"Remigração é a solução.” Começou em Portugal em publicações de grupos extremistas anti-imigração, como o 1143 e a Reconquista. Depois, integrantes da juventude do partido Chega passaram a utilizar o termo nas redes sociais, onde atuam de forma organizada e com comunicação planeada. Agora, a palavra “soft” para deportação em massa chegou aos mais altos quadros do partido. Recentemente, a deputada Rita Matias escreveu no X (antigo Twitter) que a “remigração é a solução”. Na mesma semana, o deputado Bruno Nunes usou o termo num debate televisivo. Um meme do deputado André Ventura vestido de comandante aéreo, dando a entender que será o responsável pela deportação dos imigrantes, também viralizou nas redes sociais. . Como o DN demonstrou em reportagem, no mês de maio do ano passado, os grupos extremistas acabam por influenciar a narrativa do Chega. O facto de o partido passar a falar abertamente sobre remigração é motivo de celebração entre os grupos extremistas portugueses. Afonso Gonçalves, líder da Reconquista, previu, num spaces (transmissão em áudio no X) em janeiro que o partido começaria a utilizar esta palavra “antes de maio”. Na mesma plataforma, comemora que acertou na previsão, confirmada ainda mais cedo do que o previsto.Vários integrantes de movimentos xenófobos comemoram o passo dado pelo Chega. O grupo Habeas Corpus, do ex-juiz Rui Fonseca e Castro, expulso da magistratura por atitudes negacionistas na pandemia de covid-19, também celebrou que outros partidos tenham “inserido a palavra deportação no seu léxico discursivo”. Mas, o significado de remigração é o mesmo para todos? Entre os grupos, que geralmente apoiam o Chega ou o Ergue-te (antigo PRN), há um consenso sobre o significado: deportação não só de imigrantes sem documentos que lhes permitam viver em Portugal ou dos que cometem crimes, mas de praticamente todos os imigrantes do país, incluindo os que já obtiveram nacionalidade portuguesa, defini- dos como “falsos portugueses”.O consenso é a nível europeu, uma vez que noutros países, como Alemanha e França, o assunto é debatido há mais tempo. Em maio, terá lugar um evento chamado 1st Remigration Sum- mit para “clarificar, de uma vez por todas”, este significado.Ao DN, o Chega não quis responder o que entende por remigração. O investigador Riccardo Marchi explica ao jornal que “o que está a acontecer em Portugal é transversal a todos os partidos, aos grandes partidos de direita na Europa. Agora, o significado do termo remigração, por estes grandes partidos, é diferente daquilo que entendem os movimentos”.De acordo com o investigador, a remigração passa “fundamentalmente por três etapas”. A primeira é deportar os imigrantes sem autorização de permanência; a segunda é expulsar os cidadãos “que cometam crimes ou que não querem integrar-se na cultura Ocidental”; e a terceira é incentivar que, mesmo os cidadãos com título de residência, voltem aos seus países de origem. “É aquilo que está a acontecer, mais ou menos, na Suécia. O Estado sueco está a dar incentivos de até 30 mil euros para imigrantes que querem voltar aos países de origem, montarem aí um negócio, reconstruirem a sua vida”, relata Marchi.Outro ponto destacado pelo professor é de que a remigração não é somente um conceito jurídico, mas também étnico-racial. “Ou seja, quem não entra no fenótipo português lusitano, todos aqueles que se desviam deste padrão aqui, tendem a voltar atrás, exatamente para não modificar morfologicamente o povo português”, explica.Segundo o professor, entre os partidos de direita radical há um consenso entre as duas primeiras etapas - e, no caso de Portugal, estão previstas em lei. Já a terceira está a criar “algum atrito, algum choque entre os movimentos identitários e os grandes partidos”. Para Riccardo Marchi, o caso português “é emblemático, neste sentido”, porque não se referem, pelo menos para já, a deportar os que estão com documentos no país.Também no caso do Chega o investigador considera “complicado” alinhar na teoria étnico-racial. “Isto não existe no Chega, porque seria complicado, no caso da Rita Matias, que tem ascendência indiana, ou Mithá Ribeiro, ou Marcos Santos, aquilo não cola dentro do partido e não cola também na base militante”, argumenta. Ao mesmo tempo, o investigador considera “uma hipótese muito próxima da realidade” que o Chega esteja a ser influenciado por grupos como o 1143 e a Reconquista no caso do tema imigração..