Vitória de Bolsonaro? Esquerda demoniza, direita desdramatiza
A poucos dias da segunda volta das presidenciais brasileiras, as personalidades da direita portuguesa pendem mais para o voto a favor de Jair Bolsonaro. É o caso do politólogo Jaime Nogueira Pinto e do ex-dirigente democrata-cristão, Luís Nobre Guedes. A líder do CDS, Assunção Cristas, é a única que admite que não conseguiria escolher entre o candidato de extrema-direita e o do PT, Fernando Haddad, e assumiu que se absteria, o que lhe valeu criticas no CDS. No seu partido, o ex-deputado centrista Francisco Mendes da Silva diz que Haddad seria a escolha. E o ex-colaborador de Cavaco Silva, João César das Neves, também optaria pelo candidato do PT.
Os deputados portugueses também têm posições muito divergentes sobre os dois candidatos que correm para a presidência do Brasil.
"Calma!" - pede Joana Mortágua quando se coloca a questão da provável vitória do candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro na segunda volta das eleições presidenciais no Brasil. A deputada do Bloco de Esquerda, que tem acompanhado toda a campanha naquele país, ainda tem esperança que "a grande mobilização" dos que rejeitam as ideias ultraconservadoras de Bolsonaro acabem por impedir a sua eleição a 28 de outubro e que o seu rival, Fernando Addad, do PT, saia vencedor.
Mas a deputada bloquista afirma que se a eleição de Bolsonaro acontecer a "comunidade internacional não deve tolerar discursos fascistas, mesmo que quem os faz tenha sido eleito por meios democráticos". Senão, adverte, estaremos daqui a um tempo a recuar aos anos 40 e a interrogar-nos, tal como naquela altura, "como foi possível?" Joana Mortágua estabelece assim um paralelo entre o recrudescimento do populismo e do ultraconservadorismo "que está a varrer o mundo" e os regimes fascistas dos anos 30 e 40.
O deputado socialista Paulo Pisco, membro do grupo parlamentar de Amizade Portugal-Brasil, também se manifesta "muito preocupado" com o previsível resultado das eleições brasileiras. "Não consigo entender como uma pessoa racista, xenófoba, que tem um discurso contra as mulheres e negros, homofóbico possa ter o apoio para ser o presidente do maior país da América do Sul".
O deputado comunista que também integra aquele grupo de amizade, Duarte Alves, manifesta-se esperançado que a vitória de Bolsonaro na segunda volta das eleições brasileiras não aconteça. "O perigo não deve ser subestimado", diz, mas "é ainda possível barrar o fascismo no Brasil através da mobilização popular". Só assim, garante, "seria possível aprofundar o caminho de progresso social iniciado em 2002 com Lula da Silva"
O centro-direita em Portugal também se sente incomodado com as ideias do ex-capitão e candidato do Partido Social Liberal, mas tem uma visão bastante diferente da esquerda sobre o caminho que Bolsonaro, se vier a ser eleito, poderá trilhar no Brasil.
"Serenidade" é a palavra que Carlos Peixoto, vice-presidente da bancada do PSD e também membro do grupo de amizade Portugal-Brasil, usa para falar das eleições brasileiras. "Temos de respeitar a decisão do povo brasileiro se o escolher", afirma, mas frisa que as "ideias mais extremistas e as propostas radicais" do candidato podem "vir a ser perigosas".
O deputado social-democrata tem, no entanto, esperança que as propostas arrojadas e o discurso mais radical façam parte da campanha mas que se Bolsonaro chegar ao poder se torne mais moderado. "Costuma acontecer assim", sustenta Carlos Peixoto.
"Eu não dramatizo", assegura também João Rebelo, deputado do CDS, igualmente membro do mesmo grupo de amizade com o Brasil. E recusa-se a dar "lições de moral" aos brasileiros pelas suas escolhas. E neste sentido, manda uma farpa às vozes à esquerda que demonizam Bolsonaro: "Muita gente cala-se sobre regimes piores..."
E tal como Carlos Peixoto entende que se o candidato for eleito presidente do Brasil o exercício do poder ditará a moderação das suas ideias. "O poder costuma apaziguar o caldo ideológico e o exercício do poder vai obrigá-lo à moderação e ao pragmatismo, o que acalmará a deriva autoritária e ditatorial das suas ideias".
O deputado recorda, aliás, que o sistema político brasileiro apesar de ser presidencial dá ao parlamento e ao senado um grande poder, que obrigará à "negociação", já que o PSL está longe de ter a maioria nos dois órgãos. "O poder no Brasil é partilhado e pulverizado a nível federal, estadual e municipal".
Mas por que vingaram as ideias de Bolsonaro, condenadas da esquerda à direita, num país que já passou por uma ditadura militar?
Paulo Pisco e Joana Mortágua sublinham que o triunfo das ideias de Jair Bolsonaro é apenas mais um sintoma do que se está a passar no mundo. "Em todos os continentes está a avançar o extremismo, o que pode ter um efeito de bola de neve e dar força a novos movimentos extremistas", diz o deputado socialista. E acrescenta que "discursos impensáveis há uma década estão a tornar-se banais e tolerados em grande parte das sociedades e em vários continentes".
