A Assembleia da República aprova esta quarta-feira, dia 18 de junho, o programa do XXV Governo Constitucional, através do chumbo da moção de rejeição do PCP, que não tem o apoio de PS e Chega.
O período de encerramento tem cerca de duas horas para intervenções dos partidos, por ordem crescente de representatividade, e do Governo, seguindo-se a votação da moção de rejeição do PCP ao documento, que PS e Chega já disseram inviabilizar.
Na terça-feira, o debate ficou marcado por algumas das medidas inscritas no documento, como a política fiscal, com uma redução do IRS anunciada pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, para as próximas semanas, assim como a política de imigração, em que foi assumido um “apertar as regras”, mas sem suspender o reagrupamento familiar.
O primeiro-ministro adiantou ainda, relativamente à revisão da lei da nacionalidade, que no alargamento das situações em pode haver perda de nacionalidade constarão comportamentos graves "de natureza criminal" e anunciou um reforço de 1500 elementos da PSP e da GNR até ao final do ano.
Do ponto de vista político, o primeiro-ministro abriu o debate a avisar que a próxima legislatura só não durará quatro anos se existir uma “coligação deliberada, ativa e cúmplice” entre os dois maiores partidos da oposição, referindo-se ao PS e Chega.
O primeiro-ministro também prometeu um "diálogo franco" e "nunca diminuir" o PS, mas sem excluir o diálogo com outras forças, em resposta a José Luís Carneiro, que lhe perguntou com quem quer dialogar, mas também lhe pediu para despartidarizar a administração pública.
O presidente do Chega, André Ventura, referiu-se a um novo quadro parlamentar que exige” reformas “a sério para Portugal”, assinalando que agora é possível excluir o PS dessas reformas.
A IL pediu mais meritocracia na escolha dos cargos públicos, o Livre acusou o Governo de arrogância ao incluir medidas da oposição no seu programa sem consultar as forças políticas do parlamento, enquanto o PCP disse que o documento “cheira a ‘troika’”.
Só depois de apreciado o programa do Governo, e da sua não rejeição, é que o XXV Governo Constitucional, que tomou posse a 05 de junho, entrará em plenitude de funções.
DN/Lusa
Numa intervenção que estendeu críticas a todos os partidos da direita, o secretário-geral do PCP acusou o primeiro-ministro de apresentar uma "imobilista política ao serviço desta minoria", que "iria transformar Portugal num país mais pobre, injusto e desigual".
Na qualidade de proponente da moção de rejeição ao programa do Governo, Paulo Raimundo vincou que "Chega, IL e PS são o trio que suporta a política que cheira a troika".
"Bem podem apoiar-se uns aos outros, bem podem dizer o que entenderem. A vossa política de injustiça merece rejeição", destacou, depois de elencar aquilo que considera ser os problemas aos quais o programa não responde.
"Um país onde 30 % dos trabalhadores enfrentam o flagelo da precariedade que vai da indústria à hotelaria, das plataformas digitais ao Estado, passando pelo cada vez mais desprezado sector da cultura. Um País onde investigadores e cientistas estão a ser despedidos e onde, para muitos, é preciso ter a dois e três empregos para pagar a renda, a luz, o gás, a comida. Um país onde 1 milhão e 800 mil trabalham por turnos e nocturno e, desde logo, os trabalhadores do comercio e serviços não tem feriados, sábados, domingos", apontou, acrescentando que "este é o Pais onde 300 mil crianças e milhares de trabalhadores vivem na pobreza" e "onde 1 milhão de reformados recebe abaixo de 510 euros por mês".
"Votaremos a favor da moção de rejeição do programa do Governo", disse a co-porta-voz do Livre Isabel Mendes Lopes numa intervenção na reta final da discussão em torno do programa do Governo.
"Este é um tempo de grande significado histórico", lembrou a deputada do Livre, citando o próprio porgrama do Governo e trazendo à intervenção a ideia de que "este é um período particular", "pelos desafios que coloca, pelas responsabilidades que nos dá".
