Saúde. Governo deixou mesmo cair as PPP. DN revela documento
Lia-se assim, no texto original da proposta de lei do Governo com a revisão da Lei de Bases da Saúde, texto que entrou no Parlamento em 13 de dezembro do ano passado: "A gestão dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde é pública, podendo ser supletiva e temporariamente assegurada por contrato com entidades privadas ou do setor social."
Dito de outra forma: nesta fase do campeonato, o Governo ainda defendia a possibilidade de continuarem a existir no setor da Saúde parcerias público-privadas, vulgo PP
Mas depois a negociação evoluiu. Em 4 de abril passado, num debate quinzenal no Parlamento, o primeiro-ministro revelava que o Governo já havia mandado uma nova versão da proposta de lei, salientando Costa as "convergências" à esquerda na matéria e desvalorizando a ausência de apoio dos partidos à direita do PSD e CDS: "Não temos que nos deprimir com a ausência de apoio de partidos que nunca apoiaram o SNS [referia-se ao PSD e ao CDS]."
Nessa nova versão, a que o DN teve acesso, o Governo claramente deixava cair a possibilidade das PPP. O artigo referido no primeiro parágrafo desta notícia passou a ter a seguinte redação: "A gestão dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde é pública, devendo a escolha dos titulares dos seus órgãos de administração respeitar os princípios da transparência, publicidade, concorrência e igualdade."
Ou seja: caiu a possibilidade de a gestão de estabelecimentos do SNS serem geridos, ainda que de forma "supletiva" e "temporária", por entidades privadas ou do setor social.
Com esta formulação, o Governo acolhia, ipsis verbis, uma proposta de alteração ao diploma original apresentada pelo Bloco de Esquerda. E foi por isso que os bloquistas anunciaram que o Governo acolhera a ideia bloquista de acabar a prazo com as PPP - não renovando os contratos em curso. A negociação - note-se - foi entre o BE e o Governo. Ou seja, não envolveu, pelo menos em primeira linha, deputados do PS.
Face ao cantar de vitória dos bloquistas - assente, como se vê, num documento enviado ao partido pelo Governo - voltou a sentir-se a pressão do Presidente da República ameaçando com um veto à lei caso esta não deixasse em aberto a possibilidade de existirem na Saúde parcerias público-privadas.
Anteontem, numa entrevista à RTP, Marcelo Rebelo de Sousa dizia mesmo que esta seria uma escolha "irrealista". Pelo meio, o Presidente da República fez passar insistentemente a mensagem de que preferia um acordo para a nova Lei de Bases da Saúde feito entre o PS e o PSD do que um feito entre o PS e os partidos à sua esquerda.
As pressões presidenciais surtiram efeito - mas quem teve de assumir a cambalhota foram os deputados do PS e não o Governo, a quem coubera fazer a contra proposta que pôs o BE pensar que tinha mesmo conseguido acabar com as PPP.
Ontem, na comissão parlamentar de Saúde, os deputados socialistas, voltaram a apresentar um novo texto, ressuscitando as PPP: "A gestão dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde é pública, podendo ser supletiva e temporariamente assegurada por contrato de direito público, quando devidamente fundamentada, devendo a escolha dos titulares dos órgãos de administração dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde respeitar os princípios da transparência, publicidade e igualdade."
Hoje, através de Catarina Martins, o Bloco de Esquerda afirmou-se "chocado" com o "flic-flac" à retaguarda do Governo, colocando esse volte-face à conta de exigências do Grupo Mello (o maior operador privado no setor da Saúde).
Um acordo PS+BE, a que se juntaria o PCP, parece agora ferido de morte. Contudo, ao manter a possibilidade das PPP, o Governo acaba por ir ao encontro das pretensões do PSD - como aliás Rui Rio hoje já salientou. Pode muito bem acontecer que a fracassada maioria de esquerda para aprovar uma nova Lei de Bases da Saúde acabe por ser substituída por uma maioria de 'bloco central' (PS+PSD).
Dito de outra forma: pela maioria que o Presidente da República sempre exigiu.