Freitas do Amaral. Morreu o último dos líderes fundadores do regime
Nascido a 21 de julho de 1941, Freitas do Amaral foi um dos fundadores - e primeiro presidente - do CDS. Era o último sobrevivente dos quatro líderes partidários que fundaram o regime no pós 25 de Abril (Francisco Sá Carneiro, Mário Soares e Álvaro Cunhal).
Desde sempre defensor de uma democracia-cristã de matriz europeia, Freitas foi um dos nomes que, a 19 de julho de 1974, fundou o Centro Democrático Social (CDS), ao lado de Adelino Amaro da Costa ou Basílio Horta, entre outros. Em janeiro do ano seguinte foi eleito líder do partido, num famoso congresso no Palácio de Cristal, no Porto, que chegou a estar cercado durante 12 horas, obrigando à intervenção do COPCON, o comando militar do Movimento das Forças Armadas. "Foi o maior pesadelo da minha vida", diria Freitas desse momento, nas suas memórias políticas.
Em 1975 foi deputado à Assembleia Constituinte e quatro anos depois formou, com o PSD de Francisco Sá Carneiro e o PPM de Gonçalo Ribeiro-Telles, a Aliança Democrática, que viria a vencer as eleições nesse ano, e no seguinte. Foi vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros do VI governo constitucional, liderado por Francisco Sá Carneiro.
Em dezembro de 1980, foi Freitas quem anunciou aos portugueses a queda do Cessna que vitimou o então primeiro-ministro, em Camarate, assumindo depois a liderança interina do executivo, assegurando a transição para o governo de Francisco Pinto Balsemão (1981/1983), altura em que assume novamente as funções de vice-primeiro-ministro, além da pasta da Defesa.
Em 1986 foi candidato à Presidência da República, protagonizando com Mário Soares a mais disputada campanha presidencial de sempre. Foi apoiado pelo CDS e pelo PSD, ganhando mesmo a primeira volta das presidenciais, com 46,3% dos votos. Mas Freitas acaba por ser derrotado por Mário Soares (que entretanto tinha recebido o apoio do PCP), numa segunda volta que dá ao centrista 48,82% dos votos, insuficientes para bater os 51,18% de Soares.
Em rutura com o partido que fundara e que, entretanto, sob a presidência de Manuel Monteiro, assumira a designação de CDS/PP (Partido Popular), Freitas viria a deixar o CDS em 1992, mas dizendo - como disse toda a vida - que nunca saiu do lugar político onde tinha começado: o centro.
Entre 1995 e 1996 foi presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Causou grande escândalo por ter aceite o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros na primeira legislatura de José Sócrates, em 2005 e 2006. Num dos seus três livros de memórias - o terceiro, não por acaso intitulado Um Percurso Singular - Freitas diz que a direita não lhe perdoou esse passo e que foram muitos os que se afastaram dele nessa altura. Mas não se arrependeu. Aliás, não se arrependeu de nada do que fez nas muitas décadas de vida política, diria Freitas, na apresentação do livro, em junho passado: "Não estou arrependido de nada do que fiz, ou do que não fiz, nem do que disse, ou do que não disse". No Centro Cultural de Belém, onde estava também Marcelo Rebelo de Sousa - que à data já o qualificou como "um dos pais da democracia portuguesa" - Freitas terminou a intervenção precisamente a sublinhar essa ideia, recorrendo às palavras de Frank Sinatra em My Way - "I've lived a life that's full/ I've traveled each and every higway/ But more, much more than this/ I did it my way" [Vivi uma vida cheia/ Viajei por todas as estradas/ Mas, mais importante que isso/ Fi-lo à minha maneira].
A par da carreira política, Freitas do Amaral desenvolveu uma muito relevante carreira académica. Licenciou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1963, tendo-se doutorado em 1967. Especializado em Direito Administrativo (área em que se tornou numa das grandes fontes de doutrina), foi professor na faculdade onde tinha sido aluno, mas também na Universidade Católica e, mais tarde, na Universidade Nova. Chegou a professor catedrático em 1984.
