A “cláusula derrogatória nacional”, que permite aos Estados-membros abrir exceções às obrigações fiscais do pacto de crescimento e estabilidade ao mesmo tempo que investem em Defesa, está prevista no Livro Branco sobre a Defesa Europeia, anunciado em março. E, esta quarta-feira, o Governo pediu formalmente à Comissão Europeia (CE) para que esta exceção orçamental possa ser ativada pelo Estado português.Com isto - e caso o pedido seja aceite pela CE - Portugal passa a poder fazer um reforço do investimento na área até ao limite de 1,5% do Produto Interno Bruto (ou seja, cerca de 4,2 mil milhões de euros), deixando essas contas fora do cálculo do défice, e evitando assim penalizações da União Europeia por incumprimento das metas estabelecidas.O anúncio foi feito em comunicado do Ministério das Finanças. Segundo a nota do gabinete de Joaquim Miranda Sarmento, a decisão foi “consensualizada” com o “maior partido da oposição”, o PS. Em reação, o secretário-geral socialista confirmou que o partido “foi informado e concordou” sobre o tema, ainda que tenha deixado claro que o “PS e o PSD são dois partidos diferentes e é bom que assim seja”. Isso não impede, no entanto, que “haja entendimentos em matérias essenciais do Estado”, garantiu Pedro Nuno Santos.Ouvido pelo DN, Luís Dias, coordenador do PS para a área da Defesa, concordou com a perspetiva do secretário-geral, acrescentando ainda que “esta é uma solução que protege mais o país em relação ao peso de uma catapulta de investimento” que deve ser feito nesta área. Esta solução, disse o deputado, era “um mecanismo” que os socialistas “já apontavam como necessário para que o peso destes investimentos” não representem “um problema para o equilíbrio das contas nacionais”..FMI. Gabinete de Vítor Gaspar diz que governos têm de poupar mais para "acomodar" os novos gastos militares.Mais à esquerda, a discórdia é maior. António Filipe, do PCP, considera mesmo que “é um escândalo” que a UE “não esteja” disponível para criar uma regra semelhante para “despesas sociais”. Que “despesas” são essas? Apoios que pudessem ser “utilizados para melhorar o Serviço Nacional de Saúde ou o problema da habitação”, por exemplo, disse o deputado comunista. “Temos uma posição muito clara sobre isto: esta atitude é um escândalo”, criticou o deputado.Por sua vez, Catarina Martins, antiga coordenadora do Bloco de Esquerda e atual eurodeputada, considerou que isto mostra que o Governo “está do lado” de outros executivos europeus acerca das “crises do nosso tempo”. “A União Europeia já tem despesas militares duas vezes superiores à Rússia”, acrescentou, seguindo a mesma linha argumentativa que a atual líder bloquista já expressara num debate eleitoral onde a Defesa foi abordada. Exemplo disso são os “governos de Espanha ou de Itália, com famílias políticas tão distintas”, com Pedro Sánchez e Giorgia Meloni a “pedirem que se olhe para lá da Defesa”. “Foram muito claros”, acrescentou Catarina Martins, antes de rematar: “Qualquer pessoa sente na pele os problemas da habitação ou da saúde. Este pedido do Governo é absurdo. Num momento tão complicada, vemos que a AD não teve uma visão ampla dos problemas. E com isto, o PS revela-se tão incapaz quanto a AD.”Mariana Mortágua afirmou também, numa iniciativa em Beja, que “não faz sentido” o Governo “gastar mais dinheiro em armas” com esta isenção, e as prioridades deviam ser “a habitação, a saúde ou a ferrovia”.No entanto, o Chega "não podia estar mais de acordo". Ouvido pelo DN, o deputado Pedro Pessanha referiu que "é fundamental olhar para o investimento em Defesa e para uma meta já acima dos 2% do PIB, como os 3,5%". Mas mais do que "investir 1,5%" é necessário definir "como vai o dinheiro ser distribuído". Relembrando as palavras das chefias militares - que foram partilhadas, inclusive, na Grande Conferência do DN sobre Defesa -, Pedro Pessanha defendeu ser "necessário ter Forças Armadas coesas e reter mais pessoal". "É urgente que o Governo valorize os homens e mulheres que escolhem a carreira militar", defendeu.Questionados pelo DN, IL, Livre e PAN não reagiram a esta decisão do Governo.Pactos entre PSD e PS são raros, mas não inéditosAinda que, como frisou o secretário-geral socialista, PS e PSD “sejam partidos diferentes”, ambos têm um historial de acordos de regime entre si.Há quase 20 anos, por exemplo, sociais-democratas e socialistas chegaram a um entendimento. Em 2006, o tema que mereceu consenso foi a Justiça, com os líderes partidários de então (Marques Mendes, do PSD, e José Sócrates, do PS) a colocarem as diferenças de lado e a entenderem-se. Para este desfecho foi também protagonista o então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.Mais recentemente, PS e PSD entenderam-se também quanto à necessidade de rever a Constituição. O processo - que chegou a iniciar-se - acabou por não terminar devido à queda do anterior Governo, liderado por António Costa.Já no início da legislatura passada, os dois partidos fizeram um acordo (ainda que de forma tácita) para se conseguir eleger um presidente da Assembleia da República. Os socialistas viabilizaram o nome de José Pedro Aguiar-Branco, candidato do PSD, com a condição de, a meio da legislatura (entretanto terminada), os sociais-democratas aprovarem um nome indicado pelo PS.Caças, mais qualidade e melhor salários: as prioridadesOs especialistas do setor não têm dúvidas: vivemos “em tempos incertos” e é preciso investir mais em Defesa. Mas, reiterou a investigadora Raquel Vaz-Pinto na Grande Conferência do DN sobre Defesa Nacional, a prioridade deve ser investir “mais em qualidade” e menos em quantidade”. As chefias militares, por sua vez, colocaram o foco na atratividade das carreiras, para que a taxa de retenção dos jovens possa aumentar. Tudo porque o “mercado civil”, que compete com a carreira nas Forças Armadas com “salários impossíveis” de equiparar. Além disso, o general Cartaxo Alves, chefe do Estado-Maior da Força Aérea, considerou ainda que “Portugal não tem alternativa” aos caças F-35, produzidos pelos Estados Unidos, apesar de serem “montados na Europa”. “São aviões de quinta geração. Todos os países têm”, frisou. Na abertura da conferência, Nuno Melo, ministro da Defesa, defendeu que as Forças Armadas “são a última fronteira da independência”, e sendo Portugal “um país soberano”, se for “chamado a investir mais, terá de estar à altura”. O orçamento atual para a Defesa, disse o governante, é de “3,1 mil milhões de euros” - bem abaixo, por exemplo, do da Saúde (14,9 mil milhões).Esta quarta-feira, em Conselho de Ministros, o Governo aprovou um decreto-lei para fixar em 4 mil o número de militares para ingressar nos quadros permanentes das Forças Armadas, quer por voluntariado ou em regime de contrato. .Chefes militares pedem mais investimento e capacidade técnica para travar saídas de uma "carreira digna".Portugal deve pensar "mais em qualidade" e menos em quantidade nos investimentos em Defesa