Moção de censura do CDS. "Governo está esgotado, falha às pessoas"

A líder do CDS anunciou esta sexta-feira a entrega de uma moção de censura ao governo no Parlamento. Assunção Cristas acusou o executivo liderado por António Costa de "estar esgotado" e "falhar as pessoas". Esquerda já anunciou chumbo da iniciativa
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"O CDS prefere ir já para eleições do que esperar oito meses com um governo desnorteado". Foi assim que esta sexta-feira a líder centrista justificou a segunda moção de censura ao executivo apresentada nesta legislatura. Assunção enumerou as "falhas" do governo liderado por António Costa, que vão desde a economia, passando pelos serviços públicos até à autoridade do Estado.

Assunção admitiu que a iniciativa do seu partido de censurar o governo, que será debatida e votada na próxima quarta-feira, obrigará à "clarificação de todas as forças no Parlamento". Ou seja a encostar o PCP e o BE ao Executivo em ano de eleições legislativas e obrigar o PSD de Rui Rio a a posicionar-se. Já que na anterior moção de censura apresentada pelo partido em outubro do ano passado, era ainda Pedro Passos Coelho quem comandava os destinos dos sociais-democratas e decidiu na hora apoiar a iniciativa centrista.

"Permanentemente preocupado com a sobrevivência política da sua criação, o primeiro-ministro colocou o partido à frente do país", afirmou a líder centrista, lembrando que a legislatura começou com um contexto nacional e internacional muito favorável. "Prometeu tudo a todos. Comprou a paz social enquanto existiu dinheiro. Mas não fez as reformas que eram necessárias, empurrando os problemas com a barriga, na esperança de que o tempo os resolvesse".

Seguiu-se o ataque às "esquerdas unidas", que apoiam o governo no Parlamento e a colagem ao anterior de José Sócrates. "Preso às ideologias radicais dos parceiros que lhe permitem manter o poder, o Governo foi revertendo muito, fazendo pouco e tentando, com uma gestão hábil de expectativas e de comunicação, criar a ideia de que tudo estava melhor, apostando nas meias verdades - na tradição da velha "escola socrática".

A presidente do CDS acusou o governo de ter feito crescer os impostos indiretos, de ter feito cair o investimento público para níveis históricos e de ter feito colapsar os serviços públicos

"Os serviços públicos colapsaram - por más escolhas e por incapacidade do Governo. Este é o Governo dos serviços públicos mínimos e da carga fiscal máxima", disse Assunção Cristas, remetendo para a contestação social, com particular destaque para a área da Saúde.

"Apesar do esforço de todos os profissionais, o SNS dá uma má resposta quando no hospital de Vila Real, um doente tem de esperar mais de 4 anos e meio por uma consulta de Urologia ou, em Faro, 1.090 dias por uma consulta de Ortopedia, só para dar dois exemplos. Não podemos aceitar que os doentes tenham de levar lençóis de casa, ou que, onde ainda há lençóis, os mesmos tenham de servir também de toalhas." Reforçou ainda a ideia de que "por preconceito ideológico", o governo quer acabar com as PPP na Saúde e com a ADSE.

Ao nível de outros serviços públicos, deu o exemplo da degradação da ferrovia, tema que também tem sido uma das bandeiras do CDS." A promessa de investimento de 2 mil milhões de Euros na ferrovia até 2020 teve uma execução, segundo as Infraestruturas de Portugal, de apenas 5% em dezembro de 2018. Não é por isso de estranhar a existência de notícias que nos dão nota de automotoras que perdem motores, de pontes com falta de manutenção ou de comboios sem gasóleo ou de outras infraestruturas com défice de investimento."

O governo, disse, é incapaz de contrariar o abrandamento económico e acusou ainda que "compromete Portugal na União Europeia, ao apoiar o fim da regra da unanimidade em matéria fiscal". A Assembleia da República, garantiu, não concedeu ao Governo um cheque em branco, para acabar com a regra da unanimidade e assim alienar a nossa soberania fiscal, e no entanto é o que o Governo tem defendido em Bruxelas nas costas dos portugueses.

