Crise política? Bloco e PCP respondem que é artificial
Não há crise política. É "artificial", dizem o PCP e o Bloco de Esquerda em resposta ao Governo que trouxe a ameaça ao debate político depois do todos os partidos com assento parlamentar se terem unido numa coligação negativa - só os socialistas votaram contra - para aprovar a alteração ao decreto do Governo que determina que o tempo de serviço a recuperar aos professores será de nove anos, quatro meses e dois dias.
O governo foi rápido a dramatizar a situação e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, já veio alertar que a governabilidade do país. "Está em causa a governabilidade do país, é verdade. Se pusermos em causa as bases da política financeira do país, é evidente que estamos a pôr em causa a governabilidade" afirmou o número dois do Governo.
Esta sexta-feira, logo pela manhã, a líder do Bloco de Esquerda usou as redes sociais para acalmar as hostes. "A manhã parece marcada por tentativas de criar um ambiente de crise política. Esse ambiente é totalmente artificial."
E deixa quatro breves notas para se justificar "1. O que foi aprovado ontem no Parlamento limita-se a corrigir um decreto-lei do Governo que desrespeita os OE/18 e OE/19, que explicitamente previam a contagem integral do tempo de serviço de todas as carreiras especiais da função pública para efeitos de descongelamento (de forma faseada)", escreve Catarina Martins.
A coordenadora do BE acrescenta que a solução encontrada para os professores respeita esse faseamento, não representa qualquer acréscimo de despesa no ano em curso e respeita a autonomia negocial do próximo Governo e lembra ainda que, nos Açores, onde o PS governa com maioria absoluta, a contagem integral do tempo de serviço já está garantida. Na Madeira também está já garantida.
Termina, na quarta nota, com uma crítica: "A única despesa extraordinária e não prevista no OE 2019 com que o Governo se deparou é a que decorre do pedido do Novo Banco. São mais 450M€, que o Governo já considerou acomodáveis."
Segundo o Governo, esta solução agora aprovada terá um impacte financeiro entre os 600 e os 800 milhões de euros ao ano, podendo também ter problemas de inconstitucionalidade.
Da parte dos comunistas, João Oliveira afirmou, na TSF, que o PS tem motivações eleitoralistas para passar a ideia de que foi abandonado pelos partidos que o suportam no Governo. O líder parlamentar do PCP afirmou ainda que o Executivo tem de perceber que "não tem poderes absolutos". "Há decisões que cabem à Assembleia da República", disse.
"A reposição desse direito ficou decidida no Orçamento do Estado para 2018 e o Governo escolheu não lhe dar cumprimento", disse.
Em conferência de imprensa no Parlamento, o PCP usou, por quatro vezes, a acusação de "calculismo eleitoral" para qualificar a criação de um ambiente de crise pelo Governo em torno da contabilização total do tempo de serviço dos professores.
"Só o calculismo eleitoral pode justificar que o Governo utilize a reposição de um direito consagrado nos orçamentos do Estado de 2017 e 2018 como pretexto para abrir um clima de crise e tentar impor retrocessos", afirmou João Oliveira.
Já a líder do CDS, Assunção Cristas, considerou esta sexta-feira que o Governo de António Costa está "a montar uma fantochada para se vitimizar", a "dramatizar" e a criar uma crise "que não existe" e desafiou o primeiro-ministro a apresentar uma moção de confiança.
Cristas acrescentou, por outro lado, que a medida aprovada "não aumenta um cêntimo ao Orçamento" - "não há, por isso, qualquer proposta irresponsável, como querem fazer crer."
"Não nos vinculamos a qualquer calendário. A nossa posição é a mesma desde sempre", disse no Parlamento em declarações aos jornalistas.
"Se o Governo sente que perdeu o seu apoio parlamentar", então "apresente uma moção de confiança" na Assembleia da República, que, a ser aprovada, ditaria a queda do executivo.
"Se quer eleições assuma-o e não arranje desculpas", afirmou ainda, ao mesmo tempo que garantiu que o seu partido está "sempre" preparado "para eleições".
As centrais sindicais - UGT e CGTP - mostraram-se esta sexta-feira satisfeitas com a aprovação pelos partidos políticos do tempo de serviço dos professores e já veem aqui uma oportunidade para aplicar a contagem do tempo congelado às restantes carreiras da função pública.
"A decisão que foi tomada pelos partidos da Assembleia da República foi justa, repôs aquilo que é justo aos professores e dá a hipótese de se programar a discussão no tempo", disse à agência Lusa o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos.
"Quanto ao futuro, parece-nos que, iniciado o processo para resolver o problema da contagem de tempo dos professores, é preciso também avançar com o princípio da igualdade de tratamento relativamente a todos os profissionais da administração pública", salientou.
De acordo com Arménio Carlos, o Governo deve abrir um espaço de discussão para que também os serviços de todos os trabalhadores da administração pública possam ser considerados e programados.
"Deve ser feito o respetivo pagamento sem retroativos, mas numa perspetiva de futuro", disse.
Na opinião de Arménio Carlos, o Governo "não pode justificar que não tem dinheiro".
"O mesmo Governo que diz não ter dinheiro para responder a compromissos que tem com os trabalhadores da administração pública é o mesmo Governo que ainda recentemente disponibilizou sem pestanejar mais de mil milhões de euros para o Novo Banco, um banco privado", destacou.
A UGT considera que a aprovação do tempo de serviço dos professores se traduz no respeito pelas "legítimas expectativas de quem lhes foi sonegado o direito de verem o seu tempo de trabalho contado para todos os efeitos, seja de carreira, seja de reforma".
Na opinião do líder da central sindical, Carlos Silva, está agora reposta a legalidade: "Esperemos que agora o Governo não encontre pelo meio armadilhas para se furtar a esta decisão parlamentar."
Carlos Silva reiterou a disponibilidade dos sindicatos para negociar e encontrar uma plataforma de entendimento para ver como o Governo pode pagar.
O secretário-geral da UGT lembrou que o Millenium BCP teve há uns anos uma dívida e houve um entendimento para a redução dos salários. "Depois de ultrapassado o problema, o banco ganhou músculo. Os sindicatos não pediram ao BCP para pagar tudo, mas sim de forma escalonada. Agora colocamos a questão da mesma forma", esclareceu.
Carlos Silva disse ainda, em declarações à Lusa, que a decisão vem abrir expectativas para as "chamadas 17 carreiras da administração pública".
"Os sindicatos estão cá para negociar e ajudar os trabalhadores. Agora o importante foi que a decisão do parlamento, com maioria ou não, está tomada e vem repor as legítimas expectativas de quem trabalhou", disse.
Com Lusa