“Isto não existe no Chega, porque seria complicado, no caso da Rita Matias, que tem ascendência indiana, ou Mithá Ribeiro, ou Marcos Santos, aquilo não cola dentro do partido e não cola também na base militante”, argumenta.. Efeito Trump?Sobre um possível “efeito Trump”, Riccardo Marchi analisa que não deverá ter impacto direto nas leis europeias, mas sim no discurso. Há aqui uma diferença fundamental. As leis da União Europeia (UE) são diferentes das dos Estados Unidos, o que torna a deportação de imigração um processo mais burocrático, apesar de existir essa possibilidade. Quem explica é a professora de Direito Emellin de Oliveira, advogada especialista em Imigração.“Os Estados Unidos não são signatários da maioria dos acordos e convenções de matéria de Direitos Humanos e Portugal é. Portugal e os países da União Europeia, de forma geral, são signatários da maioria desses acordos, o que significa que há limites.”Na visão da especialista, os defensores portugueses das remigração “esquecem” que existem leis a serem respeitadas. “Os defensores da remigração, que querem devolver as pessoas, inclusive os descendentes, esquecem que Portugal faz parte das convenções de Direitos Humanos, sendo a principal a Convenção Europeia de Direitos Humanos. Aliás, o próprio Tribunal Europeu de Direitos Humanos tem valorizado a vida privada, os laços sociais e, por isso, não se pode afastar de forma indiscriminada as pessoas, porque estaria a violar Direitos Humanos”, analisa Emellin de Oliveira.Para a investigadora, há um “aproveitamento político do tema”, em Portugal, nos últimos tempos, além de um desconhecimento geral do assunto, por ser complexo. “Há uma instrumentalização, diria eu, das informações. A maioria das pessoas não conhecem a fundo essas matérias, que são matérias complexas. Portanto, acaba por ser também mais fácil, diria eu, de ser instrumentalizada, porque o conhecimento geral acaba por ser superficial”, argumenta.Mesmo com os mecanismos dos quais Portugal faz parte, a lei já prevê que cidadãos sem documentos sejam deportados. Segundo dados oficiais do Eurostat, 695 cidadãos estrangeiros receberam ordens para deixar o território português nos nove primeiros meses do ano passado. No entanto, destes 695, 115 efetivamente cumpriram a ordem de saída. Os números relativos ao último trimestre serão divulgados no próximo mês.Desde a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) pelo Governo do Partido Socialista (PS), o trabalho de retorno dos cidadãos estrangeiros é da responsabilidade da Guarda Nacional Republicana (GNR) e Polícia de Segurança Pública (PSP). O atual Governo tentou criar uma unidade específica para cuidar deste trabalho, mas o projeto foi chumbado no Parlamento pelo Chega e pelo PS.A legislação portuguesa também prevê pena de expulsão para cidadãos estrangeiros que sejam condenados por crime doloso, com pena superior a 1 ano de prisão. Para a aplicação desta medida, que é acessória, o tribunal leva em conta “a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal”.Ou seja, a decisão de aplicar a pena de expulsão não é automática, mas sim, depende do tribunal penal e também administrativo. Segundo Emellin de Oliveira, é um processo complexo. “Às vezes, uma situação de expulsão ou de retorno de uma pessoa pode demorar mais do que inicialmente previsto. É um procedimento caro e burocrático para o Estado”, reflete.Nesta semana, a Iniciativa Liberal (IL) propôs um aumento das penas de prisão por auxílio à imigração ilegal reforçando a expulsão, após cumprimento parcial por crimes contra a vida, contra a integridade física, contra a liberdade pessoal, contra a liberdade e autodeterminação sexual, de tortura, terrorismo e contra o Estado.Para o investigador Riccardo Marchi, um “real” efeito Trump, juntamente com questões europeias, é “uma atenção à questão migratória, tanto na direita quanto na esquerda”, citando o próprio exemplo de Pedro Nuno Santos, que assumiu alguns erros do PS neste matéria.amanda.lima@dn.pt.Ventura fala em "reconquistar a Europa cristã" em encontro com líderes de extrema-direita."Uma candidatura anti-corrupção e anti-imigração". Ventura entra na corrida a Belém