-se que "o primeiro-ministro aceitou o pedido de demissão esta terça-feira apresentado pelo secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Dr. Hernâni Dias".
"Nesta ocasião, o primeiro-ministro expressa reconhecimento ao Dr. Hernâni Dias pelo empenho na concretização do Programa do Governo em áreas de particular importância e sublinha o desprendimento subjacente à decisão pessoal tomada. O secretário de Estado cessante será oportunamente substituído no cargo", acrescenta.
Esta é a primeira demissão no XXIV Governo Constitucional PSD/CDS-PP que tomou posse a 02 de abril do ano passado.
Na sexta-feira, a RTP noticiou que Hernâni Dias criou duas empresas que podem vir a beneficiar com a nova lei dos solos, sendo que é secretário de Estado do ministério que tutela essas alterações.
Uma semana antes, o mesmo canal de televisão avançou que Hernâni Dias estava a ser investigado pela Procuradoria Europeia e era suspeito de ter recebido contrapartidas quando foi autarca de Bragança.
Na terça-feira da semana passada, num comunicado enviado à agência Lusa, Hernâni Dias recusou ter cometido qualquer ilegalidade, afirmando que está "de consciência absolutamente tranquila" e que agiu "com total transparência".
O secretário de Estado garante ter pedido ao Ministério Público (MP) "que investigasse a empreitada da Zona Industrial em Bragança e ao LNEC [Laboratório Nacional de Engenharia Civil] que fizesse uma auditoria", assegurando, relativamente ao apartamento ocupado pelo filho no Porto, que "o valor das rendas foi pago por transferência.
O Chega e o BE já pediram a demissão do governante e vários já requereram a sua audição parlamentar.
Hernâni Dias diz-se de "consciência absolutamente tranquila"
O secretário de Estado cessante da Administração Local justificou o seu pedido de demissão para proteger a estabilidade do Governo, o primeiro-ministro e a sua família, e afirmou estar de "consciência absolutamente tranquila".
Na carta de demissão do secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, a que a Lusa teve acesso, Hernâni Dias anunciou ainda que suspenderá o mandato como deputado para ser ouvido no parlamento.
"Estou de consciência absolutamente tranquila. Gostaria de reiterar que a minha demissão nada tem a ver com o receio de esclarecer as questões que têm sido veiculadas pela comunicação social. Bem pelo contrário, renovo a minha vontade e plena disponibilidade para prestar todos os esclarecimentos às autoridades competentes", refere.
O governante demissionário acrescenta que vai suspender o mandato de deputado para ser ouvido no parlamento, aguardando a aprovação da sua audição já pedida por vários partidos, para "esclarecimento cabal de todos os assuntos, o mais rápido possível, e encerrar a desinformação que tem sido difundida".
Hernâni Dias disse estar a ser confrontado com "uma vaga de notícias que contêm falsidades, deturpações e insinuações injustificadas".
"E apesar de se referirem a situações totalmente desligadas das funções que desempenho, entendo que é minha obrigação proteger a estabilidade do Governo e, em especial, a posição do senhor primeiro-ministro", justifica.
O antigo autarca considera que "na vida política há que ter a hombridade de assumir" decisões, dizendo que a sua "é pautada pelo entendimento de que, neste momento, a continuidade como secretário de Estado poderia ser vista como um fator negativo, logo prejudicial ao trabalho do Governo".
"Esta decisão surge, também, da necessidade de proteger a minha família e preservar a sua privacidade e bem-estar, que, em face das atuais circunstâncias, se tornaram vulneráveis", afirmou.
Na missiva, Hernâni Dias afirma que sempre pautou a sua vida "pelos princípios da legalidade e da transparência, pelos valores da defesa da coisa pública, com elevado sentido de responsabilidade, correção e rigor" e garante que os continuou a praticar enquanto secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território.
"Senhor primeiro-ministro, agradeço profundamente a honra que me deu e a confiança em mim depositada, durante o tempo em que ocupei este cargo", escreve ainda, desejando a Montenegro "continuação de bom trabalho a favor do país e dos portugueses".
