Um dia com Nuno Melo. O combatente de direita que carrega a herança de Portas
São 9.01 da manhã quando Nuno Melo chega ao largo da feira, junto da Igreja do Senhor Bom Jesus da Cruz, em Barcelos. Sai do carro já em mangas de camisa, arregaçadas, para aquele que é o penúltimo dia de campanha destas europeias. Mas, para o candidato do CDS, parece que a campanha está a começar ali. Sem sinais de desgaste, chega entusiasmado, a distribuir bons dias e abraços pela dezena de simpatizantes que o aguarda, com um ar de quem está nas suas sete quintas. E está.
Em Barcelos, Nuno Melo começa o dia com mais uma visita a uma feira, como é nota dominante na campanha dos centristas, que hoje em dia fazem questão de se assumir como a última fronteira de uma direita democrática, mensagem que o candidato vai repetir várias vezes ao longo das intervenções do dia e que vem repetindo na campanha, para se demarcar da "zona cinzenta" de um "centrão" onde coloca PSD e PS - embora os socialistas também dê jeito colar por vezes à extrema esquerda.
A visita é à Feira Municipal de Barcelos, "uma das maiores do país", garante-se entre a comitiva, a mesma que o partido percorreu não faz muito tempo, por ocasião do aniversário, mas à qual regressa para mais um convívio popular onde Nuno Melo se sente como peixe na água. Ou, neste universo particular, como Paulo Portas nas feiras.
Melo, que é um portista (de Portas) assumido e orgulhoso, herdou esse traço também, o que valeu com que lhe colassem já nesta campanha uma versão personalizada da expressão que popularizou o antigo líder. "Melinho das Feiras", atiram-lhe uma e outra vez. O político minhoto recusa assumir o rótulo, porque "o original era muito melhor", justifica, mas sem esconder um certo prazer pela comparação. "Os bons exemplos repetem-se. Por isso é que somos conservadores", responde logo no início da visita à feira.
"Não me incomoda nada [a alcunha de Melinho das Feiras]. Sou nisso muito pior do que o original, que foi talvez o melhor do CDS, mas fico honrado porque receber um testemunho de alguém com a dimensão do Paulo Portas é uma referência abonatória", acrescenta, ao fim da tarde, na FNAC de Santa Catarina, no Porto, em conversa com o DN, já depois da apresentação do livro "Direito à Oposição" - que reúne as suas crónicas publicadas semanalmente no Jornal de Notícias entre agosto de 2015 e março de 2019 (ou seja, até à rampa de lançamento desta campanha europeia) e conta com prefácio de Paulo Portas.
O eurodeputado, pela terceira vez consecutiva cabeça de lista do CDS às eleições europeias, reforça sem hesitar que o anterior presidente do partido é a sua "grande referência política em Portugal". "Manifestamente. Reconheço-lhe uma inteligência invulgar, uma capacidade social muito rara, uma grande eficácia na junção de diferenças de que os partidos são feitos, e o CDS é feito de muitas diferenças. Digamos que ele foi sempre o denominador comum", justifica Nuno Melo.
Vinte e cinco anos depois de se ter filiado no CDS já adulto, sem ter passado pelo circuito das juventudes partidárias, o eurodeputado diz nunca ter "premeditado uma carreira nacional e muito menos europeia" na política, quando entrou para o partido, influenciado por "um excelente grupo de deputados que ao tempo juntava o Paulo Portas, o Manuel Monteiro, o Luís Queiró, a Manuela Moura Guedes", recorda ao DN. Eram os meados da década de 1990 e o CDS despertava da crise do partido do táxi que tinha atravessado os governos de Cavaco Silva.
Natural de Joane, em Famalicão - "ou melhor, eu nasci no Porto, no Hospital da Lapa, mas fui direto para Joane", precisa -, Nuno Melo tinha já nessa altura completado o curso de Direito na Universidade Portucalense e aberto um escritório de advocacia em Guimarães. E deixou-se arrebatar por aquelas "figuras que considerava notáveis no debate parlamentar."
