Sindicalistas levantaram-se contra leis laborais e foram expulsos das galerias
Há muito que não se assistia a um momento de contestação tão forte - porventura, desde os tempos da troika: os sindicalistas da CGTP, todos vestidos de vermelho, levantaram-se contra a aprovação da legislação laboral do Governo e acabaram expulsos das galerias, enquanto muitos gritavam "a luta continua" e "vergonha".
No momento em que era votada a proposta final do Governo em matéria laboral, o presidente em exercício Matos Correia perguntou quem votava contra e, nas galerias, as dezenas de sindicalistas levantaram-se também, como se estivessem a votar.
Matos Correia admoestou-os, lembrando que não eram permitidas manifestações das pessoas nas galerias."Ou se sentam ou saem", atirou. O secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, não esperou mais e começou a sair das galerias, sendo seguido por outros.
No entanto, muitos dos militantes da CGTP começaram a gritar "A luta continua" e "vergonha", sobretudo em direção à bancada do PS, o que levou Matos Correia a pedir a expulsão dos manifestantes pelas autoridades.
"A luta continua, mas não seguramente com o desrespeito dos órgãos de soberania", atirou o presidente, pedindo a expulsão rápida dos sindicalistas.
Já no final desta longa maratona de votações, o Parlamento aprovou o pacote da transparência. PSD, PS, BE e PAN votaram a favor, traduzindo-se em 171 votos; e 33 contra.
Já a legislação sobre o regime de lóbi chumbou - o decreto que tinha sido vetado por Marcelo Rebelo de Sousa não foi confirmado pela câmara.
Apenas o PS e CDS votaram a favor, com PSD, BE, PCP e PEV a votarem contra. Voltou tudo à estaca zero, atirando qualquer legislação nesta matéria na próxima legislatura.
Depois dos aplausos conjuntos, no caso da Lei de Bases da Saúde, na legislação laboral, a geringonça atacou-se mutuamente de uma forma tão violenta que o presidente em exercício, o deputado social-democrata Matos Correia, teve de pedir serenidade à câmara.
PSD e CDS deram a mão ao PS, viabilizando com a abstenção as propostas socialistas, e travando com o voto contra tudo o que BE e PCP propuseram.
A sessão de pancada verbal foi dura: "A vossa conceção de sociedade", atirou a deputada socialista Wanda Guimarães, é "lastimável". O bloquista José Soeiro tinha apontado ao PS que "não restou nada de esquerda" na legislação laboral, ou seja, as propostas do BE e do PCP. "Ficam na lei os cortes da troika", acrescentou o bloquista. Wanda Guimarães não gostou: "O PS é de esquerda! Temos é uma visão diferente!" - e lançou-se às canelas dos seus parceiros parlamentares.
Clara Marques Mendes, do PSD, sintetizou a querela na geringonça, lembrando que aqueles que têm um "conceção de sociedade lastimável", ou seja, BE, PCP e PEV, foram os mesmos que viabilizaram durante quatro anos o Governo do PS. Até nas bancadas mais à esquerda houve gestos de assentimento.
Antes tinha acontecido um momento que já há muito não se via na Assembleia da República: todos os deputados da esquerda parlamentar a aplaudirem, em conjunto, a aprovação da Lei de Bases da Saúde. Uma exceção, já se viu.
PS, BE, PCP, acompanhados do PAN, viabilizaram esta sexta-feira a nova Lei, com os votos contra de PSD e CDS depois do anúncio de um entendimento entre a chamada geringonça na semana passada. Socialistas, bloquistas e comunistas remeteram para um futuro próximo - depois das eleições legislativas - uma decisão sobre as parcerias público-privadas na gestão do Serviço Nacional de Saúde. As propostas dos sociais-democratas e centristas foram chumbadas momentos antes.
O primeiro-ministro, António Costa, apresentou-se confiante na promulgação da lei, garantindo que não é ultrapassada nenhuma das linhas vermelhas estabelecidas por Marcelo.
O PS sublinhou, numa declaração de voto escrita, apresentada por Carlos César em nome do grupo parlamentar socialista, que a Lei de Bases agora aprovada "não é uma lei para estimular a concorrência económica entre setores prestadores de cuidados de saúde, como a que estava em vigor - é uma lei para obrigar à colaboração de todos nessa prestação".
