Rui Rio admite revisão constitucional para rever sistema de Justiça
Em 47 minutos de discurso, uma única vez Rui Rio foi interrompido por uma ovação da plateia que o ouvia, no encerramento da 1ª convenção do Conselho Estratégico Nacional do PSD, no Europarque, em Santa Maria da Feira (Aveiro).
Os aplausos ocorreram quando denunciou a atividade "cada vez mais intrusiva" e "cada vez mais prepotente" da Autoridade Tributária: "Já só falta o cidadão ser obrigado a deixar o funcionário do fisco dormir lá em casa, para melhor lhe vasculhar os armários, as gavetas e, se necessário for, os próprios bolsos."
E aqui - acrescentou - entra também o problema do sigilo bancário: porque "ele pode ser hipocritamente defendido para esconder do povo quem são os devedores da banca" mas isso "já não aplica quando se trata de dar carta branca à Autoridade Tributária para remexer nas contas dos contribuintes", que, além do mais, "são aqueles que pagaram, com os seus impostos, os biliões que a banca impunemente destruiu".
Assim sendo, ficou a promessa: "É justamente isto que temos de mudar."
A Autoridade Tributária não foi porém a única força de Estado alvo das críticas do líder do PSD. O Ministério Público também esteve presente - e não foi poupado.
Rui Rio prometeu que o PSD proporá "medidas corajosas" para que se faça "uma grande reforma da Justiça". E serão "desde as mais simples" até às que possam "implicar uma revisão constitucional". Não deu detalhes sobre a intenção mas logo a seguir afirmaria que "a transparência e o escrutínio público exigem que a sociedade esteja mais presente nos Conselhos Superiores do setor da justiça".
Seguiu-se então o ataque o Ministério Público: "Compreende-se a reação corporativa de alguns membros do Ministério Público quando combatem pela manutenção de um poder fechado ao exterior e, em larga medida, controlado pelos sindicatos".
Contudo, "não se pode aceitar a tentativa de manipulação da opinião pública as forças sindicais [do MP] agitam demagogicamente os fantasmas de um controlo político sobre as investigações, que sabem que é impossível existir a partir do Conselho Superior".
Ou seja: "Ninguém quer políticos na justiça", o que se quer é "um controlo efetivo da sociedade sobre o funcionamento da justiça" porque "em democracia não pode haver nenhum poder que não esteja sujeito ao controlo e fiscalização do povo".
E "se é verdade que não queremos a política na justiça, também não é menos verdade que não queremos a justiça na política".
Dito de outra forma: "Se são intoleráveis as pressões de políticos sobre o sistema judicial [...] também não são menos intoleráveis as pressões ou a gestão de processos judiciais em função de objetivos de natureza política. O condicionamento do poder parlamentar legislativo por parte do poder judicial é tão reprovável como o seu contrário."
Num discurso de 15 páginas, Rio - como aliás tinha prometido - não disse como o PSD irá votar a moção de censura do CDS ao Governo. Veladamente, no entanto, criticou Assunção Cristas. Logo no início da sua intervenção, disse que a política "não tem qualquer utilidade quando é exercida em torno de guerras partidárias estéreis ou conduzida por temas virtuais" que "nada dizem ao cidadão comum".
Já mais próximo do fim, acrescentaria "um povo civilizado [não] faz as suas escolhas em benefício dos que mais agridem verbalmente o seu adversário". "Dizer muito mal dos outros não é programa que configure uma estratégia para resolver os problemas dos portugueses e recolocar Portugal no caminho do conhecimento."
O setor da justiça foi referido por Rio como alvo prioritário de medidas reformadoras mas não foi único. Sistema Político, Demografia, Saúde, Economia, Transportes também foram áreas que lhe mereceram extensas referências. E, mais uma vez, fez a pedagogia da necessidade de valorizar o diálogo interpartidário: "As reformas mais pesadas e mais profundas de que o país necessita só as faremos se houver sentido de Estado por parte das forças partidárias", disse. E isso tem de se sobrepor a uma cultura política assente numa "permanente desconfiança", num "permanente combate" e numa "constante atitude primária de bota abaixo".
Na reforma "absolutamente prioritária" do sistema político voltou a falar na necessidade de se mudar o sistema eleitoral - para "renovar um regime que vai apresentando evidentes sinais de degradação política". Entre as ideias que avançou - e que estão por ora apenas em ponderação - falou na possibilidade de se constituírem "círculos eleitorais mais pequenos"; numa "redução sensata do número de deputados", na "contabilização dos votos nulos e brancos para efeito do número de deputados a eleger".
Já na Saúde, insurgiu-se contra a ideia de rutura entre os sistemas públicos e não públicos (privados ou sociais). "É o Estado que tem de garantir ao cidadão o acesso ao SNS em tempo útil", disse. Mas "para isso deve, sem tabus, aceitar a colaboração do setor social e do setor privado". Assim, "o que temos de colocar no centro da questão é o doente, que tem de ter acesso a uma resposta eficaz e ao preço mais económico para o Estado".
Ou, dito de outra forma: "Se um hospital gerido por uma entidade privada atinge determinados níveis de resultados, temos de conseguir que os hospitais geridos diretamente pelo setor público consigam alcançar esse mesmo patamar." É este "o desafio que cabe ao Estado, não é renegar toda e qualquer colaboração com os outros setores".
Nas políticas económicas, o líder do PSD prometeu inverter as prioridades do atual Governo. Conseguir mais crescimento económico será "uma prioridade absoluta" pois só com isso o PSD poderá "prometer de forma séria e sustentada melhores empregos, melhores salários e melhores serviços públicos".
Assim, "não é o consumo que tem de ser o motor do crescimento económico". "Os motores do crescimento têm de ser as exportações e o investimento", sendo que "o reforço do consumo privado deve ser a consequência de mais produção e não o contrário". A prioridade será então lançar políticas públicas que "criem um ambiente favorável aos exportadores e aos investidores", passando essas políticas, nomeadamente, por uma "fiscalização justa dos apoios sociais abusivamente utilizado".
E quanto à atual solução governativa, ela "não tem uma estratégia de crescimento sustentado", o Governo "nada cuidou do futuro pois só o presente interessa", movido que foi apenas pela necessidade, do PS, do BE e do PCP, em "competição" entre si, verem "quem melhores notícias consegue dar ao eleitorado".
Antes de Rio discursar, subira ao palco o cabeça de lista do PSD às Europeias, Paulo Rangel, para anunciar que o comissário Carlos Moedas - que o atual Governo não deixará que seja reconduzido no executivo europeu - será o mandatário nacional da campanha social-democrata para o Parlamento Europeu.
Rui Rio, pelo seu lado, concluiu a sua intervenção salientando o caráter "inédito" da convenção do Conselho Estratégico Nacional, estrutura que está a preparar o programa eleitoral que o PSD apresentará nas eleições legislativas.
"Não discutimos nomes, não elegemos ninguém para nada, não houve os truques nem as jogadas de bastidores infelizmente tão frequentes em reuniões político-partidárias. Estivemos aqui apenas a debater o nosso país."