O antigo líder do CDS e "senador" da política portuguesa morreu esta quinta-feira. Tinha 78 anos. Estava internado nos cuidados intermédios no Hospital da CUF, em Cascais, desde meados de setembro.
O corpo estará no Mosteiro dos Jerónimos, a partir da tarde de sexta-feira e o funeral realiza-se no sábado, no cemitério da Guia, em Cascais, segundo avançou à agência Lusa fonte da família.
O Presidente da República já reagiu à notícia da morte de Freitas do Amaral, manifestando o seu "mais fundo pesar" pelo falecimento de "um dos quatro Pais Fundadores do sistema político-partidário democrático em Portugal, como presidente do Centro Democrático e Social [CDS]".
"A Diogo Freitas do Amaral deve a Democracia portuguesa o ter conquistado para a direita um espaço de existência próprio no regime político nascente, apesar das suas tantas vezes afirmadas convicções centristas", escreve o presidente da República, destacando a "sua participação na mais notável e disputada eleição presidencial em Democracia, e na qual avultaram os dois competidores da segunda volta, ambos pais fundadores do regime e ambos potenciais primeiros Presidentes da República civis [Freitas e Mário Soares] ".
"Portugal deve-lhe, além desse contributo único, apenas partilhado em importância fundacional com Mário Soares, Francisco Sá Carneiro e Álvaro Cunhal - cada qual a seu modo - uma vida devotada à Educação, na Universidade, onde foi Mestre insigne (...) mas, por igual na escrita, na palavra, nas múltiplas instituições em que exercitou a sua natural e tão admirada vocação pedagógica e o seu culto pela História Pátria", recorda Marcelo Rebelo de Sousa, que diz também ter perdido "um grande amigo pessoal de meio século".
O governo decretou um dia de luto nacional no próximo sábado, dia do funeral. Na nota em que dá conta que o Conselho de Ministros aprovou esta tarde, por via eletrónica, o decreto que declara luto nacional, o Executivo lembra Diogo Freitas do Amaral como "um político e académico de primeira linha", um "democrata cristão convicto, estadista e patriota" que foi também "um dos fundadores do regime democrático, tendo sempre encarado a causa pública como uma missão desligada de sectarismos". "Além dos cargos cimeiros que ocupou ao longo de mais de 40 anos de participação política ativa, destacou-se também enquanto académico e homem de cultura. Será para sempre lembrado como uma referência incontornável na área do Direito Administrativo, deixando uma vasta obra que por décadas marcou e continuará a marcar a formação jurídica", refere o comunicado,.
Também o gabinete de António Costa emitiu uma nota de pesar: "Acabou de falecer um dos fundadores do nosso regime democrático. À memória do professor Freitas do Amaral, ilustre académico e distinto Estadista, curvamo-nos em sua homenagem. Apresentamos à sua família, amigos e admiradores as nossas sentidas condolências".
Com a notícia a apanhar os partidos na reta final da campanha eleitoral, a líder do CDS, Assunção Cristas, interrompeu o almoço para anunciar a morte do fundador do partido, pedindo um minuto de silêncio em memória de Freitas. Recordando os tempos difíceis do nascimento do partido, Assunção Cristas disse estar "grata por esse trabalho, por essa coragem, tantas vezes debaixo da ameaça, tantas vezes debaixo de fogo". Citada pela agência Lusa, a presidente centrista referiu que houve momentos em que Freitas "se afastou mais do pensamento do CDS", como quando foi ministro num governo do PS. "Mas isso não nos pode deixar esquecer que na base do partido esteve a coragem de Diogo Freitas do Amaral e muitos que com ele, como Adelino Amaro da Costa, ousaram criar um partido que é fundador da nossa democracia", concluiu.
O líder do PSD, Rui Rio, deixou uma "palavra de homenagem" - "Nem sempre o PSD esteve de acordo com ele, ou ele de acordo com o PSD, mas nos momentos importantes do país e do PSD o professor Freitas do Amaral foi um aliado".