Caso da Spinumviva. Pedro Nuno Santos diz que confiança em Montenegro "não existe" e Ventura quer PM demitido
A polémica já estava instalada, mas agravou-se esta sexta-feira depois da notícia do semanário Expresso dar conta de que a Spinumviva – a empresa familiar de Luís Montenegro que esteve no centro de uma moção de censura que o Chega apresentou ao Governo há uma semana – recebe, desde julho de 2021, ainda antes do atual primeiro-ministro ter sido eleito presidente do PSD, uma avença mensal de 4500 euros do grupo detentor de casinos e hotéis Solverde, por prestação de "serviços especializados de compliance e definição de procedimentos no domínio da proteção de dados pessoais".
Os partidos reagiram de imediato, exigindo explicações e insistindo em perguntas que já tinham lançado ao chefe do Governo. André Ventura foi o único opositor de Montenegro que, através duma publicação no X, só lhe deixou duas opções possíveis: "Deve apresentar hoje a demissão ao Presidente da República ou uma moção de confiança no parlamento". O PCP também defende que o governo "não tem condições para continuar". Os restantes partidos insistiram nas explicações, ainda que tivessem destacado a falta de confiança que dizem sentir em relação ao primeiro-ministro.
"A menos que o primeiro-ministro esteja confortável em ser o novo José Sócrates da política portuguesa, só há um caminho para Montenegro sair disto com o mínimo de credibilidade e integridade", escreveu o líder do Chega na sua publicação, acabando por deixar as duas opções que disse serem viáveis nesta circunstância.
No Porto, esta sexta-feira, antes de uma cerimónia no âmbito do segundo dia da visita do presidente francês, Emmanuel Macron, ao país, o primeiro-ministro, confrontado pelos jornalistas sobre a notícia da sua empresa, prometeu anunciar, no dia seguinte, a sua "decisão para encerrar este assunto de vez".
"Amanhã [sábado], às oito horas, comunicarei ao país as minhas decisões pessoais e políticas sobre esta matéria para que o Governo possa governar, concentrar toda a sua atenção, toda a sua disponibilidade, a servir o interesse do país e dos portugueses", assegurou, anunciando que haveria no mesmo dia uma conselho de Ministros extraordinário.
Sobre os eventuais clientes aos quais a Spinumviva presta serviços, Montenegro disse que não teria nenhum problema em que estes fossem revelados.
"Espero mesmo que dada toda esta situação isso possa acontecer nas próximas horas e que ou, por sua iniciativa ou com a sua autorização o nome das empresas, cujo perfil eu próprio anunciei na Assembleia da República, possa ser conhecido", disse.
O primeiro-ministro garantiu que nenhuma das decisões que tomou foi "em conflito de interesses com qualquer atividade profissional ou interesse particular" que desempenha ou desempenhou.
"Nunca aconteceu e nunca acontecerá. Sempre que acontecer alguma situação em que da minha intervenção ou da minha possibilidade de decisão houver alguma colisão com algum interesse particular, seja por via do exercicío de funções profissionais, seja até por via do conhecimento pessoal, eu eximir-me-ei de intervir", completou.
Sobre "serviço de assistência jurídica a esse grupo numa altura em que não tinha nenhum cargo político".
"Evidentemente que em função disso não participarei em nenhuma decisão ou processo decisório que envolva essa empresa", prometeu, enquanto garantia estar inibido pelo "conhecimento pessoal dos acionistas" da Solverde.
De acordo com a notícia divulgada pelo Expresso, "a ligação [entre o primeiro-ministro e o grupo que gere casinos e unidades hoteleiras] ganha relevo porque Montenegro trabalhou para a Solverde entre 2018 e 2022, tendo sido o representante do grupo nas negociações com o Estado que resultaram numa prorrogação do contrato de concessão dos casinos de Espinho e do Algarve".
De advogado a empresário e as perguntas por responder
Pedro Nuno Santos, pouco depois das declarações de Luís Montenegro, reagiu na Assembleia da República afirmando que a notícia em torno da Spinumviva "é grave e vem confirmar que o PS tinha razão quando fez sistemáticos apelos para que" o primeiro-ministro "desse todas as explicações", durante a moção de censura.
