Militares fazem estatuto que reforça controlo da Polícia Marítima

Iniciativa coincide com votação de propostas do PCP entregues há mais de dois anos para desmilitarizar Autoridade Marítima e Polícia Marítima.
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Os responsáveis militares da Autoridade Marítima Nacional (AMN) e da Polícia Marítima (PM) estão a preparar uma revisão do Estatuto do Pessoal daquela força de segurança e órgão de polícia criminal que ali mantêm "oficiais da Marinha em comissão de serviço", soube o DN.

A informação vem a público num momento marcado pela polémica atuação dos militares em serviço na PJ Militar (PJM) - e do entendimento que os militares têm quanto ao cumprimento da lei - e nas vésperas de a Assembleia da República votar, sexta-feira, três diplomas relativos àquelas duas estruturas civis do Estado.

O porta-voz da AMN, comandante Pereira da Fonseca, confirmou ao DN a existência do referido documento mas, por estar numa "fase muito prematura, não há nada a dizer".

A exemplo do que já sucedeu com uma proposta de lei orgânica da PM, feita em tempos e que agora estará de novo a ser trabalhada pelos mesmo responsáveis militares, o documento interno é apresentado como resultando de um trabalho inclusivo com o pessoal daquela polícia a nível regional e local, abrangendo efetivos não militares.

Contudo, fontes ligadas à Associação Socio-Profissional da PM (ASPPM) garantiram ao DN desconhecer o projeto e, logo, terem sido envolvidos.

De acordo com as informações recolhidas, o comandante-geral da PM, vice-almirante Sousa Pereira, tem a intenção de criar as bases para que os inspetores dessa polícia venham no futuro a ascender ao topo da instituição e tendo a formação superior específica para esse efeito - como já acontece na PSP e na GNR (aqui sem abranger os cargos de topo).

Mas essa intenção expressa ao DN é vista com reservas por algumas das fontes face aos termos em que o referido documento interno, asseguraram, começa por definir a PM: essa força de segurança "é composta por oficiais da Marinha em comissão de serviço e inspetores e agentes de polícia."

Contudo, o documento refere a existência de um mestrado em Ciências Policiais Marítimas - num estabelecimento de ensino superior - como uma das vias para admissão à carreira de inspetor.

Por comparação com a GNR, normalmente invocada pelos defensores da manutenção de oficiais da Marinha nos cargos de topo da PM, note-se que os generais do Exército ainda colocados na Guarda não desempenham quaisquer cargos militares na estrutura das Forças Armadas.

Votação em plenário

Os projetos de lei do PCP sobre a AMN e a PM que vão sexta-feira a plenário - e cujo chumbo ficou pré-anunciado na reunião de terça-feira da Comissão parlamentar de Defesa - criam a primeira lei orgânica da PM e impedem o desempenho simultâneo de cargos militares e civis (incluindo policiais) por parte dos oficiais da Marinha.

O do BE regula o direito de associação dos agentes da PM, em termos similares aos dos membros das associações e sindicatos das outras polícias civis.

A chamada militarização da PM por parte da Marinha tem sido denunciada há muito por agentes dessa força de segurança, reforçada em 2014 com a integração dessa polícia - que depende diretamente do ministro da Defesa, a exemplo da PJM - na orgânica da AMN, cujo responsável é o chefe militar da Marinha.

Além deste caso de um chefe militar que desempenha simultaneamente um cargo civil, que diversas fontes do universo jurídico já citadas e identificadas pelo DN qualificam como inconstitucional, há outros em que militares no ativo e em serviço na Marinha - os comandantes de Zona Militar, por exemplo - exercem ao mesmo tempo funções civis e policiais.

Uma das consequências dessa situação é haver um ramo das Forças Armadas a ter acesso a informações policiais e de natureza judicial.

Para o PCP está em causa adequar "a AMN ao quadro constitucional vigente, assegurando a devida separação entre defesa e segurança", assim como eliminar "a obrigatoriedade da nomeação de militares para os lugares de comando da AMN".

Nesse sentido, o projeto relativo à AMN extingue a acumulação por inerência dos cargos de chefe militar da Marinha e de Autoridade Marítima Nacional, cujo titular passaria a ser o diretor-geral da Autoridade Marítima.

A proposta extingue ainda os artigos da lei orgânica da Marinha que permitem ao chefe do ramo definir orientações para a AMN ou ao comandante naval acumular esse cargo militar com o de comandante das operações marítimas.

No que respeita à lei orgânica da PM, lembre-se que a Marinha tem tentado integrar na lei orgânica da AMN apesar de a polícia depender diretamente do ministro da Defesa - situação, inédita, em que a polícia deixaria de estar na tutela direta do Governo).

O seu responsável máximo deixaria de ser comandante-geral e passaria a designar-se "diretor nacional", sendo designado pelo ministro da Defesa e "podendo ser selecionado entre os oficiais da PM".

Estes projetos, como o do BE para regular o direito de associação dos efetivos da PM (dispensas, número de reuniões mensais), estão condenados ao fracasso devido ás posições que PSD, PS e CDS assumiram terça-feira na Comissão parlamentar de Defesa: o modelo atual está bem nos atuais termos.

Aliás, o coordenador do PS na Comissão de Defesa, Ascenso Simões, foi taxativo ao afirmar ao DN que a PM "é um elemento das Forças Armadas" e que "está integrada na Armada" - quando é um órgão de polícia criminal dependente do Ministério Público em termos funcionais que envolvam eventuais ilícitos criminais, logo exterior à cadeia hierárquica e de comando militar (como é o caso da PJM).

Note-se, contudo, que o preâmbulo do Estatuto do Pessoal da PM aprovado em 1995 indica expressamente a necessidade de adequar essa polícia à Constituição (que separa segurança interna e defesa militar da República): "Torna-se necessário, assim, assumir e encabeçar as funções de policiamento marítimo no quadro constitucional, pelo que se procede agora ao reagrupamento dos actuais grupos de pessoal da Polícia Marítima e dos cabos-de-mar numa única força policial, dotando-a de um novo estatuto."

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