O texto socialista insiste que o setor privado não fica excluído do Serviço Nacional de Saúde, ao reafirmar que esta "não é uma lei para inibir a iniciativa dos setores privado e social - é uma lei para afirmar a responsabilidade primordial do setor público". Aliás, César aponta que a nova legislação "não interdita o recurso a privados na gestão de unidades do SNS", mas "estimula a transparência e a prevenção de conflito de interesses e afirma claramente a preferência pela administração direta pelo Estado".
Os socialistas registam também que a nova lei "procede à reconsideração das políticas em matéria de taxas moderadoras, ou da valorização dos profissionais de saúde", apesar das críticas dos seus parceiros parlamentares.
Para o PS, esta lei - apesar das objeções do PSD e CDS - resulta "da concertação parlamentar", tendo sido "muito trabalhada e para a qual, em maior ou menor parte, todos os partidos parlamentares contribuíram, tal como muitas organizações, entidades e personalidades ouvidas".
Carlos César começa a declaração de votos por registar que este "é um ato legislativo histórico e materialmente muito relevante", representando "a revogação de uma Lei desadequada e com quase três décadas".
Os socialistas insistem no argumento de que esta "representa a mudança de um postulado na obrigação de prestação de cuidados de saúde às pessoas", responsabilizando o Estado na garantia e proteção para a "assistência" e "cuidados de saúde" aos cidadãos. "É uma Lei para reforçar o SNS, definindo as bases que o reconfiguram e municiam para um desempenho mais eficiente, mais universal e mais adaptado às transformações entretanto ocorridas", sintetiza o PS.
A gestação de substituição foi aprovada pelo Parlamento, contando para isso com o voto favorável de 22 deputados sociais-democratas, que assim compensaram o voto contra do PCP, que se juntou à maioria da bancada do PSD e à totalidade dos deputados do CDS no voto contra à lei. Socialistas, bloquistas e os ecologistas do PEV e PAN também votaram a favor.
O projeto de lei acabou esvaziado de eficácia, depois do chumbo do artigo sobre um eventual período de arrependimento da gestante - valeu, neste ponto, a disciplina de voto do PSD que inviabilizou a aprovação. Este artigo respondia às dúvidas constitucionais dos juízes do Tribunal Constitucional (TC).
O BE tinha avocado para votação na especialidade este artigo, que passava a prever "que a gestante de substituição possa revogar o seu consentimento até ao momento de registo da criança nascida do processo de gestação de substituição", em vez do que está "atualmente previsto", que é "até ao início dos procedimentos de procriação medicamente assistida".
O projeto do BE surgiu depois de o Tribunal Constitucional ter emitido, em abril de 2018 um acórdão em que afirma que a gestação de substituição, para se conformar com a Constituição, deve permitir a revogabilidade do consentimento da gestante até ao nascimento da criança. Em consequência disso a gestação de substituição foi suspensa em Portugal.
Na quinta-feira, véspera desta votação, o BE apelara aos partidos para votarem favoravelmente a norma do regime de gestação de substituição que permitiria à gestante arrepender-se até ao registo da criança, alertando que, caso contrário, corria-se o risco de se aprovar uma lei inconstitucional. Mas a norma acabou mesmo chumbada com os votos contra do PSD, CDS e PCP.
"O CDS não deixará de voltar a submeter esta lei ao crivo constitucional", antecipou Vânia Dias da Silva, depois de deixar muitas dúvidas sobre a formulação proposta pelo BE, para contornar o chumbo anterior do Tribunal Constitucional, e anunciando o voto contra do partido neste ponto. PSD e PCP também não acompanharam esta proposta da especialidade.
No texto bloquista, argumenta a bancada, "elimina-se, por questões de segurança jurídica, o regime de nulidade, sem prejuízo de se manter as punições previstas para quem concretize contratos de gestação de substituição onerosos ou fora dos casos previstos, bem como para quem promova contratos de gestação de substituição com o objetivo de retirar benefício económico". E, "por último, determina-se com maior precisão o que deve ser estipulado e o que não pode ser estipulado no contrato a celebrar entre as partes".
Estas votações foram o último momento dos trabalhos da manhã desta sexta-feira. O presidente em substituição, Jorge Lacão, que dirigia os trabalhos, anunciou uma pausa de pouco mais de uma hora para almoço.
Começaram por ser 110 páginas, afinal serão 132: o guião de votações cresceu de quinta-feira para esta sexta-feira para uma última maratona no Parlamento em que serão votados ao longo deste dia cerca de duas centenas de iniciativas legislativas, a que se somaram 11 votos de pesar - incluindo um pela morte do eurodeputado socialista André Bradford -, condenação e congratulação.