BE e PCP afirmam que demissão era inevitável
O Bloco de Esquerda e o PCP consideraram que era inevitável a demissão de Hernâni Dias face aos casos suspeitos em que se encontra envolvido.
Estas posições foram transmitidas no parlamento pelos deputados Alfredo Maia (PCP) e Joana Mortágua (BE), em duas conferências de imprensa em que também voltaram a exigir o fim do decreto que altera os instrumentos de gestão territorial - um diploma que associaram à especulação imobiliária e a riscos de corrupção.
Para o deputado comunista Alfredo Maia, Hernâni Dias "extraiu as consequências do caso que o envolve e que confirma a suspeita de que há algo de errado na alteração do regime jurídico dos instrumentos de gestão do território".
No entanto, na perspetiva do deputado do PCP, a demissão do secretário de Estado "não resolve o problema de fundo, que é a alteração à chamada lei dos solos".
"Há um conjunto de elementos, de circunstâncias que aparentemente colocaram o ex-secretário de Estado numa posição desconfortável. Em todo o caso, saliento que, independentemente das circunstâncias concretas de cada membro do Governo, o que para o PCP é realmente mais relevante são as políticas", frisou.
Por isso, neste caso, segundo Alfredo Maia, a responsabilidade pela vigência do diploma que causou este problema político e que "favorece a especulação imobiliária é do Governo com a cumplicidade do PS".
"Governo e PS querem uma lei para tornar mais fácil a especulação com solos rústicos, possibilitando a sua venda para construção", acrescentou.
Já a deputada bloquista Joana Mortágua considerou que a demissão de Hernâni Dias "não causou surpresa", mas frisou que "continua a precisar de explicações".
De acordo com Joana Mortágua, o caso mais complexo relaciona-se com a criação de sociedades imobiliárias na área da construção civil - duas empresas familiares "numa altura em que o secretário de Estado tinha informação privilegiada sobre um decreto que viria a ser publicado em dezembro e que permite a valorização brutal de terrenos rústicos".
"Estamos perante uma alteração à gestão territorial que permite a criação de fortunas imobiliárias, através de um processo de especulação, pela permissão de construir em terrenos onde antes não era possível. Esta suspeita de que o secretário de Estado teria criado estas duas sociedades para (no presente ou no futuro) beneficiar de uma alteração à lei que facilita a valorização dos terrenos - alteração à lei essa que ele próprio ajudou a escrever e a criar -, é uma suspeita legítima", acentuou a dirigente do Bloco de Esquerda.
Tal como o PCP, também Joana Mortágua exigiu que a chamada lei dos solos "seja muito diferente daquela que foi aprovada por PSD, PS e Chega, porque, na verdade, foram estes três partidos que chumbaram a proposta do BE para a cessação de vigência" do decreto sobre a alteração dos instrumentos de gestão territorial.
"Chamamos a atenção que esse decreto tem o potencial de criar este tipo de suspeitas, porque também tem o potencial de criar negócios e fortunas imobiliárias", acrescentou.
Na sexta-feira, a RTP noticiou que Hernâni Dias criou duas empresas que podem vir a beneficiar com a nova lei dos solos, sendo que é secretário de Estado do ministério que tutela essas alterações.
Uma semana antes, o mesmo canal de televisão avançou que Hernâni Dias estava a ser investigado pela Procuradoria Europeia e era suspeito de ter recebido contrapartidas quando foi autarca de Bragança.
Numa reação escrita enviada à agência Lusa, o Livre considerou que Hernâni Dias "fez bem em demitir-se" e, na mesma linha de BE e PCP, considerou a decisão "inevitável".
"Incompreensível é que tenha demorado tanto tempo", lê-se na nota.
Na opinião do partido, as alterações ao decreto-lei sobre o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, a polémica lei dos solos, "só servem para causar anomalias e prejuízos, pelo que este diploma tem de ser revogado".