Para o líder socialista, "a confiança [no primeiro-ministro] tem de ser restabelecida", porque, sublinhou, "neste momento não existe".
Pedro Nuno Santos reiterou as perguntas que tinha deixado, sem resposta, há uma semana, durante o debate em torno da moção de censura do Chega ao Governo.
"Quais foram e quais são os clientes da empresa do senhor primeiro-ministro", destacou, antes de dizer que Montenegro teria também de esclarecer "quais são os serviços que foram prestados a esta empresa, por que preço e porquê".
"Temos de ter a certeza de que o senhor primeiro-ministro não ficou a dever favores a ninguém", afirmou, antes de constatar que, até agora, o primeiro-ministro "era apenas um advogado. Descobrimos entretanto que o senhor primeiro-ministro também era empresário. É fundamental que sejam dadas todas as explicações", advertiu.
Para além disto, Pedro Nuno Santos considerou ser "fundamental saber quem é que presta os serviços da empresa" e "que preço foi pago" a quem os presta.
Questionado pelos jornalistas sobre se considera, como resposta a esta polémica, a possibilidade de constituir uma comissão de inquérito ou de o PS avançar com uma moção de censura, Pedro Nuno Santos garantiu que "o Partido Socialista não exclui nada", no entanto, acrescentou, "o importante é que o senhor primeiro-ministro responda de forma cabal às perguntas".
Entretanto, a empresa criada por Luís Montenegro, no início da tarde, enviou às redações do país um comunicado, ao qual o DN teve acesso, que revelava uma lista de clientes "que mantêm um vínculo permanente com a consultora Spinumviva, Lda, na área da implementação e desenvolvimento de planos de ação no âmbito da aplicação do Regulamento Geral de Proteção de Dados são: Lopes Barata, Consultoria e Gestão, Lda; CLIP - Colégio Luso Internacional do Porto, SA; FERPINTA, SA; Solverde, SA; Radio Popular, SA."
Para além de uma lista exaustiva de serviços prestados a estas empresas, a Spinumviva ainda garantiu que "os preços cobrados e pagos" por estes clientes "atendem à dimensão e complexidade dos trabalhos com cada" um deles "e oscilam entre os 1000 euros e os 4500 euros mensais".
Apesar destes dados, Pedro Nuno Santos, esta sexta-feira à noite não se mostrou convencido com as explicações divulgadas pela Spinumviva, acrescentando que, além de o comunicado não responder "a todas as perguntas que foram colocadas" também "não estão lá todas as empresas". "O grupo Cofina [atual MediaLivre]", apontou o líder socialista, afirmando que é sabido que é um dos clientes da empresa de Montenegro.
"O mais lamentável é que o primeiro-ministro não tenha tido coragem de assumir aquele comunicado", destacou Pedro Nuno Santos, acrescentando que "aquelas empresas só trabalham com o senhor primeiro-ministro porque ela é de Luís Montenegro".
"Nós hoje sabemos que o senhor primeiro-ministro continuou, através de uma empresa que criou, a receber avenças, enquanto era primeiro-ministro."
"Aqueles clientes foram angariados pelos senhor primeiro-ministro", insistiu, antes de considerar que "o povo português e o país não mereciam isto".
Os ultimatos e o anúncio às oito da noite
A líder do BE também reagiu à polémica em torno da empresa familiar ligada ao primeiro-ministro, afirmando que Luís Montenegro “tem uma chance” para prestar esclarecimentos, antes “que o Parlamento tome nas suas mãos este assunto”.
Para Mariana Mortágua, há várias dúvidas “que têm de ser imediatamente esclarecidas”, nomeadamente no que diz respeito aos “clientes da empresa do primeiro-ministro”.
“É preciso saber que tipo de serviços foram prestados e quando, e é preciso saber as remunerações desses serviços. Não é possível continuar sem que estas informações sejam disponibilizadas ao Parlamento e ao país”, advertiu, ainda antes de ser conhecido o comunicado da Spinumviva.
A deputada bloquista lançou também um ultimato ao primeiro-ministro, baseado no esclarecimento que ele próprio tinha dado há poucos minutos: “O primeiro-ministro tem um prazo muito curto para poder dar estas informações e, na verdade, foi o próprio que hoje [sexta-feira] estabeleceu este prazo. Até amanhã às oito da noite, o país tem de conhecer todas as informações.”
