Marinha altera regras de promoção ao almirantado

Despacho com mais de duas décadas permitia promover e nomear militares que não cumpriam critérios em vigor desde 2015.
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Quase quatro anos depois das alterações feitas no Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), a Marinha alterou os critérios de escolha dos oficiais superiores para promoção aos postos de oficial general, confirmou fonte oficial ao DN.

A alteração foi formalmente aprovada em fevereiro e teve origem na polémica e no mal-estar interno criado, em 2018, pela nomeação a comodoro - o primeiro posto do almirantado - de três comandantes que não cumpriam as regras para o efeito (e só um conseguiu ser já promovido), numa época em que as promoções e progressões na carreira militar demoram muito mais do que era habitual e se reduziu o número de lugares para o efeito.

Um desses oficiais - conhecidos nos bastidores da Marinha, a chamada Voz da Abita, como "comandantes Ryanair" - está embarcado na fragata Álvares Cabral, há semanas em missão ao largo da costa africana e para o qual foi criado um cargo específico que normalmente só existe numa frota com vários navios: comandante de uma "força-tarefa" ou força naval.

Como o navio está a navegar sozinho e tem comandante próprio, o referido oficial está praticamente limitado a cumprir ações de âmbito protocolar e a escrever relatórios sobre as visitas aos portos de visita - enquanto acumula as horas de navegação necessárias para ser promovido, segundo fontes militares ouvidas pelo DN, sob anonimato, por não estarem autorizadas a falar de um assunto considerado internamente como fonte de mal-estar nas fileiras e prejudicial à imagem do ramo.

Sem querer personalizar, algumas das fontes rejeitaram a explicação de que esses oficiais não devem ser prejudicados pelo facto de terem desempenhado cargos e funções em gabinetes políticos (como o do Presidente da República), pois há pelo menos um intervalo temporal de uma década - em diferentes postos - para atingir as 500 horas de navegação e cumprir um ano de comando efetivo no mar.

Uma das fontes argumentou mesmo que situações como essa - leia-se criação artificial de condições para acesso ao almirantado - são "um ultraje para os que se dedicam à carreira no mar", normalmente designados como operacionais por contraponto aos chamados 'oficiais de gabinete'.

"Não é preciso analisar currículos"

O porta-voz da Marinha, comandante Pereira da Fonseca, explicou ao DN que "a organização da Marinha acompanha a evolução natural das organizações, restruturando-se e adaptando-se à envolvente externa e interna".

O despacho em causa estava em vigor há mais de duas décadas, aprovado pelo almirante Ribeiro Pacheco (1994-1997), daí Pereira da Fonseca ter acrescentado: "Tornava-se imperioso proceder-se à respetiva atualização."

O porta-voz da Marinha disse ainda não poder explicar como funciona o processo de escolha dos candidatos a promover ou nomear para cargos de oficial-general, dado ser matéria de conhecimento reservado a quem está ou teve assento no Conselho do Almirantado.

Mas segundo fontes militares, as novas regras - que explicitam a forma como as regras do EMFAR se aplicam aos militares da Marinha (assim como os outros ramos fazem para os seus efetivos) - permitem alterar o processo de escolha.

Diferentes oficiais generais ouvidos pelo DN explicaram que o sistema vigente implicava a análise "um a um", pelos almirantes com assento no órgão de conselho do chefe do Estado-Maior da Marinha, do lote de candidatos selecionado pela área do pessoal.

Agora e segundo as fontes, ao abrigo de um despacho para aplicar as regras do EMFAR ao ramo e em concreto, terá sido adotado um modelo que "torna as promoções discricionárias" - e pouco ou nada tem a ver com o recém-implementado processo de avaliação dos militares das Forças Armadas, objeto de fortes críticas das associações socioprofissionais.

Esse novo método alegadamente envolve o alargamento significativo do número de candidatos em apreciação, com cada um dos membros do conselho a escolher quatro ou cinco nomes. Concluída essa fase, passam aqueles que recolheram mais votos, indicaram as fontes.

"Agora não é preciso analisar currículos, escolhem-se nomes", quando "o mérito pressupõe ler os currículos", lamentou uma das altas patentes da Marinha. "O sistema está empanturrado com oficiais de valor desmoralizados" com algo que potencia a criação de condições de favorecimento, concluiu a mesma fonte.

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