"Façam qualquer coisa para defender a costa e não venham para cima dos desgraçados"

Deputados do PCP foram ver a erosão na praia da Apúlia, Esposende, e ouviram queixas de pescadores e empresários da restauração. "Têm que fazer ver ao ministro do Ambiente que é uma cisma dele", disseram-lhes.
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Na praia da Apúlia, Esposende, com o mar a fustigar as rochas e a areia, o homem apontou para a casa sem chão, suspensa nas dunas, para que os deputados do PCP pudessem ver o que lhes estavam a tentar explicar. Ao seu lado, outro desabafou: "Façam qualquer coisa para defender a costa e não venham para cima dos desgraçados."

Nem todos se convenceram com os lamentos de quem vê o mar comer a areia e vive e trabalha ali, naquela faixa de terra que se prolonga para norte até Esposende e para sul até à Póvoa de Varzim. Um terceiro indivíduo pediu o impossível: "Vamos ter que desocupar o litoral."

No âmbito das suas jornadas parlamentares, que decorrem esta segunda e terça-feira em Braga, o PCP programou uma visita de deputados da Assembleia da República e do Parlamento Europeu à Apúlia para um encontro informal com pescadores e empresários da restauração daquela praia.

Numa sala de um restaurante fechado para descanso do pessoal, O Mudo, assim se chamava, os participantes não deram descanso às palavras a favor e contra a desocupação do litoral. Em causa está a construção de esporões mais a norte, para proteger a restinga do Cávado, junto a Esposende, que desprotegeu as praias a sul, nomeadamente os areais da Apúlia.

Os habitantes das muitas casas das dunas e dos restaurantes que se estendem ao longo da marginal querem que os esporões sejam retirados ou pelo menos encurtados.

Até um membro da União de Freguesias de Apúlia e Fão - que se apresentou como "camarada de António Costa", mas que já deixou de ser militante do PS - lamentou que não haja dinheiro para pagar a enfermeiros e professores, mas há para os esporões. E defendeu que se devia apostar na defesa daquele litoral.

"Têm que fazer ver ao ministro do Ambiente que é uma cisma dele", atirou outro homem. "Nos Países Baixos", exemplificou um dos proprietários de uma das casas, "o mar não avança", arranje-se pois uma solução que ajude a manter casas e restaurantes onde o mar não os quer. "A natureza é que manda", tinha já atirado o ambientalista, que saiu muito antes de a sessão terminar.

A culpa é dos homens que em Lisboa decidiram construir esporões, não ouvindo pescadores, que esses é que "são os técnicos", como aquele que tinha 60 anos de mar, entre a apanha do camarão e a pesca do bacalhau. A Agência Portuguesa do Ambiente, que todos despachavam por APA, decidiu "sem ouvir os interessados", definiu um representante dos restaurantes. "O que está pensado é extremamente preocupante, querem demolir toda uma zona economicamente interessante", sintetizou, admitindo que há "algumas zonas abarracadas que têm de ser requalificadas".

Outro homem pediu a palavra para dizer que "o que é preciso é gastar no essencial" e "se o essencial for retirar da costa, que se retire da costa". O debate das alterações climáticas não é coisa distante, vê-se ali na casa sem chão suspensa na duna. "A comunidade científica mundial diz que o melhor é retirar, gaste-se a proteger bens e pessoas", pediu, lembrando que todos são contribuintes e é daí que vem o dinheiro para pôr e retirar esporões, para fazer ou desfazer enrocamentos, para proteger ou desmantelar negócios e casas. "Já se atirou muito dinheiro por água abaixo", disse, usando a imagem óbvia.

Ouvidos os prós e contras, o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, sublinhou no final aos jornalistas que se deve cuidar da "sobrevivência destas comunidades". Antes tinha desafiado a comunidade da Apúlia a juntar-se a outras que sentem na pele os mesmos problemas, para melhor se encontrarem respostas nacionais para estes casos locais. Mas deixou uma certeza: "Não me parece que seja adequado deslocalizar populações." O mar também terá uma palavra a dizer.

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