Sobre o prazo imposto pelo próprio primeiro-ministro, Mariana Mortágua vincou que seria inaceitável que a conferência de imprensa anunciada pelo primerio-ministro não servisse "para esclarecer cabalmente todas as informações sobre a empresa. Portanto, das duas, uma. Ou o primeiro-ministro está disposto a esclarecer todas estas informações, ou tem de estar disposto a aceitar as consequências da sua opacidade e da sua falta de vontade de transparência."
Tendo em conta a hora marcada por Montenegro para prestar os esclarecimentos ao país no sábado, a líder do BE deixou um aparte em tom pedagógico, em alusão ao último comunicado que o primeiro-ministro fez às oito da noite, na altura para anunciar números relacionados com segurança: "Já agora, uma nota lateral – É para isto que servem conferências de imprensa às oito da noite, para este tipo de temas".
“Tem uma chance, uma chance de evitar que o Parlamento tome nas suas mãos este assunto e tem mecanismos para o fazer, para esclarecer o país, para obrigar à transparência, para evitar a opacidade e é isso que faremos se a isso formos obrigados", alertou, acabando por referir, como exemplo, comissões de inquérito.
Também o porta-voz do Livre, Rui Tavares, argumentou que "os clientes que foram clientes da empresa de Luís Montenegro tiveram uma relação económica com ele. Mas ele agora tem uma relação de lealdade para com os portugueses e essa relação é mais importante do que tudo", frisou.
Acusando Luís Montenegro de não ter sido transparente no processo, Rui Tavares disse não ter "confiança institucional" no primeiro-ministro.
"Não se pode preservar confidencialidade com os antigos clientes, ao mesmo tempo dizendo que se foi transparente com os portugueses, porque aquilo que o senhor primeiro-ministro fez foi um exercício de ofuscação aqui no debate da moção de censura", responsabilizou.
Já o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, afinado com o sentido de voto do partido em relação à moção de censura do Chega ao Governo – que foi de abstenção – defendeu esta sexta-feira que o Governo "não tem condições de continuar".
“O bom-senso levaria a tomar decisões em função dessa reflexão. Não há nenhuma dúvida de que este Governo não tem condições para continuar. É preciso encontrar um Governo e uma política completamente diferentes”, afirmou.
Classificando a relação da empresa do primeiro-ministro com o grupo Solverde como estando alinhada com a "promiscuidade" que o Governo da Aliança Democrática desmontrara face aos grande grupos económicos, Paulo Raimundo considerou, relativamente ao comunicado que Montenegro prometeu para sábado à noite, que “não há explicação nenhuma que valha perante o que se conhece”. E deixou ainda uma pergunta retórica: “Vai explicar o quê?”
Com uma insistência em explicações e até com uma receita para que o problema se resolva – o abandono da empresa –, o líder da IL, Rui Rocha, defendeu que, "se Luís Montenegro quer de facto continuar a ser primeiro-ministro, tem de extinguir esta empresa ou tem de desfazer-se dela, mas para bem longe de si próprio e para bem longe da sua família".
A segunda parte do plano do deputado liberal para Luís Montenegro passa por "explicar tudo: Quem são os clientes, que trabalhos concretos é que foram feitos para esses clientes, quanto é que esta empresa recebe e, sobretudo, a partir de 2024, quem é que prestou os serviços a estes clientes, se foram pessoas contratadas fora da empresa".
Por fim, a prescrição de Rui Rocha para o primeiro-ministro assenta numa cisão completa do chefe do Governo com a Spinumviva, não podendo haver qualquer ligação, "seja por via direta, seja por via de participações familiares".
Já a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito em torno deste caso é algo que o lider da IL rejeita.
"Nós não podemos estar sistematicamente a tirar a responsabilidade das pessoas. Uma comissão de inquérito é dizer 'já que tu não resolves, nós vamos tentar esmiuçar, escavar aqui mais um bocado'. Não, o primeiro-ministro de Portugal tem uma responsabilidade, tem de a assumir e de dizer ao país o que pretende fazer", vincou.