Imigrantes. Grupo de trabalho com PJ e AIMA recomenda retornos mais rápidos
A decisão de notificar cerca de 18.000 imigrantes para deixarem o país em 20 dias - tema do final de semana na campanha política, no noticiário e nas redes sociais - está prevista na atual legislação portuguesa, além de estar em linha com recomendações de um grupo de trabalho para adaptar a legislação às regras do Plano de Ação para as Migrações da União Europeia (UE), que apresentou um conjunto de propostas para acelerar os retornos. Este grupo é coordenado pelo ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) Manuel Palos, (o mesmo que foi julgado e absolvido no processo conhecido como dos “vistos gold), atual oficial de ligação para a imigração do Ministério da Administração Interna (MAI) em Madrid, e integra representantes da Polícia Judiciária (PJ), Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), entre outros.
Apesar de alguma desinformação, certo é que não serão realizadas deportações ao estilo Donald Trump. O processo seguirá a atual Lei dos Estrangeiros e os imigrantes poderão recorrer da decisão, de acordo com a legislação do Código de Processo Administrativo (CPA). No entanto, o Governo da AD quer tornar este procedimento mais rápido, conforme o DN já tinha noticiado, para estar alinhado com outros países europeus. A eliminação de etapas e prazos de recursos são algumas das medidas em agenda. O DN teve acesso ao relatório preliminar do grupo de trabalho criado em 2024 para orientar sobre como acelerar estes processos, medida também necessária para a adequação de Portugal ao Plano Nacional de Implementação do Pacto em matéria de Migração e Asilo. Este relatório foi apresentado ao Conselho Nacional para as Migrações no passado dia 31 de março.
O documento recomenda, por exemplo, que seja extinta a primeira notificação para o retorno voluntário, considerado redundante, que é exatamente o que estará em curso nas próximas semanas para 18.000 imigrantes. A justificação é de que “ao criar uma fase vinculativa que antecede a instauração do procedimento de afastamento, é incompatível com a obrigação de assegurar, desde logo, o retorno dos nacionais de países terceiros por meios coercivos”. É ainda acrescentado que “aos cidadãos sujeitos a decisões de retorno é, em todo o caso, assegurada assistência jurídica gratuita a requerimento”.
Tendo em conta os tribunais já sobrecarregados com processos de incumprimento do Estado nos direitos do imigrantes, é indicada a “a criação de secções especializadas junto dos tribunais administrativos, para o tratamento de matérias relacionadas com estrangeiros, assumiria um papel relevante no âmbito do retorno, atenta a especificidade e sensibilidade que subjaz à matéria”. O objetivo é “obter uma maior eficácia e celeridade do procedimento”, com a recomendação de “assegurada assistência jurídica gratuita a requerimento”.
É assinalada também a necessidade de investir em tecnologia nesta matéria, como outros países europeus já o fazem. “Tomar medidas ativas para criar um sistema informático moderno e eficaz de gestão de processos de retorno, de forma a estabelecer um tratamento da informação e controlos que reflitam as alterações legislativas e administrativas e os requisitos em matéria de fluxo de trabalho”, lê-se no documento.
Outra orientação, que vem da Comissão Europeia, é investir em meios humanos e materiais. “Rever os requisitos em matéria de infraestruturas e a capacidade de pessoal, a fim de poderem prever medidas eficazes que garantam que o cidadão a afastar se encontra à disposição das Autoridades ao longo de todo o procedimento, de modo a prevenir o risco de fuga, incluindo a aplicação de medidas alternativas à detenção”. É destacada a necessidade de existir a “centralização do procedimento de retorno numa única entidade com competência para a iniciativa oficiosa, instrução, decisão e execução do mesmo, poderá contribuir para uma maior celeridade e eficácia do mecanismo de retorno”. A indicação é que de tal entidade “deverá assegurar o funcionamento do sistema em regime de disponibilidade permanente, 365 dias/24 horas”.
É mencionado que a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras da Polícia de Segurança Pública (UNEF/PSP) “reúne as condições para garantir o funcionamento da tramitação de todo o procedimento, tendo em conta as competências que lhe estão cometidas”. A criação da UNEF foi chumbada no Parlamento pela união do Partido Socialista (PS) e do Chega em dezembro passado no Parlamento.