E não é possível olhar para o Brasil sem perceber, afirma Joana Mortágua, este contexto de "um movimento global ultraconservador que está a varrer o mundo", desde a Índia até à Hungria. A deputada do Bloco insiste que "há um movimento de radicalização brutal da direita relacionado com a crise de 2008", em que as placas tectónicas se movem pela crise profunda do capitalismo e da descrença das massas nas promessas desse capitalismo.
"Nestes momentos há sempre forças de extrema-direita que conseguem surgir como redentoras e higienizadoras em relação ao passado".
No caso brasileiro, Mortágua admite que há fatores internos que facilitam o crescimento do radicalismo, mas rejeita que se deva apenas ao descontentamento dos brasileiros com tudo o que se passou na presidência de Lula da Silva e com o fenómeno da corrupção.
"Bolsonaro é filho do golpe contra a Dilma (Rousseff), e a vítima do golpe é o establishment, não é só o PT. A corrupção no Brasil é um fenómeno generalizado e a judicialização da política, com o punitivismo seletivo, interfere nas eleições", afirma Joana Mortágua. Na sua opinião, a esquerda não tem outra alternativa a não ser estar contra o golpe e por, isso, é difícil a Fernando Haddad demarcar-se de Lula da Silva, o antigo presidente e líder do PT que está preso por corrupção.
A mesma visão tem o deputado comunista Duarte Alves. "Tudo isto está ligado ao golpe contra uma presidente legitimamente eleita pelos brasileiros". A somar, sublinha, aos problemas sociais que afetam o Brasil à corrosão das instituições democráticas pela corrupção".
Carlos Peixoto lembra que o povo brasileiro precisa de emprego, rendimento e segurança e que julga encontrar no discurso de Bosonaro a esperança para a resolução destes problemas. "Por exemplo, quando o candidato diz que é mais preciso cadeias cheias do que cemitérios de inocentes faz apelo a esse grave problema de segurança", afirma o deputado social-democrata e admite que os brasileiros colocam em segundo plano tudo o que de polémico Bolsonaro diz. Diz que joga a favor do PSL de Bolsonaro o facto das outras forças brasileiras estarem conotadas com a palavra arrasadora de "corrupção".
Estas eleições presidenciais, afirma João Rebelo, "foram muito marcadas pelo regresso da insegurança e os brasileiros viraram-se para o candidato que identificou este problema". A corrupção também é um fator decisivo para este apoio a Bolsonaro, já que há um "desencanto" em relação aos partidos tradicionais e uma adesão aos que ainda não experimentaram o poder, como é o caso do PSL. "É sobretudo um cartão vermelho dos brasileiros ao amiguismo e à corrupção e a tentativa de encontrar uma nova forma de fazer política no Brasil".
Todos os deputados acreditam que o diálogo e a cooperação entre os dois países se manterá. Mas Paulo Pisco reconhece que poderá ter algum impacto negativo, na medida em que as ideologias de caráter nacionalista como a do candidato brasileiro levam a um fechamento dos regimes sobre si próprios e negligenciarem o relacionamento bilateral e multilateral.
Joana Mortágua diz não querer antecipar o que vai acontecer entre os dois países. Tem é uma certeza. "No campo democrático não basta dizer que os candidatos como Bolsonaro foram eleitos por métodos democráticos. Candidatos assim não podem ser tolerados".
O vice-presidente da bancada do PSD dissocia quem está no poder das relações entre os dois povos. Admite, no entanto que o Brasil que se encontra numa "situação explosiva, com carências a vários níveis, tem dificuldade de se relacionar de uma forma mais estreita e comercial com Portugal".
Mais do que impacto no diálogo Portugal-Brasil, ou até junto da comunidade portuguesa naquele país, Duarte Alves considera que se Bolsonaro ganhar as eleições terá uma "grande repercussão a nível internacional"
No final de setembro, ainda antes das eleições que ditaram a passagem à segunda volta de Bolsonaro e de Haddad, deputadas portuguesas associaram-se ao protesto de mulheres brasileiras contra o candidato do PSL Juntaram-se para uma fotografia com cartazes alusivos à campanha contra Jair Bolsonaro subordinada ao hashtag #EleNão mas também em memória de Marielle Franco, a vereadora do PSOL no Rio de Janeiro e ativista dos direitos humanos assassinada com quatro tiros na cabeça há seis meses.
Joana Mortágua partilhou na sua conta de Twitter, uma fotografia do grupo de deputadas. Catarina Martins, Mariana Mortágua (também do Bloco), Heloísa Apolónia (do PEV), Margarida Marques, Edite Estrela, Sónia Fertuzinhos e Isabel Moreira (do PS) são algumas das deputadas que surgiram com cartazes na mão.
As eleitas portuguesas não quiseram deixar de assinalar também a passagem por Portugal de Mônica Tereza Azeredo Benício, a viúva de Marielle Franco, que participou inclusivamente, no passado fim de semana, no Festiva Iminente. Nele foi inaugurado um mural criado pelo artista português Vihls, a convite da Amnistia Internacional, em homenagem à vereadora assassinada.