Acusando o programa do Governo de não estar à altura deste "período particular", Isabel Mendes Lopes criticou o documento que está em debate por lembrar "um passado recente", "de desrespeito" pelas pessoas.
"Vão dizer que não", antecipou a deputada do Livre, completando com a ideia de que vão dizer "que é ambicioso e até tem uma agenda transformadora".
"Não tem ciência nem ensino superior" e "dizem que é preciso crescer e assegurar riqueza", continuou, parafraseando as palavras do Governo. "Primeiro cresce-se e depois resolve-se os problemas."
"Não é assim", rematou a deputada, acusando o Governo de acenar com o "papão da imigração, tão útil para afastar as atenções dos outros problemas".
"Estar à altura é honrar a nossa história de imigração e emigração", defendeu Isabel Mendes Lopes, antes de concluir que o governo "não tem estado à altura do momento histórico".
"Portugal precisava de uma ruptura. O que recebeu foi, mais uma vez, um remendo", disse a deputada da IL Mariana Leitão, antes de atribuir ao seu próprio partido a classificação de "oposição mais clara e consequente a este Governo".
Sobre a saúde, num rol de áreas que a IL destacou, "tem de ser universal, mas o prestador não tem de ser exclusivamente público", explicoua deputada, completando que o partido defende "liberdade de escolha plena, que permita a cada cidadão escolher entre SNS, privados ou setor social - porque acreditamos que o acesso à saúde não se garante com dois monopólios do Estado onde falta transparência, mérito e eficiência, mas com liberdade, pluralismo e resultados."
"Na fiscalidade, o Governo propõe uma redução de 2 mil milhões de euros em IRS até 2029, começando com 500 milhões já em 2025. Já deu para perceber que não será uma redução gradual e consequente, ou seja, o pequeno alívio que as famílias vão receber este ano será o mesmo até 2029", continuou.
Com esta declaração de intenções, Mariana Leitão explicou que a IL "defende um Estado ao lado dos cidadãos: pequeno no tamanho, mas grande na missão."
"Um Estado disponível e competente onde é necessário, mas também bem longe de onde só estorva e limita as pessoas de atingir o seu potencial", afirmou, evocando a linha ideológica do partido.
Com a ideia de que "reformar o Estado não é um capricho ideológico", a deputada liberal explicou que esta mudança é "uma exigência de justiça para quem paga impostos, para quem investe e, principalmente , para quem trabalha todos dias no nosso país".
"Nesta matéria, Portugal não precisa de mais promessas vagas. Portugal não precisa de mais discursos mornos, de cinco reformas anunciadas e nunca feitas", vincou, destacando que o que separa a IL do Governo é "coragem para enfrentar o que está mal".
Sobre o documento que está em discussão, "aquilo que o país precisava era de um programa de governo ambicioso, corajoso e reformista", afirmou Mariana Leitão, acabando por que dizer que o documento recebido "foi um texto tímido, vago, que foge às grandes decisões e repete as fórmulas falhadas do passado".
"Este Programa não é mais do que um exercício de equilíbrio político: um catálogo de intenções, cuidadosamente desenhado para não ofender ninguém", criticou, classificando o programa como "ofensivo", "porque ao evitar escolhas difíceis, abdica de liderar", quando "Portugal precisava de uma rutura".
O candidato à liderança do PS, José Luís Carneiro, deixou uma série de recomendações ao Governo sobre como deve lidar com o Parlamento, começando por explicar o da bancada socialista: "Não se engane, o nosso papel não é o de auxiliares".
Na intervenção final durante a discussão do debate do programa do Governo, o deputado socialista explicou que o PS tem o papel de "fiscalizar e de legislar na boa direção".
"É o Senhor que responde perante o Parlamento e não o Parlamento que responde perante si. Não se esqueça que aqui há 230 representantes do povo. Não assessores do seu governo", completou.