A UNEF viria a preencher uma lacuna existente no aspeto prático da legislação atualmente. Com o fim do SEF, a competência de retorno ficou sob a responsabilidade da Agência para a Integração, Migrações e Asilo. No entanto, a AIMA não possui meios para este trabalho, nem mesmo para as demais necessidades de documentação dos imigrantes com título de residência em Portugal. Os números do Relatório para Imigração e Asilo corroboram.
Em 2019 foram 4.834 notificações de abandono voluntário, enquanto em 2023 caiu para 658, uma diminuição de 86%. O mesmo para processos de afastamento coercitivo, que caíram 51% no período de 2019 a 2023. De acordo com dados oficiais do Eurostat, Portugal é um dos países que menos afasta imigrantes do território, estando apenas atrás da Eslováquia, na UE, em 2024.
No primeiro trimestre do ano passado, por exemplo, Portugal foi o que menos expulsou os cidadãos estrangeiros em todo o bloco, com 15 casos, segundo a mesma fonte. Espanha, cá ao lado, faz cerca de 3.000 afastamentos coercitivos por semestre. O Governo já afirmou publicamente, mais de uma vez, que tem como meta aumentar o número de pessoas afastadas do território.
Centros de detenção
Dois contratos para criação de centros de detenção de imigrantes já estão assinados. A previsão é que estejam finalizados no início de 2026, de acordo com o Governo. Esta medida, de criar os centros, também consta no relatório do grupo de trabalho. É indicado, que, nalguns casos, os imigrantes possam ter acesso a uma espécie de “regime aberto”.
Em paralelo, os cidadãos detidos terão de entregar documentos de identidade ou de viagem às autoridades competentes e de permanência em zona geográfica delimitada. Estas três medidas são assinaladas pelo grupo de trabalho como “inovadoras”. Atualmente, Portugal possui dois locais utilizados como centros de detenção, um no Aeroporto de Lisboa e outro no Porto. Ambos estão sempre lotados com os imigrantes que chegam e logo são retidos na fronteira. É assinalado pelos técnicos “o recurso à detenção do cidadão em situação irregular em território nacional, último ratio do sistema”.
É também indicado que o afastamento do imigrante em território nacional seja monitorizado “assegurando que a saída dos nacionais de países terceiros sujeitos a um procedimento de retorno seja registada de forma sistemática e sem demora no Sistema de Informação Schengen”. A situação evita o que está a acontecer em Portugal neste momento: a maior parte dos notificados a deixar Portugal já estava na lista de saída do Espaço Schengen, por tentar, sem sucesso, um pedido de autorização de residência noutro país da União Europeia.
Apesar de existir uma diminuição no número de pessoas afastadas na comparação com anos anteriores, a medida não deixou de existir em lei. Segundo o ‘Relatório Anual de Segurança Interna’ (RASI) 2024 foram efetuadas 444 notificações de abandono voluntário do território nacional, além de 195 processos de expulsão administrativa. Destes, 36 foram arquivados. Já o total de imigrantes deportados foi de 146, sendo 42 no âmbito de expulsões administrativas, quatro levados até à fronteira e 100 em procedimentos em que a pena acessória imposta foi de expulsão do território nacional. Em ações de fiscalização, foram identificados 151 cidadãos sem documentação para estar no país, num universo de 27.185 imigrantes abordados.
O número de 18.000 surgir de uma só vez tem uma explicação, como o DN já deixou claro noutras notícias do fim de semana: está um curso uma estrutura de missão para regularização da documentação de imigrantes, muitos destes há dois, três anos em Portugal. O DN sabe que a fase de análise e deferimento começou somente no fim de dezembro e início de março, estando agora finalizada a decisão de milhares de processos - são 18.000 até agora, num universo de mais de 400 mil, sendo que a larga maioria atendeu aos requisitos previstos na lei. Fonte do Governo assegura que os processos foram vistos duas vezes, como forma de evitar falhas. Dos 18 mil estrangeiros que vão ser notificados pela AIMA para abandonarem o país nas próximas semanas, 75% são do subcontinente indiano. (7%), são de países africanos não lusófonos, sobretudo do Magrebe, e uma minoria de 449 (2,5%) são do Brasil e dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
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