"Além de sempre me ter considerado uma pessoa de direita moderada, vi ali as pessoas com quem eu gostaria um dia de fazer política e ajudá-las no seu trajeto, porque nunca premeditei aquilo que acabei por ser", garante. "A minha expetativa era basicamente local, de um dia vir a ser, a par da advocacia, talvez deputado municipal, vereador, com muita sorte, nunca premeditei uma carreira política nacional, muito menos europeia, mas felizmente as coisas assim se conjugaram", descreve.
Paulo Portas teve importância decisiva nessa ascensão galopante no interior do partido. "Foi a pessoa com quem eu fiz a maior parte do trajeto político, a pessoa que me deu as maiores oportunidades; e eu sou, além de combativo, uma pessoa leal", acrescenta.
A referência à combatividade vem precisamente do prefácio de Paulo Portas ao livro que esgotou num ápice (uma edição limitada de 30 exemplares feita em contrarrelógio para a ocasião) e é repetida também várias vezes ao longo da apresentação, a cargo do advogado portuense Nuno Cerejeira Namora. "Quando pensamos no Nuno Melo, até os adversários - diria mesmo: sobretudo os adversários - reconhecem a sua intensa e apurada combatividade", escreveu Portas. Cerejeira Namora usa mesmo uma expressão mais arriscada: "um guerrilheiro de direita".
Melo reconhece-se mais como "um combatente, não um guerrilheiro", comenta aos jornalistas. "Um combatente de direita que luta pelas suas ideias". Ao DN, diz que talvez seja esse seu espírito de combate que o faz sentir tão bem em ambiente de campanha (e de feiras...). Além do mais, frisa, "sem uma campanha eficaz não se conquistam votos". Por isso, "uma campanha deve ser feita com crença e com otimismo". "E não vale a pena vivermos deprimidos com sondagens ou temerosos com o que quer que seja. Temos de acreditar em nós, no partido que representamos e no trabalho que fizemos. Eu tento encarnar isso", destaca, num dia em que uma sondagem revelada (pela TSF e JN) atribui ao CDS um resultado abaixo do esperado (6.7%), quase metade da projeção para o Bloco de Esquerda (12,9%), nitidamente o grande adversário direto assumido no discurso dos centristas.
Nuno Melo mantém a fé no contacto direto com as pessoas, seja na feira municipal de Barcelos, seja na Casa do Trabalho na Póvoa de Lanhoso, uma instituição de apoio a pessoas com deficiência mental onde agradece o trabalho social desempenhado e logo lidera um "parabéns a vocês" espontâneo quando percebe que o diretor faz anos, ou na empresa de metalomecânica Pinto Brasil, em Guardizela (Guimarães), onde enaltece o "exemplo de empreendedorismo de uma empresa que opera no principal setor de exportações portuguesas".
Em todos os diferentes cenários, o candidato do CDS distribui simpatia, sorrisos, um olhar nos olhos e uma palavra interessada aos interlocutores. O "feroz combatente" político transforma-se, em ações de campanha, numa espécie de sedutor natural. Nuno Melo consegue gerar empatia nas ruas. "Eu gosto de estar com as pessoas. Para mim não é penoso estar numa feira ou num mercado. Faço porque gosto. Gosto de estar com pessoas. É um exercício natural", confessa ao DN.
Na feira de Barcelos, pela manhã, ouve aqui e ali uns piropos das feirantes que prometem votar "nessa cara bonita". À tarde, no lançamento do livro, uma jovem estudante de Ciências Políticas espera na fila para autógrafos só para tirar uma foto com ele. "Admiro o estilo", diz Laura Moita, que até diz ser simpatizante do PSD, mas gostar mais "da presença" de Nuno Melo. Por isso, está "indecisa" quanto ao voto no domingo. Ao seu lado, Duarte Mairos, estudante de Direito, também se confessa admirador do cabeça de lista do CDS. "Tem ganho os debates todos, é muito inteligente. Disse-lhe para continuar assim", refere.
Já Inês Alves assume-se como "a intrusa" entre este trio de estudantes universitários que se intrometeu na fila composta maioritariamente por amigos e apoiantes do candidato. Com a bandeira do PS enrolada nas mãos, veio participar na arruada dos socialistas, numa tarde que concentrou várias comitivas diferentes na Baixa portuense (também por lá andou a CDU) - a jornada do CDS acabaria em Vila Nova de Gaia, à noite, num jantar que contou a presença da líder Assunção Cristas e do mandatário nacional Lobo Xavier.
