Pedro, um rapaz da Margem Sul. De tesoureiro na junta a comissário europeu

Diz a mitologia familiar que Pedro Marques nasceu para a política quando o pai lhe pediu para ir uma reunião da junta de freguesia protestar porque a rua onde moravam ainda continuava por alcatroar.
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Estávamos nos 90. Margem sul de Lisboa: distrito de Setúbal, concelho do Montijo, freguesia de Afonsoeiro. Pedro Marques, agora cabeça de lista do PS ao Parlamento Europeu, nasceu em Lisboa em 1 de agosto de 1976 mas cresceu no Montijo, fez lá vida política autárquica, e ainda é lá perto que mora (Alcochete, vila vizinha do Montijo, do outro lado da ponte Vasco da Gama).

Na quarta-feira, o candidato percorreu parte do seu passado, agora em campanha, como cabeça de lista do PS para as eleições europeias. O DN acompanhou-o. Passou o dia no distrito de Setúbal e a jornada começou, precisamente, no Montijo, na pastelaria Mimosa, no centro da cidade, junto à Praça da República.

O socialista não se cansou de recordar o facto de estar em peregrinação da saudade. "Foi aqui que começou o político que hoje as pessoas conhecem." É uma terra de "gente humilde e trabalhadora" e é assim que Pedro Marques gosta de se qualificar: "humilde e trabalhador".

Querendo fazer passar a imagem de que está agora na posição em que está como resultado de um percurso construído com o seu próprio esforço - e não por via de relações familiares ou de amizades políticas -, assim que chega à pastelaria Mimosa faz-se fotografar com antigos camaradas do executivo da junta do Afonsoeiro.

Tem ali raízes, não as esquece - pelo contrário, mostra-as. E é também um homem de família, previsível e convencional: casou com uma colega de faculdade com quem tem três filhos, uma de dez, dois gémeos de cinco. No dia em que o DN o acompanhou, deu a si mesmo toda a tarde livre, entre um almoço no Barreiro com apoiantes e um jantar em Setúbal já na presença de António Costa (e do ministro Mário Centeno, que apareceu pela primeira vez na campanha): a filha mais velha fazia anos e queria estar com ela.

Ser do PS no distrito de Setúbal nunca foi uma opção fácil - dada a predominância política do PCP - mas, apesar disso, ser socialista no Montijo era menos complicado do que sê-lo, por exemplo, em Almada ou no Barreiro. Entre 1976 e 1993, socialistas e comunistas foram alternando na câmara municipal; mas a partir de 1997 o PS tomou conta de vez do município, primeiro através de Maria Amélia Antunes e, agora, desde 2013, com Nuno Canta, que vai no segundo mandato.

Pedro Marques filia-se na JS e em 1997 torna-se tesoureiro na junta do Afonsoeiro, integrando uma lista do PS que conseguiu vencer a da CDU. Mais tarde, em 2002, tornar-se-ia vereador na câmara municipal, com não poucos pelouros (Ação Social e Saúde, Habitação Social, Juventude, Planeamento e Desenvolvimento Económico), sendo a presidente Maria Amélia Antunes. Nessa altura o PS não governava a nível nacional.

Contudo, em 2002, Pedro Marques já se movimentava pelo menos há dois anos em gabinetes ministeriais. Tendo-se licenciado em Economia no ISEG - a escola onde se formaram também Ferro Rodrigues e Vieira da Silva - acabaria em 1999 por se tornar assessor deste na secretaria de Estado da Segurança Social. Da mesma equipa fazia parte um outro jovem que se viria a provar cheio de futuro: Fernando Medina, hoje presidente da Câmara de Lisboa, um dos nomes de que se fala sempre quando se discute o futuro do PS pós-Costa. No ISEG cruzou-se também com outro putativo candidato à sucessão de Costa na liderança do PS, Pedro Nuno Santos, que na última remodelação governamental lhe herdou o cargo de ministro das Infraestruturas.

Em 2005, quando Sócrates ganha com maioria absoluta, Vieira da Silva vai para ministro da Segurança Social e Pedro Marques sobe também naturalmente a secretário de Estado. É um dos grandes obreiros operacionais da reforma da Segurança Social de 2007 - a reforma que criou o fator de sustentabilidade (ou seja, o principio pelo qual se associa a idade da reforma à esperança de vida).

Quem o conhece define-o como um executor de tarefas - não um doutrinador (ao contrário, por exemplo, do seu colega do ISEG Pedro Nuno Santos). "A minha política é o trabalho" parece ser o tipo de lema que se encaixa que nem uma luva no seu perfil. Nas tricas internas do PS evitou sempre decisões controversas, colocando-se do lado vencedor (Sócrates em 2004 e Costa em 2014). Na sucessão de Sócrates, em 2011, o PS dividiu-se entre António José Seguro e Francisco Assis - e nenhum dos dois representava uma linha clara de continuidade face ao líder que saia. Pedro Marques - como aliás também Vieira da Silva e Fernando Medina - escolheram não se pronunciar. Não escolheram nenhum lado. Vieira da Silva já tinha feito o mesmo no congresso Sócrates/Alegre/João Soares, em 2004, escudando-se na posição de presidente da mesa do congresso.

Pedro Marques é um executor de tarefas e no dia de campanha em Setúbal criou uma oportunidade para o provar. Sem que estivesse no programa oficial do dia, a candidatura decidiu, ao final da manhã, visitar uma IPSS no Montijo, o Lar Montepio. E depois, conversando com jornalistas, recordou como em 2002/2003, ele e Ferro Rodrigues, então secretário-geral do PS (na oposição), pressionaram o governo, "de direita", para que a IPSS pudesse erguer uma casa abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica. Após muita pressão, a missão foi cumprida.

O candidato chegou a Setúbal já no fim da campanha - e estando já a cumprir a sua segunda volta ao país: a primeira foi sem jornalistas e basicamente motivada para mobilizar as estruturas do PS. O conta-quilómetros da carrinha VW Passat alugada que o transporta marca cerca de 30 mil quilómetros.

Na rua, o candidato vai ao encontro dos populares sem medo mas enfrentou sempre o problema de ser pouco conhecido - problema agravado pela natureza intrínseca do ato eleitoral em causa, que é tudo menos mobilizador (quase dois terços do eleitorado se abstiveram em 2014).

António Costa teve por isso de se envolver a fundo na campanha, dando o corpo ao manifesto sempre que possível pela sua agenda de primeiro-ministro - e com isso rentabilizando também eleitoralmente uma governação até agora sem grandes manifestações de desgaste popular, muito pelo contrário.

O que o candidato sabe é que esta é a via sacra que tem de percorrer para rumar a Bruxelas. Aqui - Costa já o disse - o mais provável é mesmo que não se sente durante muito tempo no Parlamento Europeu. O primeiro-ministro quer vê-lo como o português na Comissão Europeia, substituindo o social-democrata Carlos Moedas, uma escolha que será do atual Governo. De tesoureiro na junta do Afonsoeiro a "governante" da UE foram 22 anos de distância - num percurso essencialmente tecnocrático e feito sem estados de alma.

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