Livre quer regulamentar estatuto das pessoas sem nacionalidade

O número, em Portugal, de “pessoas que não são consideradas, por qualquer Estado, por qualquer país, como tendo nacionalidade”, não é concreto, mas este é um estatuto que está previsto na Constituição, que já foi legislado no Parlamento e que, de acordo com o deputado do Livre Paulo Muacho, está relacionado com uma condição que “afeta de forma transversal e permanente a vida das pessoas” nestas circunstâncias, impedindo-as de ter identificação, de “fazer o mais básico do dia a dia”, como ter um trabalho, ter contribuições para a Segurança Social ou poderem andar de transportes”. O estatuto do apátrida é esta quinta-feira discutido na Assembleia da República.Ao DN, Paulo Muacho disse acreditar que o projeto de lei que o Livre leva esta quinta-feira ao Parlamento, juntamente com outro do BE sobre o mesmo tema, será aprovado, e deu vários argumentos para sustentar esta fé. Por um lado, na legislatura anterior, a Lei n.º 41/ 2023, de 10 de agosto, foi aprovada com os votos favoráveis de todos os grupos parlamentares e a abstenção do Chega e permitiu a definição de apátrida em vários outros diplomas legais. Só acabou sem regulamento porque entretanto o Governo, na altura liderado por António Costa, caiu. Para além disso, diz o deputado, “o relatório do projeto de lei já foi discutido em comissão” e “nenhum grupo parlamentar se manifestou contra”, ainda que alguns tivessem apontado a “necessidade de fazer trabalho na especialidade”.No que diz respeito a “questões técnicas” que os outros partidos podem querer corrigir, o deputado do Livre destaca um, sob a forma de “receio”: “Tendo em conta o discurso que tem sido feito ultimamente, inclusivamente no debate que houve sobre o acesso de estrangeiros ao SNS [Serviço Nacional de Saúde], uma das propostas aprovadas, do Chega, excluía os apátridas de poderem aceder ao SNS e foi uma proposta aprovada pelo PSD.”Questionado pelo DN sobre se, caso o projeto de lei seja aprovado e cumpra o seu ciclo natural até ser aplicado, as pessoas em situação de apátrida terão acesso ao SNS, Paulo Muacho garante que sim, se residirem em Portugal.Ainda que este ponto traga incerteza, o deputado do Livre tem a “expectativa de que o PSD mantenha a posição que teve no mandato anterior, de considerar que é relevante avançar com este projeto e conseguir criar este estatuto”.Se o Livre conseguir fazer passar o projeto de lei, haverá alterações em três outros diplomas legais, como a Lei da Nacionalidade, o Regulamento da Nacionalidade portuguesa e o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.A proposta do Livre prevê, através da alteração na Lei da Nacionalidade e no regulamento correspondente, que sejam também considerados portugueses de origem “os indivíduos nascidos no território português bem como a bordo de navio de bandeira portuguesa ou aeronave matriculada em território nacional e que não possuam outra nacionalidade”.O Livre propõe também que seja concedida “a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos titulares do estatuto de apátrida que, “cumulativamente”, residam em Portugal “há pelo menos três anos”, que conheçam “suficientemente a língua portuguesa” e “não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, criminalidade violenta, especialmente violenta ou altamente organizada”. O documento apresentado pelo Livre contempla também que seja a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) a emitir a documentação que prove que as pessoas residem em Portugal há pelo menos três anos, ainda que haja margem para essa prova ser dada pelas juntas de freguesia, “caso a pessoa cumpra os restantes requisitos”.Sobre quem são, neste momento, as pessoas em situação de apatridia, Paulo Muacho tem uma ideia, mas explica que é difícil “contabilizá-las e conseguir ter dados oficiais sobre a sua existência”, porque não têm “documentação, nem nacionalidade de nenhum Estado”.Apesar da falta de um retrato oficial que mostre quem são estas pessoas, o deputado exemplifica os fatores que estão na origem desta condição, como acontece com os países da ex-Jugoslávia, por, no momento da separação, não ter havido “articulação entre as várias leis da nacionalidade”. Além disto, “há países que não reconhecem casamentos inter-religiosos e, portanto, aos filhos desses casamentos não lhes é reconhecida a nacionalidade de nenhum Estado”.Para Paulo Muacho é precisamente a invisibilidade destas pessoas que “ilustra muito bem a situação de fragilidade e de ausência de direitos, quase ausência legal” de que sofrem. “Podemos estar a falar de dezenas ou algumas centenas de pessoas nesta situação”, conclui.

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