Distúrbios psiquiátricos e disciplina. Exército tira dois militares da República Centro-Africana
Para matar saudades de um ex-militar dos Comandos a trabalhar em Bangui, um cabo do Exército em serviço na República Centro-Africana (RCA) arriscou a sua segurança e a da viatura ao desviar-se do percurso sem autorização. Agora regressou a Lisboa, com um processo disciplinar que pode resultar em detenção ou proibição de saída da unidade, soube o DN.
Este foi um dos dois militares portugueses que há cerca de duas semanas regressaram a Portugal, sensivelmente a meio da missão de seis meses na RCA ao serviço das Nações Unidas, acompanhados por um sargento que já regressou a Bangui, indicaram fontes militares ouvidas sob anonimato por não estarem autorizadas a falar sobre o caso.
Os seus dois substitutos deverão chegar esta semana à RCA, depois de concluído o processo de vacinação necessário para o efeito no Hospital das Forças Armadas (HFAR).
O repatriamento do primeiro militar deveu-se a uso indevido de viatura, cujo percurso estava a ser monitorizado com equipamentos de geo-referenciação durante a missão que estava a cumprir, indicou uma das fontes. Isso levou à perda de confiança dos responsáveis dos Comandos atualmente destacados naquele país africano.
Embora os pormenores sejam escassos, sabe-se que o cabo pertencia ao staff do major-general português que desempenha as funções de segundo comandante da força das Nações Unidas na RCA. O militar quis rever um antigo camarada dos Comandos a trabalhar para a ONU como civil e, "sem autorização e sem informar", foi ter com o amigo - colocando em risco a sua segurança e a da viatura numa cidade onde contingentes anteriores chegaram a travar batalhas de várias horas contra grupos armados.
O porta-voz do Estado-Maior General das Forças Armadas, comandante Coelho Dias, confirmou o caso ao DN, mas escusou-se a dar mais pormenores dado serem questões administrativas e disciplinares a cargo do Exército
A porta-voz do Exército disse, por sua vez, que "o repatriamento está em conformidade com a dinâmica da força e a manutenção da prontidão operacional" do destacamento.
A segunda rendição deve-se aos problemas de natureza psiquiátrica revelados por um dos militares do 5.º contingente português na República Centro-Africana e que justificaram o seu acompanhamento, por um graduado, durante a viagem de regresso a Lisboa, revelou outra das fontes.
O soldado estaria a ter discursos incoerentes e com alusões autodestrutivas, o que fez soar os alarmes entre os camaradas - nomeadamente entre os que receberam formação específica em matéria de saúde mental.
A decisão de retirar o soldado da RCA, onde atualmente estão duas médicas militares, envolveu o Centro de Psicologia Aplicada do Exército que, através do seu Núcleo de Apoio e Intervenção Psicológica (NAIP), faz o acompanhamento dos efetivos a destacar para o estrangeiro nos meses anteriores à missão, durante e depois.
O atual contingente de forças portuguesas ao serviço da ONU na RCA está no terreno desde o início de março, semanas após ter sido assinado um acordo de cessar-fogo entre o governo e os grupos armados que controlam partes significativas do país - e contra os quais os militares portugueses foram chamados a combater, por vezes com grandes níveis de intensidade e durante horas, ao longo dos dois anos anteriores.
Portugal participa nesta missão desde 2017, fazendo a rotação dos seus contingentes a cada seis meses. Integrando sempre alguns controladores aéreos táticos da Força Aérea, as duas primeiras forças assentaram em unidades de comandos e as duas seguintes nas de paraquedistas.