"O Governo falha às pessoas: falha na dimensão social, falha no investimento, falha na economia e falha na soberania e segurança dos portugueses. Não nos esquecemos do conjunto vasto de material de guerra, furtado dos paióis de Tancos ou do roubo de armas às forças de segurança sem que se conheçam responsabilidades políticas. A erosão da autoridade do Estado estende-se ao sistema prisional, onde os motins se repetem, em resposta às greves. À desmotivação das forças de segurança acresce a sua reiterada desautorização. O Governo falhou, sendo incapaz de garantir a confiança e a motivação das forças que nos garantem a segurança".

Assunção Cristas fez o resumo dos motivos para avançar com a moção de censura: "O Governo está esgotado e o Primeiro-Ministro perdido. Um Governo que cria problemas, mas que é incapaz de encontrar soluções. Um Governo desorientado, desconcertado, sem ambição e sem programa".

Uma moção destinada ao chumbo

Tal como aconteceu em 2017, a moção de censura já tem chumbo certo. Depois da conferência de imprensa de Assunção Cristas, o PCP anunciou no Parlamento o voto contra a iniciativa. "Isto não passa de uma encenação do CDS", atacou o líder parlamentar comunista. "Naquilo que é negativo para o país, o CDS votou ao lado do PS e do PSD", continuou João Oliveira. Anúncio de voto contra acompanhado pouco depois pelo seu congénere do Bloco de Esquerda, que acusa o CDS de estar mais preocupado com o estado da direita do que com a realidade concreta do país. "O CDS usa uma moção de censura como ação de campanha", criticou Pedro Filipe Soares, que do discurso de Assunção Cristas retirou uma "defesa das Parcerias Público Privadas na Saúde e do abuso dos privados na ADSE". Carlos César, líder da bancada socialista e presidente do PS, foi ainda mais longe e rotulou de "irrelevante" a moção centrista. O PSD só deve reagir amanhã.

Os acordos firmados em 2015 entre o governo, bloquistas, comunistas e PEV não impõem a obrigatoriedade de chumbo de uma moção de censura. A formulação ​​​​é igual em todos os textos, estabelecendo o compromisso de os partidos "examinarem, em reuniões bilaterais que venham comummente a serem consideradas necessárias, matérias cuja complexidade o exige" - e uma delas é precisamente a apresentação de moções de censura ao governo.

A moção é discutida na quarta-feira de manhã e à tarde e votada no final dos trabalhos. A ordem de trabalho passa para quinta-feira, o que obrigou a cancelar o debate quinzenal agendado para esse dia

Primeira moção

Esta é a segunda vez que o CDS apresenta uma moção de censura contra o governo nesta legislatura. Há pouco mais de um ano, os centristas tentaram derrubar o executivo logo após os fogos de outubro de 2017, onde morreram 50 pessoas. Tragédia que se juntou à vivida poucos meses antes em Pedrógão.

No texto da moção, com um título autoexplicativo - "Pelas falhas do Governo nos incêndios trágicos de 2017", o CDS-PP considerava que "as medidas anunciadas para o médio e longo prazo não justificam a omissão no curto prazo" e que, no período entre as duas tragédias, "o primeiro-ministro não se mostrou disponível para assumir as responsabilidades políticas". Na altura, o líder parlamentar centrista, Nuno Magalhães, argumentou que "se melhor razão não houvesse para a moção do CDS, ela resultou na confissão do Governo, com a demissão da ministra da Administração Interna e o pedido desculpa do primeiro-ministro".

Como se antecipava, a moção de censura foi rejeitada com 122 votos contra, do PS, PCP, BE, PEV e do deputado do PAN, e 105 votos favoráveis, do CDS-PP e do PSD. Agora, o Governo socialista terá de enfrentar a 30ª moção de censura apresentada no Parlamento em democracia, a oitava da autoria do CDS-PP. Só uma vez este mecanismo, que provoca a queda do governo, foi aprovado na Assembleia da República. Foi em 1987, numa moção de censura apresentada pelo extinto PRD, que provocou a queda do governo minoritário de Cavaco Silva, que viria a ganhar as eleições seguintes com uma maioria absoluta.

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