Assumindo que o PS será uma "oposição responsável" e "construtiva, mas firme", José Luís Carneiro tentou desambiguar, de forma retórica: "Não nos equivoquemos num ponto central. Nas últimas eleições os portugueses deram a todos e cada um dos deputados um mandato com a mesma dignidade e valor, de defesa das posições que apresentaram e de confiança para os representarem."
"Interpreto que o mandato que recebemos, os deputados do PS, foi para defender um Portugal mais inclusivo, menos desigual, mais tolerante, mais cosmopolita e para construir um país mais moderno, mais avançado, mais inovador e gerador de mais oportunidades. O que neste Parlamento fizermos será norteado pela defesa dos portugueses que se revêm nesse mandato, nunca contra eles", rematou.
O programa do Governo não foi reprovado pelo Parlamento, tendo em conta a votação da moção de rejeição apresentada pelo PCP. A iniciativa da bancada comunista foi rejeitada pelos deputadas com os votos contra do PSD, CDS, Chega, PS, IL e JPP.
Só o PAN escolheu a abstenção. Os restantes partidos – Livre, PCP e BE – votaram a favor.
Num discurso que começou com metáforas futebolísticas, que passaram por referências a um " primeiro-ministro australiano" que "mostrava que tinha dois pés esquerdos" e que considerou "inaceitável", André Ventura lembrou, aludindo ao que disse Luís Montenegro no dia anterior, que Portugal tem "um primeiro-ministro que joga com os dois pés".
"Em regra, joga com os dois pés fora do campo, fora da linha e fora do jogo", disse, não conseguindo esconder um riso, enquanto acusava do chefe do Governo de ser "um mau primeiro-ministro".
Sobre o programa do Governo, o líder do Chega disse que o primeiro-ministro trouxe para debate "uma proposta de governação e alteração aos modelos", que na verdade, frisou, são "mais powerpoints, mais anúncios e medidas que sabemos que não vão ser aplicadas".
"É igual a António Costa", acusou, antes de estender a sua intervenção ao deputado do PS José Luís Carneiro, por ter puxado, disse com ironia, "pela energia de que o país precisava" durante o discurso.
"Isto é só marasmo", disse, afirmando que "há um líder da oposição e há muletas do Governo neste Parlamento".
Afirmando que "vivemos um novo tempo histórico" num "novo contexto político", André Ventura ironizou com o que disse que tem sido apondado: "Vem aí o fascismo."
"Que ninguém tema, porque quem não roubou o país não tem nada a temer do Chega nem do movimento que leva o Chega para a frente", garantiu, antes de lembrar que "ontem [terça-feira, dia 17 de junho] mesmo um polícia foi esfaqueado em Loures".
"Ouviram um dirigente político" comentar o tema, questionou de forma retórica.
"Viram cravos na rua? Viram aberturas de telejornais?"
"Passou a haver ódio do bem e ódio do mal", apontou, enquanto esclarecia que, para o Chega, se "é violência é condenável".
"A vida do polícia não interessa", disse, atribuindo a afirmação aos seus opositores ideológicos e estendendo a ideia às vidas dos comerciantes, dos professores.
"Interessa é do coitadinho", acusou. "Se for um português comum, morre, morre, morre e mais nada", continuou.
Continuando os ataques, André Ventura disse que não interessa "os enfermeiros agredidos por ciganos e outras minorias", acabando por argumentar que, "se pudessem cortavam o direto agora mesmo".
Com a ideia de que "o país está a mudar", Ventura disse que o Chega "não tem medo de dizer que é cigano ou imigrante ou de uma minoria. Se é criminoso, é criminoso e vai para a prisão."
A anteceder o debate preparatório do Conselho Europeu, e em alusão a alertas de "discurso de ódio" feita por este órgão do Parlamento Europeu, o líder do Chega, sem explicar a acusação, criticou "essa instituição" pela "distribuição de tachos".