O plenário desta sexta-feira da Assembleia da República começou às 9.00, embora o relógio estivesse avariado e marcasse 7.10. "Sei que é muito cedo, mas não são 7.10", ironizou o presidente do Parlamento, Eduardo Ferro Rodrigues, antes de pedir que o relógio fosse consertado. À hora do início das votações, pelas 11.05, o relógio já acompanhava a hora certa.
A reunião começou com a leitura da mensagem do Presidente da República que acompanha a devolução (ou veto) da chamada lei do lóbi, que se será reapreciada no final da sessão.
No guião não escrito da sessão antecipa-se uma das imagens desta legislatura que agora chega ao fim: a esquerda voltará a unir-se numa proposta emblemática, como a Lei de Bases da Saúde, que depois de tantas guinadas acabou por ser acordada pelos partidos da geringonça, mas na legislação laboral funcionará outra geometria na hora das bancadas se levantarem: PS e PSD devem travar as propostas do Bloco de Esquerda e do PCP para alterar o Código do Trabalho, como aconteceu nas votações indiciárias na comissão, e esse antigo arco de entendimento deve fazer passar as propostas do governo nesta matéria.
Nas galerias estiveram dezenas de sindicalistas da CGTP, vestidos de vermelho, Arménio Carlos incluído, para sinalizar a sua presença. No entanto, saíram pelas 12.30, muito longe ainda de ser aprovada qualquer proposta na legislação laboral. Regressaram à tarde, para continuar a acompanhar os trabalhos.
Na primeira leva de votações, o PAN foi censurado pelo Parlamento, no caso da sua ex-deputada municipal na Moita que teve uma "atitude discriminatória e xenófoba" para com a comunidade cigana.
Segundo o texto apresentado pelo PCP, "é particularmente revelador que a eleita do PAN tenha utilizado propostas apresentadas pretensamente em nome do bem-estar animal para sustentar posições de discriminação e xenofobia contra uma comunidade humana, no caso a comunidade cigana". O deputado único do PAN, André Silva, foi o único parlamentar que se levantou contra - de resto, as bancadas do PSD, BE, PCP, CDS e PEV votaram a favor e os socialistas abstiveram-se.
Já os votos do PAN para condenação da China pela "repressão e perseguição aos cristãos e católicos" e "pela perseguição aos uigures" perpetradas pelo regime de Pequim também foram aprovados, beneficiando das abstenções de socialistas e sociais-democratas. Só o PCP votou contra.
Unanimidade houve no voto de pesar pela morte do socialista André Bradford , como na congratulação pela vitória da seleção nacional de hóquei de patins e pela classificação como património da humanidade de três monumentos nacionais.
O Estatuto do Ministério Público foi aprovado, como já se antecipava, com os votos favoráveis de PS, CDS e PEV, a abstenção do BE e os votos contra do PSD e PCP.
A recomendação de uma "auditoria independente ao Novo Banco relativa ao período pós-resolução", apresentada pelo PSD, foi aprovada por todas as bancadas com exceção dos socialistas.
"O que é indispensável auditar é o que ainda não foi avaliado, ou seja, o que se passou desde a resolução", defende o texto dos sociais-democratas. "Em particular", esclarece o projeto de resolução, "dado que o acordo de venda à Lone Star de 2017 considerou retroativamente as valorizações dos ativos e passivos desde 30 de junho de 2016, deve ser auditado tudo especialmente desde essa altura".
Num projeto de resolução do PCP que propunha o estudo da "possibilidade da introdução da sesta na educação pré-escolar", o PS levantou-se contra. Todas as restantes bancadas votaram a favor. Mais à frente, um projeto de resolução idêntico, apresentado pelo PAN, acabou chumbado: PS e CDS votaram contra e o PSD absteve-se em relação a este texto que propunha "um plano individual de sesta" para cada criança.
Com a abstenção do CDS, o projeto de lei do PAN para estabelecer "mecanismos de regularização da dívida por não-pagamento de propinas em instituições de ensino superior públicas" foi aprovado. Neste texto, estabelece-se que os alunos que "apresentem comprovada insuficiência económica e que tenham dívidas pelo não-pagamento de propinas, beneficiam de um período de carência para pagamento dessas dívidas pelo período previsto para a conclusão de licenciatura ou mestrado, acrescido de dois anos".
Já um projeto de lei do PAN que "regulamenta o fim que deve ser atribuído às pontas dos cigarros" foi aprovado só com votos contra do PCP. Este projeto estabelece que é "proibido o descarte de pontas de cigarro, de charutos ou outros cigarros decorrentes de produtos de tabaco para a via pública".