Entre sondagens que "dizem uma coisa e o seu contrário num espaço de dias" e o "trabalho direto no terreno", Nuno Melo valoriza mais "a sensação" que obtém do "contacto direto com as pessoas." E nesta campanha, garante, tem "a sensação de que hoje as pessoas têm uma maior abertura e convicção em dizer que vão votar CDS do que tinham em 2009, por exemplo", quando o partido conseguiu eleger dois eurodeputados. A concorrer sozinho - como volta a acontecer este ano.
Na mensagem que vai fazendo passar através da comunicação social, ao longo das várias intervenções do dia, Nuno Melo repisa a ideia do posicionamento do CDS como único partido de direita em Portugal, "longe do cinzentismo do centrão ocupado por PS e PSD". "Uma direita moderada", sublinha insistentemente, talvez para minimizar os impactos da polémica defesa do partido espanhol Vox nos primeiros dias de campanha. "Somos a última fronteira da democracia à direita do espetro político", reforça, recuperando queixas de que "é mais difícil ser de direita do que de esquerda" em Portugal. "Um legado histórico" deixado pelos muitos anos de ditadura salazarista, diz.
Num dia de campanha passado entre o seu "eixo de roda", como diz ao DN sobre as suas raízes nortenhas e o seu trajeto de vida, é no Porto que Nuno Melo se sente verdadeiramente em casa. É aqui que vive com a mulher e com os dois filhos gémeos, de sete anos, produtos já da fase de eurodeputado do candidato centrista.
"No fim do dia o meu poiso será o Porto. Uma semana clássica minha no Parlamento Europeu passa por vários sítios: Bruxelas ou Estrasburgo; Lisboa, onde tenho reuniões da direção do partido onde sou vice-presidente; Porto, onde vivo e tenho a minha família; Famalicão, onde sou presidente da Assembleia Municipal; Braga, onde sou presidente da distrital e vou quando tenho reuniões; e Guimarães, onde já não faço advocacia, mas tenho ainda escritório e por vezes vou lá ainda para estar com as pessoas, os amigos. Sou minhoto, nasci em Joane (na verdade nasci no Porto, no hospital da Lapa, mas fui direto para Joane) e o norte é a minha identidade, o meu eixo da roda. Para onde eu vá, transporto em valores e em perspetivas aquilo que aqui me formatou", assume.
Uma afirmação de identidade que legitima o sonho de ser um dia presidente da Câmara Municipal do Porto, como disse recentemente numa entrevista. Ou talvez não seja bem assim. "Isso foi um grande equívoco. Nessa entrevista perguntaram-me se um dia eu gostava de ter alguma função executiva, ser presidente de câmara. Toda a vida tive funções parlamentares, na assembleia municipal, como deputado, eurodeputado, por isso um dia gostava de experimentar ser presidente de câmara e ter funções executivas. E perguntaram-me onde, Braga? Eu respondi, na verdade Famalicão é o meu concelho, onde sou presidente da assembleia municipal. E depois puseram-me a hipótese: Porto? E eu usei uma expressão do género 'num local da minha referência identitária'. Calculo que Famalicão ou Braga não dessem um grande título e assim surgiu o Porto. Mas pronto, deu um bom título e pelos vistos agitou as águas", esclarece ao DN.
De resto, Nuno Melo sabe que "perspetivar o que quer que seja na política a mais de um ano é um exercício temerário". E também só por isso não pode garantir que este será o último mandato como eurodeputado, caso seja eleito, como é previsível. Mas é o cenário mais provável. "Se tivesse que decidir hoje dir-lhe-ia que é o meu último mandato. Mais que não seja porque tenho filhos pequenos e quero acompanhá-los, quero estar com eles. Tenho mulher, tenho filhos e o crescimento deles eu não o queria perder", confessa. "Essa é a parte mais difícil [de estar no Parlamento Europeu]".
Para já, no entanto, é aí que está o foco. Nas eleições europeias de domingo. Com o "combatente" Nuno Melo pronto até a carregar sacos de batatas, se for preciso, para derrotar as sondagens mais pessimistas. Como aconteceu na feira municipal de Barcelos. "Por esta é que eu não esperava", agradece a feirante.