"O nosso povo que é sempre sábio", disse o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, argumentando com esta ideia que o povo "escolheu um programa político" e "validou um Governo", enquanto "escolheu o Chega como segunda força política, e o PS, quiçá pelo populismo em que se vestiu", ficou em terceiro lugar em termos de mandatos.
"Este programa do Governo é um espelho cristalino do nosso compromisso com o espírito reformista", completou o deputado social-democrata, acrescentando que é um "reflexo puro da vontade dos portugueses no dia 18 de maio".
"Muitos se indignaram com argumentos contraditórios", disse, estendendo o argumento ao que atribuiu a outros, que diziam que "o programa do Governo plagia", em alusão às medidas incorporadas no documento que vieram de outros partidos.
"O programa do Governo tem propostas do Governo" e "não nos arrogamos da sabedoria plena", lançou Hugo Soares antes de se virar para cada uma das bancadas e dizer a cada um dos líderes partidários e das bancadas algumas medidas que integram o programa e com as quais teríam de concordar, ainda que, durante aquela intervenção, não pudessem responder em tempo real.
Especificamente sobre a intervenção de André Ventura, o deputado social-democrata questionou, retoricamente, que "se o Conselho da Europa é assim tão mau, se não serve para nada e se o Chega quer combater os tachos", por que motivo é que o partido "tem deputados nessa delegação do Parlamento".
"O Chega, em coerência com as declarações do deputado André Ventura, não indicará nenhum deputado" para as instituições internacionais, concluiu.
À margem da discussão em torno do programa do Governo, em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, a líder do Bloco de Esquerda afirmou que “este assunto é demasiado importante para ser ignorado. Este é o Governo mais à direita que Portugal teve, não só no seu projeto ideológico mas porque cedeu em toda a linha ao radicalismo dos liberais para proteger os mais ricos e ao extremismo do Chega para atacar os mais frágeis”.
Mariana Mortágua criticava a “sistemática desvalorização das ameaças à segurança de grupos de extrema-direita”, que, para a agora deputada única bloquista, começou com a não inclusão no Relatório Anual de Segurança Interna de dados sobre violência associada a grupos de extrema-direita.
Tendo em conta o assunto, Mariana Mortágua garantiu que vai chamar ao Parlamento o diretor nacional da PJ e a ministra da Administração Interna.
"O caminho é para piorar em várias áreas", avisou logo no início da sua intervenção a líder do PAN, Inês de Sousa Real, que já tinha classificado o programa do Governo como "mau".
"Quando o Governo promete reformas, o que serve são retrocessos. Quando o Governo promete humanismo, o que serve são cedências à agenda discriminatória e preconceituosa do populismo antidemocrático", expôs a deputada única do PAN, antes de elencar todas as áreas que serviram como argumento para as suas acusações.
"Na habitação, para além de continuarmos a ter atrasos gritantes na aprovação do porta 65, vemos uma política que oscila entre a habitação pública que nunca sai do papel e a criação de incentivos à construção de casas de 1 milhão de euros que não vão resolver a crise sentida pelas famílias", lançou, antes de lembrar que "na saúde insiste-se na receita e na ministra que no último ano aumentaram o número de utentes sem médico de família", na mesma medida em que, na educação, "a AD finalmente se sentiu à vontade para pôr a descoberto uma agenda que quer aumentar as propinas e empurrar os alunos para o endividamento".
Observando a desproporção entre homens e mulheres no Executivo de Luís Montenegro, Inês de sousa Real apontou o dedo ao facto de "os direitos das mulheres" estarem "sob um ataque sem precedentes", "quando a violência doméstica já matou sete pessoas só nos três primeiros meses do ano".
"Por tudo isto, somos um partido que ficará na oposição a este Governo, em defesa intransigente dos direitos humanos, do estado social e dos direitos dos animais, e de um combate consequente à crise climática", prometeu.